sábado, 24 de janeiro de 2009

Não quero ser um burocrata de igreja nem um moralista sisudo

Preocupa-me a possibilidade de me tornar um burocrata de igreja, que zela pelo andamento das coisas religiosas sem atender à voz de Deus nem à voz dos crentes, e sem estar sensível à voz daqueles que não professam a fé cristã (aqui lembro do livro Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, de John Stott). Esse receio tem sobrevindo à minha mente agora que minha vida tomou rumo distinto em diferentes aspectos, mudando o foco de minhas cogitações teológicas.
Também não quero ser um moralista sisudo, desses que espreitam o comportamento alheio e apontam o erro com um dedo farisaico dirigido ao pecador, meu igual. Sinto tristeza sempre que me vejo agindo parecido com isso.
Tanto a ação na igreja como a moralidade cristã devem estar fundamentadas no amor. Devo ir ao templo e fazer julgamentos éticos a partir de uma concepção cristã construída na Palavra de Deus pela fé. Devo formular argumentos sólidos para tentar convencer meus interlocutores, mas sem a pretensão de ser melhor do que ninguém – sabendo, antes, que o respeito ao próximo é imperativo da ética de Cristo.
Numa conversa sobre costumes, sexualidade, valores morais, as pessoas não-evangélicas ou não-cristãs podem nos ver como fanáticas, obscurantistas, legalistas. Pode ser que nos vejam assim ainda que tenhamos um discurso amoroso e sincero, mas devemos evitar que suas impressões sejam verdadeiras. Que nos chamem de ignorantes e nos rotulem, mas não lhes demos razões para isso.
Em dias de pós-modernidade, o relativismo ensina que não existe o certo e o errado, o adequado e o inadequado, que tudo depende do ponto de vista, da subjetividade. Acabou-se a moral. Sob o pretexto de que não se pode julgar, de que não se pode atirar a primeira pedra, de que todo mundo é pecador, dizem que não podemos fazer juízos de valor, o que seria, naturalmente, o fim de toda discussão ética, e a cessação, em última análise, até mesmo de minha profissão ligada ao Direito.
As pessoas afirmam que não podemos impor a ética cristã à sociedade, e nisso estão certas. Mas não aceito a alegação de que não podemos propor ao mundo os postulados da ética cristã. Dito de outro modo, cabe a mim argumentar de maneira suficientemente clara e segura sobre os motivos que tornam a ética bíblica uma solução para os males sociais, e o critério de aperfeiçoamento humano. A questão é a seguinte: “Estou preparado para isso”? Creio que eu não estou, pois costumo ser contundente demais em diálogos com pessoas que negam peremptoriamente a autenticidade da Bíblia ou a validade das exigências éticas ali contidas.
Para estar preparado ao diálogo com o mundo, preciso não ser um burocrata cristão. Preciso ir além de uma rotina eclesiástica de ir ao culto e preencher um calendário de afazeres que tão-somente cumpre as tradições e anseios da religiosidade evangélica e de minha denominação. Devo renunciar ao ativismo de Marta e me apegar à humildade de Maria.
Não é fácil ser cristão de verdade. Fácil é ser burocrata e moralista. Fácil é comportar-se como o fariseu frente ao publicano, como os líderes de Israel frente a Jesus e Seus acompanhantes “maltrapilhos”, para usar uma expressão de Brennan Manning.
Definitivamente, só aceito ser cristão porque Jesus me aceitou primeiro. O sistema ético de Cristo é tão moral e intelectualmente elevado que nenhuma criatura poderia conceber seus valores de per si. Por outro lado, ser burocrata e moralista é tão fácil que acaba sendo comuníssima tentação, tangidos que estamos pela vontade de agradar a Deus, mas fustigados a todo instante pela sedução do legalismo e da hipocrisia.

2 comentários:

  1. É difícil discordar. Confesso que a tentação de ser fariseu, de criticar sem amor, de se achar melhor é grande, é presente, é forte. A advertência de Tiago para não sermos muitos de nós mestres, pois receberemos juízo mais severo, cabe bem.

    Que Deus tenha misericórdia de nós!

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