quarta-feira, 18 de abril de 2012

Carlos Ayres Britto, juiz ou poeta?

Carlos Ayres Britto, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sintetizou muito bem, no Jornal Nacional de ontem, sua hermenêutica constitucional: ele analisa a tendência contemporânea, os anseios da população, e depois verifica se é possível encaixá-los numa tese jurídica. Foi o Ministro quem o disse.
Com esse método, o doutor Ayres Britto pretende "conciliar o direito com a vida", algo que poeticamente pode significar alguma coisa...
Em teologia nós chamamos isso de eisegese, que difere da exegese. Eisegese é a prática hermenêutica que consiste em interpretar o texto de acordo com os pensamentos do intérprete. Já a exegese leva em conta, mais do que tudo, o texto.
O que o Ministro Ayres Britto faz, na verdade, é acolher, não os anseios populares, como ele diz, mas, isto sim, as teses "progressistas" de seu gosto. Com efeito, sabemos que nem o casamento gay nem a legalização do aborto são anseios populares, mas o Ministro defende esses supostos avanços. É certo que no julgamento da ação concernente ao aborto de anencéfalos o STF não tratou do aborto como um todo, mas quem tem dúvidas quanto ao entendimento do citado julgador? E há ainda a legalização da marcha da maconha!
O Ministro aprecia um bom jogo de palavras, mas seu apuro jurídico não é o melhor - que o digam os não-índios expulsos da Raposa-Serra do Sol que hoje vivem em pobreza e dificuldades depois que o STF, com a terrível contribuição de Ayres Britto, decidiu pela retirada de não-índios das terras ocupadas havia décadas, ante a manutenção da demarcação contínua daquela reserva.
Todos os julgamentos polêmicos dos últimos anos tiveram a contribuição ruim do Ministro Ayres Britto, que amanhã será empossado presidente da nossa Corte Suprema. 
Caberá possivelmente ao Ministro presidir a sessão que julgará o Mensalão - se for julgado até novembro, mês de sua aposentadoria -, e a ação relativa ao território ocupado por índios pataxó no Sul da Bahia. Aliás, alguém arrisca como o Ministro julgará essa causa?




quarta-feira, 11 de abril de 2012

Aborto de anencéfalos

O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando nesta quarta, 11 de abril, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) a respeito da "antecipação do parto" quando se trata de fetos anencéfalos. Na verdade, esse é outro nome para aborto.
Primeiro, há casos em que crianças diagnosticadas com anencefalia sobrevivem por mais de um ano. Diante disso, os especialistas favoráveis à interrupção/antecipação do parto dizem que o diagnóstico de anencefalia foi equivocado. Então, se há a possibilidade de diagnóstico errado, não se deveria aplicar o princípio in dubio pro vita?
Em seu voto, o Ministro-relator Marco Aurélio Mello disse que o caso dos anencéfalos se aproxima daqueles em que há risco de vida para a mãe, e que isso justificaria a aplicação dessa excludente de ilicitude prevista no Código Penal, devido a danos psicológicos à mulher. Ora, danos psicológicos diferem muito de risco de vida!
Marco Aurélio Mello fez longa introdução falando de laicidade do Estado. Citou a frase de Jesus quanto a dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Incorreu, a meu ver, em grande confusão, pois esquece que a vida não é toda explicada por conceitos científicos. Há filosofia, ética, moral. Não se trata de mera religiosidade, mas de entendimentos metafísicos! Ou o STF vai olvidar que seu papel não é arbitrar sobre temas transcendentes? Pior do que isso: o STF está caminhando para consolidar uma visão laicista e materialista. Com o pretexto de ser laico, acaba abrigando uma postura secularizada, antirreligiosa.
Ontem assisti a um pequeno debate na TV Brasil sobre este mesmo tema. Os convidados eram os professores Lenise Aparecida Martins Garcia, da UNB e do Movimento Brasil Sem Aborto, e Thomaz Rafael Gollop, terrível defensor do aborto. O Dr. Gollop foi autoritário, arrogante. Interrompia a professora, chateava-se facilmente, e demonstrou autoritarismo intelectual ao evocar sua condição de geneticista. Ele foi um dos mais citados por Marco Aurélio em seu voto, com toda a qualificação possível. E o Ministro colocou as coisas de tal forma que é como se os contrários ao aborto fossem obscurantistas, medievais. Ele prefere Gollop.
Esse julgamento histórico e o debate Garcia/Gollop são extratos de um momento delicado, em que o pós-modernismo impõe sua cosmovisão. O liberalismo ético assombra. A ciência coloca-se num altar. Cuidado, Doutor Marco Aurélio: daqui a pouco, dirão os cientistas que não precisam mais de juristas. Seus conceitos e experimentos dirão o direito.