sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Série vocacionados – III (Samuel)*

Chegamos a Samuel. Eis um personagem cuja vocação muitos gostariam de imitar: concebido miraculosamente por uma mulher estéril, é consagrado por Deus desde a infância, vai morar com o sacerdote, um dia ouve a voz de Deus lhe fazendo um chamado explícito, quando ainda menino, e, depois de alguns anos, se torna juiz, sacerdote e profeta, alguém muitíssimo respeitado em sua pátria...Esse é um currículo e tanto!
É verdade que Samuel foi uma referência em Israel. Ele sucedeu o fraco sacerdote Eli, que permitiu que seus filhos fizessem coisas muito feias. Ele guiou o povo numa guerra vitoriosa contra os eternos inimigos filisteus. Ele deu estabilidade política a Israel num tempo em que não havia rei. Ele ungiu dois monarcas, Saul e Davi. Ninguém conhece a história de Israel se não conhece a história de Samuel.
Mas a história dos vocacionados nunca é linear como nós pensamos. Por mais que a carreira de um vocacionado pareça muito “certinha”, não é esse o caso. Certamente não foi o caso de Samuel.
Precisamos recordar que Samuel repetiu a experiência de Eli, pois seus filhos, que também eram juízes, não andavam em seus caminhos, a ponto de o povo pedir um rei. De fato, um dos motivos para o povo querer um rei, em vez da teocracia, foi a corrupção dos filhos de Samuel. Em que teria ele errado? Até que ponto vai a responsabilidade dos pais pelos pecados dos filhos? Não estou tratando disso, pois sei que a responsabilidade é pessoal, e o texto bíblico não deixa entrever que Samuel tenha dado a seus filhos uma educação ruim. O fato é que ele teve esse percalço em sua carreira, e, por mais que se considerasse o bom procedimento de Samuel, sempre estaria ali a lembrança de que seus filhos eram juízes corruptos, que aceitavam suborno.
Além disso, quando o povo pediu um rei, Samuel tomou as dores para si. Isso não demonstra um erro seu, mas uma suscetibilidade. Samuel, meus caros, era homem como nós. Ele sentiu-se rejeitado, quando o rejeitado ali era Deus – Israel não queria a teocracia, mas a monarquia. É comum assumirmos a responsabilidade por situações que não estão a nosso alcance ou que não foram criadas por nós. Isso mostra um pouco de nossa insegurança. A diferença na vida de Samuel foi que ele, sentindo-se rejeitado, resolveu orar. Essa é a atitude correta diante de todas as suscetibilidades.
Olhando para a vida de Samuel, não posso deixar de me sentir tranquilo: não nasci miraculosamente de uma mulher estéril. Não fui viver aos cuidados de um pastor importante para depois sucedê-lo. Não ouvi a voz de Deus quando menino. Não venci os filisteus nem me tornei juiz, profeta e sacerdote. Mas, à semelhança de Samuel, minha carreira não é linear, e tenho minhas suscetibilidades. A resultante disso tudo é a necessidade de conversar com Deus.
*Fundamentado nos 10 primeiros capítulos de I Sm.

2 comentários:

  1. Pois é. Noto também que ele tinha pena de Saul, mas isso não o impediu de obedecer a Deus quando o rejeitou e mandou ungir Davi. A questão dos seus filhos me leva a refletir o quanto a gente tende a repetir os erros dos pais. E o quanto a gente influencia os filhos, para o bem e para o mal. A referência de pai que Samuel teve foi Eli, pois (pelo que se depreende) ele só via o pai biológico, Elcana, anualmente. Mui sabiamente nos exortou Jesus que devemos amar mais a ele do que aos pais. Uma das heranças mais preciosas que recebi da minha mãe foi vê-la, anos a fio (até hoje,com 92 anos) a ler diariamente a Bíblia e a orar,o que ela chama de "hora silenciosa". Ela nunca me cobrou fazer isso, nem precisou. Que Deus tenha misericórdia de nós, pais, e nos livre de nos tornarmos pedra de tropeço para os nossos filhos.

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  2. "A diferença na vida de Samuel foi que ele, sentindo-se rejeitado, resolveu orar. Essa é a atitude correta diante de todas as suscetibilidades".

    Fazemos diferença quando oramos, quando nos colocamos na presença de Deus, quando insistimos em permanecer diante da FACE DE DEUS.

    Não significa desprezar a dor à moda dos filósofos estóicos; não significa ignorar a realidade tal como os gnósticos que atuavam no Vale do Rio Lico e ameaçavam o crescimento das igrejas de Colossos, Hierápolis e Laodicéis.

    Orar não é fuga do cotidiano duro e não deve inaugurar uma atitude monástica.

    Samuel fez a diferença em ser o que deveria ser na Presença de Deus (e era humano, e errava). Os filhos dele apenas viveram a humanidade manchada pelo pecado - Samuel era um humano na presença do Criador (o finito amparado no infinito).

    Samuel aprendeu a ouvir a voz de Deus "desde cedo" de modo a discernir o essencial do não essencial; o certo do errado; o falso do verdadeiro; o permanente e o provisório.

    Não sem razão ele fez tanta dieferença - para o bem, em Israel.

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