A
quantidade de coisas a dizer sobre o Caso Marco Feliciano é enorme.
Para quem não sabe, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) está
enfrentando dura oposição de grupos de esquerda porque se tornou
presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados, comissão que até então havia sido presidida somente pelo PT,
desde 1995, quando foi criada. A acusação principal consiste em que o deputado seria "homofóbico" e "racista", após o que surgem outras
imputações, instrumentalizadas para corroborar a artilharia pesada que
tem sido dirigida ao deputado evangélico (processo no STF por suposto
estelionato, vídeo em que o pastor teria pedido a senha do cartão de um
ofertante, remuneração de assessores parlamentares para atuarem fora do
Congresso...).
Quero, nestas linhas, comentar sobre as acusações de homofobia e racismo,
além de refletir sobre a ação política das igrejas evangélicas e os movimentos esquerdistas,
especialmente o PT, o PSOL e o deputado Jean Wyllys.
Primeiro, devo deixar assentado que não estou próximo à postura
doutrinária ou teológica do Pr. Feliciano, assim como não aprecio o seu
estilo de um modo geral. Embora ele seja um renomado pregador, confesso
que jamais escutei uma só de suas pregações por inteiro. E não sou um de
seus admiradores. Meus pregadores favoritos são outros. O Pr. Marco Feliciano e eu somos
assembleianos, e assim, em tese, membros do movimento pentecostal
histórico, mas desconfio de que sua igreja Tempo de Avivamento seja algo do
ramo neopentecostal, mais tendente à Teologia da Prosperidade que à
Ortodoxia Bíblica.
Também quanto ao aspecto político, estou distante do Pr. Feliciano, que
se elegeu numa aliança com o petismo e pediu votos para Dilma Rousseff,
tendo atuado para dissuadir os eleitores evangélicos da ideia de que a
candidata petista seria contrária a valores cristãos. Marco Feliciano
está entre aqueles líderes evangélicos que mantêm o discurso
"conservador" em matéria de costumes sociais, como Magno Malta e Anthony
Garotinho, mas que se associam ao PT, mesmo tendo ciência de que se
trata de um partido que defende uma agenda secularista.
De todo modo, quero deixar consignado que o Pr. Feliciano não pode ser
considerado homofóbico nem racista - não pelas declarações aduzidas no microblog Twitter. Ele pode ser pouco preparado,
inexperiente na política, sem grande cultura, mas não pode ser
incriminado dessa forma, pois estou certo de que apenas se expressou mal
ou emitiu opiniões que o Estado de Direito Democrático é capaz de
suportar. Até o considero um alvo fácil, diferente, por exemplo, do Pr.
Silas Malafaia, que possui maior traquejo, mas ninguém deve ser
penalizado por falar bobagens.
Dizem que o Pr. Feliciano seria homofóbico porque disse, via Twitter, que "a
podridão dos sentimentos dos homoafetivos (sic) leva ao ódio, ao crime e à
rejeição". Ora, isso por acaso é discriminação sexual? Pode ser
besteira, mas não é discriminação. É somente uma opinião. Nada me
convence de que haja um ato ilícito nessas palavras. Ademais, são poucas
as palavras ali escritas para que se possa fazer um juízo de valor
sobre o comportamento do deputado quanto às pessoas que praticam
relações homossexuais ou que se identificam como homossexuais.
Quanto à acusação de racismo, trata-se de um retumbante exagero. O Pr.
Feliciano cometeu, sim, um erro hermenêutico, e me refiro à Ciência da
Interpretação Bíblica, além de incidir num erro teológico. Veja o que
ele escreveu na referida rede social: "Africanos
descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O
motivo da maldição é polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters rsss".
Em acréscimo, disse: "sobre o continente africano repousa a maldição do
paganismo, ocultismo,
misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids. Fome...".
Além de discordar da tese teológica por ele defendida, vejo um erro
hermenêutico, porque o Pr. Feliciano esqueceu de que o amaldiçoado foi
Canaã, e não seu pai, Cão, conquanto este tenha cometido o pecado contra
Noé. A história da maldição de Canaã foi registrada, séculos mais
tarde, por Moisés (Gn 9.20-27) e serviu de demonstração, ao povo hebreu,
de que o povo habitante de Canaã (atual Palestina) deveria ser retirado
da Terra Prometida a fim de que a promessa de Deus se cumprisse. Há a
teoria de que os descendentes de Noé se espalharam no mundo da seguinte
maneira: os descendentes de Jafé teriam migrado para a Europa, os de
Sem, para a Ásia, e os de Cão, para a África. De Sem decorre o termo
"semita", que inclui os judeus. Todavia, inúmeras razões nos levam a
discordar da tese da maldição sobre a África: a) geograficamente, tem-se
que o Continente Africano é territorialmente imenso e culturalmente
diversificado, dividido pelo deserto do Saara, contando com etnias,
tribos e idiossincrasias as mais variadas; b) em termos de História da
Igreja, foi o Continente onde nasceu o grande teólogo Agostinho de
Hipona, além da inegável relevância nos primeiros séculos da Era Cristã; c) em termos de História Geral, sabe-se que
houve o problema da Colonização da África por países europeus, como Inglaterra, França, Portugal, Bélgica e Holanda, o que
ressaltou divisões tribais e contribuiu para guerras civis; d)
espiritualmente, deve-se admitir que a maldição do pecado repousa sobre
toda a Humanidade, sendo indispensável a Salvação em Jesus Cristo.
Demais disto, dizer que Marco Feliciano é racista não combina com o fato
de ser ele mesmo um mulato, alguém que poderia pleitear cotas raciais.
Sei que pode surgir a objeção de que negros também podem ser racistas,
mas há que se reconhecer que, por sua frase no Twitter, o deputado
acabou se incluindo entre os descendentes de um homem amaldiçoado, não
por considerar que africanos são ruins, mas por entender, erroneamente,
que o amaldiçoado Cão levou para a África a sua
maldição. Sinceramente, o que faltou ao jovem deputado e pastor foi conhecimento teológico e uma boa dose de cautela.
A falta de maior preparo intelectual e de melhor formação política conduz o Pr. Feliciano a dizer coisas que deveria evitar. Ocorre que Marco Feliciano é um produto da forma evangélica de fazer política.
Há anos eu entendo que a atuação política das igrejas não é das melhores. O lançamento de candidatos "naturais", "oficiais", sob o slogan de que "irmão vota em irmão", com o patrocínio de pastores-presidentes e convenções, não é o melhor caminho, ou pelo menos pode ser feito de maneira mais racional e legítima. Em lugar de políticos densos, conhecidos pela liderança, pela ética e pela ocupação das questões mais importantes da sociedade, elegemos candidatos medíocres, fracos, candidatos naturais ao baixo clero, os quais não mudarão em nada as feições econômicas, sociais e políticas do Brasil.
Sei que Marco Feliciano não é exatamente um representante da média dos deputados evangélicos porque ele já era muitíssimo conhecido e poderia se eleger, acredito, sem ser o candidato oficial de uma igreja. E, em seu primeiro mandato eletivo, procurou presidir uma comissão da Câmara, almejando sair do baixo clero. De toda maneira, ele não tem uma visão abrangente da vida pública, e a forma como defende os valores cristãos às vezes piora o debate.
Tenho receio de que a intensificação dos protestos e polêmicas em torno de Marco Feliciano reforce a ideia de que a bancada evangélica deve ser tão setorizada, em lugar de reforçar a necessidade de maior preparo intelectual e político. Para ganhar votos, podem surgir os candidatos de uma nota só: contra o aborto, ou contra o casamento gay, ou contra a descriminação do uso de drogas. Mas precisamos de um discurso e de uma atuação mais inteligente e mais alargada.
Agora, a patrulha sobre o deputado Marco Feliciano tem sido horrível, e a imprensa, amiga dos supostos vanguardistas, não acha ruim o fato de baderneiros atrapalharem, aos gritos e gestos, os trabalhos parlamentares. Dizem que é democrático subir na bancada dos deputados, gritar, tumultuar. Antidemocrático, pensam eles, é fechar as portas da sala de sessões da Comissão para permitir que se discuta o problema, por exemplo, dos doze brasileiros presos injustamente na Bolívia.
Nessa toada, PT e PSOL se irmanam numa orquestração para achincalhar o movimento evangélico, cuja caricatura hoje atende pelo nome de Marco Feliciano. Aquele deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), meu conterrâneo de Alagoinhas - e contemporâneo numa escola em Pojuca -, faz um papel temerário ao adotar argumentos que são, em última análise, contrários à democracia, à tolerância religiosa, à liberdade, aos direitos fundamentais. E a imprensa acompanha e acha tudo muito lindo.
Pronto, estamos vendo como é complicado eleger pessoas pouco preparadas para enfrentar PT e PSOL, que, embora ignorantes e preconceituosos, são aclamados pela imprensa como paladinos da intelectualidade política, do progresso e das liberdades públicas.
Deveríamos pensar melhor sobre em quem votar nas próximas eleições. Mas não tenho tantas esperanças. Sei apenas que Deus controla todas as coisas, e que, independentemente de qualquer circunstância, devemos orar pelas autoridades constituídas. Agora, mais do que nunca!