Reflexão sobre a “unção com óleo”
“Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5.14,15).
A primeira lembrança que tenho da unção com óleo é a de um pastor que foi à minha casa há mais de vinte anos[1], com o propósito de orar pela minha mãe, que estava adoentada. Ele trazia um frasquinho de óleo na mão. Foi de terno, como usam fazer os pastores assembleianos. Era um dos pastores “antigos”, e já passou para a eternidade.
Mas não estou escrevendo reminiscências. Quero pensar com você a respeito da unção com óleo, porque tenho verificado uma distorção de seu uso por parte de algumas igrejas. Na verdade, há um modismo em torno desse ato.
De acordo com Tiago, os irmãos que estivessem doentes deveriam chamar os presbíteros da própria igreja, os quais iriam fazer uma oração sobre o enfermo e ungi-lo com óleo, “em nome do Senhor”. Assim, a iniciativa seria do doente, e não dos presbíteros; e haveria, além da unção, uma oração e uma invocação do nome do Senhor (Jesus).
A Escritura deixa claro que a oração da fé salvaria o enfermo, e não a unção em si. Da mesma forma, a oração da fé produziria o efeito do perdão, e não a unção por si mesma. Certo é que tanto a cura divina quanto o perdão de pecados são resultados da fé em Jesus, e não de algum ritual perpetrado pelos crentes.
Fora estes versículos de Tiago, a única passagem que se refere à unção com óleo é a de Mc 6.13, onde se lê que os discípulos “curavam enfermos, ungindo-os com óleo”. Foi numa de suas primeiras jornadas missionárias, enquanto ainda aprendiam com Jesus em Seu Ministério na Terra.
Vale salientar que o Cristianismo verdadeiramente bíblico não é uma religião de rituais. As duas únicas ordenanças que temos são o Batismo em Águas e a Ceia do Senhor, ambas com forte simbologia relacionada ao Plano de Salvação. Observe-se, ainda, que não se trata de sacramentos, justamente porque não fornecem nenhuma graça pela simples prática, constituindo, isto sim, recordação e publicação de algo que já aconteceu na alma do pecador arrependido.
Quanto à unção com óleo, sequer é uma ordenança, e anda longe disso.
Também não se deve achar que a unção com óleo tenha alguma coisa a ver com a “extrema unção” ministrada pelos padres aos que estão para morrer, uma vez que essa prática se desvia totalmente do que a Bíblia preconiza: como eu disse, a unção prevista por Tiago não é sacramento, e enfatizo que não é somente para aqueles que estão no leito de morte, mas para todos os doentes que assim o queiram.
Sei que há controvérsias quanto à função do óleo, pois, enquanto uns acreditam que seria apenas uma substância com propriedades terapêuticas[2], outros entendem que seria mesmo o símbolo do Espírito Santo[3]. Mas, de toda maneira, nenhum cristão ortodoxo pode imaginar que Tiago estaria recomendando um rito especial de cura de enfermos e salvação de pecadores!
No entanto, independentemente da função terapêutica ou simbólica do óleo empregado, a questão principal aqui consiste em refutar um desvirtuamento sério, que precisa ser combatido: creio que, preocupados em atrair pessoas a suas reuniões, alguns líderes de tradição ortodoxa têm investido na idéia de “cultos de libertação” ou similares em que se oferta a unção com óleo, inclusive com divulgação específica.
Refiro-me a propagandas do tipo: “Venha receber a unção com óleo no culto das tantas horas do dia tal”. Ora, isso não tem nenhum fundamento bíblico!
Vejo que alguns líderes, um tanto acanhados em praticar “inovações”, mas tentados a ver em suas igrejas o mesmo crescimento experimentado por grupos sem acanhamento na área, acabam usando Tg 5.14,15 como pretexto, porque o expediente seria supostamente bíblico.
A explicação é que, se outros grupos, especialmente neo-pentecostais, agem já sem preocupação de dar base bíblica a seus métodos, usando, no máximo, textos fora de contexto e versículos como frases de efeito, esses líderes ortodoxos e pouco preparados buscam incrementar seus cultos com distorções aparentemente inofensivas, mas que um dia com certeza irão fulminar a seriedade de sua fé e prejudicar a fé das ovelhas.
Quando às “bênçãos” associadas à unção com óleo nessas reuniões a que me refiro, estão coisas que Tiago não previu, como a expulsão de demônios. O que o Texto afirma é que a oração da fé salvará o doente (no sentido físico) e que, se houver cometido pecados, estes lhe serão perdoados. A seqüência das expressões mostra que se trata de coisas distintas: salvação como livramento da enfermidade física acompanhada de perdão de pecados.
Talvez Tiago tivesse em mente, ao escrever, que todos os males advêm do pecado universal[4]; ou que eventualmente aquela doença particular poderia ter sido ensejada por um pecado pessoal do doente[5]. De toda sorte, o único efeito adicional previsto por Tiago para a oração da fé é o perdão de pecados...
É certo que “muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.16, in fine). E isto Tiago afirma logo abaixo da recomendação da unção com óleo. Em outra versão, mais comum entre nós, tem-se que “a oração do justo pode muito em seus efeitos”[6] (grifei).
Se a oração da fé é a mesma oração do justo – e realmente é – temos que a oração da fé pode produzir cura divina, batismo no Espírito Santo, libertação espiritual, resolução de problemas, salvação de pecadores. Mas o que não devemos fazer nem incentivar é a promessa de que a pessoa vai ser curada, ou libertada de demônios, ou batizada no Espírito Santo, ou que terá solucionados os seus problemas mediante uma oração nossa.
Qualquer proposta dessa natureza, baseando-se na unção com óleo, terá sido uma ofensa à Palavra de Deus e um desrespeito ao público que se faz presente a tais reuniões.
De minha parte, fico com a boa lembrança do pastor que foi à minha casa com um frasquinho de óleo da mão, cumprir seu ministério anônimo e simples de visitar enfermos e orar por eles, em nome do Senhor.
Que Deus nos abençoe.
[1] Escrevo este texto em 14 de maio de 2006.
[2] NCB, v. II.
[3] BEP, nota a Tg 5.14.
[4] NCB, v. II.
[5] BEP, nota a Tg 5.14.
[6] ARC.
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