Salvador respira Carnaval o ano inteiro. As festas são muitas, assim como as bandas de axé e pagode, que se multiplicam como praga. Há as festas carnavalescas antes, durante e depois do Carnaval - ensaios, "gritos", "ressacas", "saideiras". A paciência da gente vai se esgotando...
Se a Cidade de Salvador não tivesse os problemas que tem, eu poderia deduzir que o povo vive satisfeito. Mas temos um metrô prometido há mais de 10 anos que não se torna realidade e que deve ser mais um item do Guiness Book, já que vai ser o menor do mundo, eu creio, com apenas 6km, ligando o nada a lugar nenhum. Temos uma péssima distribuição de renda. Temos, na verdade, duas cidades, uma rica e sofisticada, e outra pobre e oprimida.
No entanto, ao assistir ao Bahia Meio-Dia, aquele jornal regional padronizado da Rede Globo, o que mais se transmite são as festas, os novos grupos de pagode, as novas besteiras, como o Rebolation, o tchubirabiron, a música da chapeuzinho vermelho...Fala-se um pouco da violência, e, como diz o baiano, "tome-lhe Carnaval e festas". Em meio à greve da Polícia Civil baiana, motivada por uma troca de tiros entre policiais, que acabou matando um policial suspeito de extorsão, ainda se acha lugar para falar de que o Bell Marques, do Chiclete com Banana, tirou a barba por dois milhões de reais, depois de 30 anos...
Salvador está em crise política. Seu Prefeito, que ontem entregou a chave da Cidade para o Rei Momo, trocou boa parte do Secretariado no início do ano, e vive às turras com o seu PMDB. Parece que Salvador, embora tão rica em sua cultura, história e vocação turística, não tem dinheiro, pois a parte industrial e o petróleo ficam em outros municípios (Camaçari, São Francisco do Conde, Simões Filho). É uma cidade mais pobre do que se pensa.
Fico indignado com a ideia que muitas pessoas de Salvador têm de sua terra, como se vivêssemos num paraíso. Claro, eu sei que, como se trata de duas cidades, pode ser que o interlocutor pense na Barra, no Corredor da Vitória ou na Pituba - talvez naqueles condomínios em construção na Paralela - enquanto eu penso no Uruguai, no Leblon... São duas cidades, não? Se não as conhece, venha aqui um dia e veja por si mesmo!
Outra coisa que enche a paciência é aquela ideologia dominante relativa aos movimentos negros, que insistem em ligar a cor da pele a uma ancestralidade africana, como se as pessoas de pele negra não fossem brasileiras. Quem não tem a cútis negra teria até motivos para se sentir discriminada. Sobre isso eu conversava com a minha esposa hoje mesmo, e ela desabafava sobre a estranheza que isso tudo lhe causa. Ela, descendente de japoneses, pode ouvir críticas de canto de boca e pilhérias do estereótipo, que jamais se caracterizarão como crime de racismo. Mas, se declarações como as que ela ouve se dirigissem a pessoas de pele negra...Eis o crime! Já escrevi sobre isso aqui no blog.
Por fim, mais uma coisa: em nossa congregação, vivemos preocupados para que o som não incomode os vizinhos, e já tive notícia de evangelização ao ar livre, de certo grupo de crentes, ser interrompida porque o volume estava alto demais. Agora, quem vai nos livrar da música alta dos carnavais? Pelo menos moro bem longe do circuito do Carnaval, graças a Deus. E por isso não escuto absolutamente nada. Mas quem mora lá tem de procurar outro endereço durante os dias "de folia".
É, a Babilônia está em festa. Essa crítica minha recorda uma letra de música do próprio axé: "Ouvi dizer que Babilônia é Salvador, é Salvador, é Salvador. Ouvi dizer que Babilônia é Salvador. Ouvi da boca de Nabucodonosor"*.
Se eles dizem, por que vou contrariá-los?
*Composição de Alfredo Moura, música do repertório da Banda Eva.
Um comentário:
Estive em Salvador há pouco tempo, onde tive o privilégio de o conhecer pessoalmente. Ao entrar na cidade vindo de Feira de Santana, tive um choque. Favelas, favelas, favelas... deu vontade de sair correndo. Lembrava muito a entrada do Rio pela Avenida Brasil. Depois, porém, a cena melhorou um pouco ao se chegar aos bairros melhores, à "outra Salvador" como você falou. Não adianta - pode haver esquerda, pode haver movimento negro, pode haver política, a separação entre os que têm e os que não têm é, para usar o neologismo do ex-ministro, imexível. Aliás, a esquerda adora o luxo, adora a opulência... apenas não assume isso, como a direita. Já com respeito ao Carnaval, é isso - pode-se esperar tudo do mundo, menos isonomia de tratamento. É como você disse - um culto ao ar livre está sujeito aos rigores das leis ambientais quanto ao silêncio, quanto aos decibéis etc. Já o Carnaval, vale tudo.
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