quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Papa João Paulo II flagelava-se - mas, por quê?

Foi publicado um livro com o título "Why a saint?" ("Por que um santo?"), escrito por Slawomir Oder, monsenhor polonês que trabalha no processo de canonização de Karol Wojtyla, o falecido Papa João Paulo II. De acordo com esse religioso, o pontífice tinha o costume de praticar ascetismo e autoflagelação, para o que usava um cinto como açoite. Também chegava a dormir no chão como penitência, depois do que desarrumava a cama para que seus assessores não o percebessem.
A prática da autoflagelação teria o objetivo de mortificar o corpo para obtenção da santidade, e, conforme matéria no "site" de notícias da Globo (G1), alguns "santos" católicos faziam isso, dentre eles Francisco de Assis, Catarina de Siena e Inácio de Loyola.
Aparentemente, o Sr. Oder busca comprovar a santidade de João Paulo II com o fato de ele ter tentado se aproximar do sofrimento de Cristo.
Com todo o respeito à religião alheia - pois meu interesse é teológico -, não há fundamento bíblico para isso.
De fato, a Bíblia condena o ascetismo. É o que está escrito em Cl 2.20-3.10:

"Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais às ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória. Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria; por estas coisas é que vem a ira de Deus [sobre os filhos da desobediência]. Ora, nessas mesmas coisas andastes vós também, noutro tempo, quando vivíeis nelas. Agora, porém, despojai-vos, igualmente, de tudo isto: ira, indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena do vosso falar. Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou".

A mortificação da carne ou dos membros significa o processo de santificação, que só pode ser alcançado com a justificação, pela qual o Homem faz as pazes com Deus e é por Ele aceito, mediante a Obra de Cristo (Rm 5.1,2). É o afastamento do pecado deliberado, a busca processual de uma vida mais pura, sempre em decorrência da ação do Espírito (I Pe 1.2). Se for mero rigor ascético, não passa de religiosidade fria. Isso os fariseus e escribas faziam com muito zelo, mas Jesus não os aprovou (Mt 23 e Mc 7.1-23).
Está escrito em Rm 8.13: "Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis". Sendo assim, a mortificação da carne se faz pela ação do Espírito, e não com a ajuda de instrumentos de tortura.
Há uma diferença entre carne e carne na Bíblia, indicada por duas palavras gregas: soma e sarx. A palavra "carne", quando traduzindo a palavra "soma", indica o corpo humano. Quando traduz a palavra "sarx", se refere à natureza humana decaída. Então, devemos mortificar a carne enquanto natureza decaída, não a carne enquanto corpo. Aliás, Paulo pressupõe o devido cuidado com o corpo (Ef 5.29), o qual foi criado por Deus e é muito bom (Gn 1.31).
Para ser santo basta ser separado do pecado mediante "o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo" (Tt 3.5). É a Palavra de Deus que nos santifica (Jo 17.17). Todos os eleitos de Deus são chamados para a santificação e são considerados santos (Rm 1.7; I Co 1.2; II Co 1.2; Ef 1.1; Fp 1.1; Cl 1.1; Ef 6.18; I Pe 1.2, 16; 3.5), não precisam ser canonizados nem praticar a autoflagelação, tampouco o ascetismo. Somente Deus é Santo em Si mesmo, tendo a Santidade como uma de Suas atribuições morais intrínsecas e imutáves (Is 6.3).
Quando, em I Co 9.27, Paulo diz que esmurra o seu corpo e o reduz à escravidão, ele não está aprovando o autoflagelo, o que seria contraditório, pelo que vimos em Colossenses. No contexto, Paulo está se referindo ao seu trabalho de evangelização, e que se pauta pela extrema seriedade em tudo o que faz, como os atletas, figura que ele utiliza porque os esportistas seguem regimes e regras muito rígidas, tendo em vista o prêmio a alcançar (I Co 9.24-27). É uma questão de figura de linguagem, metáfora!
Mas, por que um texto desse teor num blog dedicado a temas evangélicos? Estaria eu preocupado com a espiritualidade do Papa? Daria eu algum crédito a intenções de canonização? Não é isso. Nem reconheço a Igreja Católica como Igreja, com todo o respeito - bem, Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) reconheceu que a Igreja Católica é a única Igreja Cristã, então estamos conversados...
O fato é que me preocupo principalmente com cristãos evangélicos que praticam atos de ascetismo para obter bênçãos ou a própria santificação - orações prolongadas, jejuns, vigílias. Há o perigo de mudarmos o real significado dessas práticas, que deveriam ser de comunhão com Deus, para um tipo de barganha espiritual, como se algum de nós pudesse "pagar um preço" - detesto essa expressão. Quem pagou todo o preço foi Jesus na Cruz do Calvário. Esquecer desse ponto fundamental da Fé é um erro crasso.

http://noticias.r7.com/internacional/noticias/papa-joao-paulo-2-se-flagelava-e-fez-carta-de-renuncia-20100126.html



Acredito numa teologia que faz perguntas

A religião traz respostas, enquanto a filosofia faz perguntas. Mas acredito numa teologia que sabe perguntar, em vez de ficar dando respostas prontas, sem reflexão.
Explico: na condição de conhecimento sistematizado, a teologia não pode se contentar com preconceitos, mitos e costumes. Ela precisa questionar, empregar linguagem técnica, utilizar métodos, firmar princípios e critérios, superar o dogmatismo e as paixões. Não coloco a teologia entre as ciências porque ela cuida de campo metafísico, nem a enxergo como filosofia porque esta não se baseia na Revelação - embora pergunte também sobre Deus, a filosofia não acredita necessariamente na Bíblia.
Teologia é teologia e pronto. Como tal, deve ser reconhecida em seus contornos específicos.
Podemos usar o método científico, sem, no entanto, enaltecê-lo acima da Revelação. Aliás, não foi à Razão que apelaram os Reformadores? O que é a Hermenêutica, senão uma técnica utilizada por outros ramos do saber, como, por exemplo, o Direito? E o que seria da doutrina dos textos-prova, tão caros à doutrina do Sola Scriptura, se não fosse o apreço à Razão dada por Deus?
De acordo com o método científico, de Descartes, é necessário partir das perguntas: o quê? como? por quê? quando? quem? É preciso "entrar em crise", ser curioso, observar. Jamais um teólogo pode deixar de ser curioso, como não existem cientistas conformados com o que já lhe disseram.
Veja Isaac Newton - que era cristão: ele descobriu a Lei da Gravitação Universal ao reparar que uma maçã caía da árvore ao chão, em vez de ir para o lado ou subir. Era uma coisa óbvia, pensariam muitos. Mas, se observarmos bem, veremos que as grandes descobertas sempre surgem a partir de coisas óbvias, que todo mundo sabia, mas não haviam sido alvo de investigação. E, assim, estabeleceu-se uma das famosas Leis de Newton, afirmando que a Terra atrai os corpos, e por isso eles tendem a cair quando soltos no ar.
Infelizmente, muito do que se diz ou pensa no evangelicalismo brasileiro remonta a um tipo de pensamento do período medieval, em que a Igreja Romana dizia, e assim tinha que ser. Bem por isso, era a Idade das Trevas, em que pouco se avançou em termos científicos, tecnológicos, econômicos, políticos e sociais. Em lugar do método indutivo, usa-se muito o método dedutivo: isto é, em lugar de fazermos exegese do texto para depois essa exegese nos induzir a uma conclusão lógica e consentânea com o bojo das Escrituras, fazemos o caminho inverso, ou seja, temos uma "conclusão" transmitida pelo tradicionalismo e depois tentamos, por meio da eisegese, ajustar textos bíblicos para comprovarem o que já pensávamos. Isso não é científico, mas também anda longe de ser teológico.
Citar os bereanos aqui pode ser lugar-comum, mas me perdoe, eles são citação necessária. Veja em At 17.11 que eles, não resignados em ouvir o apóstolo Paulo, iam consultar nas Escrituras (nosso Antigo Testamento) para ver se as coisas que ele dizia eram verdadeiras. Que nobres eram os bereanos! Na Antiguidade, muito antes do Iluminismo e da Reforma, já faziam livre exame da Palavra de Deus!
Examinando o Novo Testamento, veremos Paulo convencendo muitas pessoas de que Jesus é o Cristo, não só com discursos, mas também por meio de suas Epístolas. Apolo, de cujo nome vem o termo "apologia", defendia a tese de que Jesus é o Cristo. Lucas, "o médico amado" (Cl 4.14), escreveu de maneira coordenada, com base em pesquisa histórica, fatos que testemunhas oculares da Obra de Jesus lhe contaram detalhadamente (Lc 1.1-4). De um modo geral, a Bíblia é um Livro de convencimento. Paulo exorta a que façamos oração "com entendimento", e não apenas "com o espírito" (I Co 14.14,15). Hebreus é um tratado muito racional de aplicação do Levítico à Obra de Jesus Cristo. O próprio Paulo escreveu que conhecemos em parte, e vemos como que por espelho, em enigma (I Co 13.12), significando nosso conhecimento parcial das realidades espirituais.
Portanto, o valor racional da teologia requer uma postura mais humilde do teólogo, tornando-o uma pessoa que sabe fazer perguntas que nem sempre ele mesmo poderá responder. A resposta definitiva pertence exclusivamente a Deus.



quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Nenhuma biografia pode ser perfeita

Com o título "Nenhuma biografia pode ser perfeita", não me refiro à capacidade do biógrafo, mas à vida do biografado. Todos somos pecadores (Rm 3.23). A Bíblia relata pecados cometidos e limitações sofridas por homens como Abraão, Jacó, Moisés, Aarão, Sansão, Jefté, Gideão, Davi, Salomão, Elias, Ezequias, Paulo, Pedro e Barnabé. Até Daniel, cuja conduta parece ilibada e não tem registros desabonadores, com certeza pecou, porque não há quem não peque. Se repararmos, por exemplo, na vida de José, um rapaz tão justo, veremos que ele instilava sentimentos ruins em seus irmãos, contando ao seu pai os erros por eles praticados, quando o melhor seria dar conselhos, conversar com eles, e ser mais prudente para não se expor.
Pertenço a uma denominação centenária que, por isso mesmo, tem seus pioneiros a menos de um século de distância. São homens como Daniel Berg, Gunnar Vingren, Joel Carlson, Nils Katsberg, Otto Nelson, Eurico Bergsten, Paulo Leivas Macalão, José Pimentel de Carvalho, Anselmo Silvestre, Túlio Barros Ferreira, Cícero Canuto de Lima, Alcebíades Vasconcelos, Rodrigo Santana, Aristóteles Bispo, Euclides Arlindo e muitos outros. Esses nomes percorrem a história das Assembleias de Deus no Brasil e se misturam à origem e ao desenvolvimento do Movimento Pentecostal por aqui. São lembrados com muita honra por todos aqueles que apreciam o Pentecostalismo Histórico - e não essa gama de besteiras que se propalam como se fosse pentecostalismo, como se fosse coisa da Assembleia de Deus histórica.
Mas é bom atinarmos para o fato de que esses homens - alguns deles ainda vivos - não foram ou não são perfeitos. E, sabendo disso, qualquer biografia que os coloque num pedestal de heroísmo exagerado não pode ser tomada senão como fruto de grande admiração, quando não há outro sentimento a motivar a biografia.
Certa vez, em Campo Grande/MS, conversando num jantar com o Pastor Key Iuassa, da Igreja Holiness, ele me disse que, na década de 1960, ao fazer uma pesquisa na Escola de Sociologia e Política da USP, teve a oportunidade de entrevistar Daniel Berg. Perguntei, entusiasmado: "Como ele era"? Ao perceber minha euforia, o pastor respondeu: "Era um homem gordo e desajeitado. Nós não temos essa coisa com os nossos líderes".
Boa resposta. Entendi o recado.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Minha homenagem à memória do Pr. Aristóteles Bispo

Hoje, às 18h, recebi a notícia de que o Pr. Aristóteles Bispo passou para a eternidade, com 98 anos. Sergipano, foi um dos pioneiros das Assembleias de Deus no Estado da Bahia, tendo fundado 29 templos. Foi ele quem batizou nas águas o Pr. João Evangelista de Jesus, que tem 80 anos de idade, e que foi o pastor que me apresentou quando bebê.
O Pr. Aristóteles fez parte de minha infância. Fui visitá-lo umas duas vezes com a minha mãe quando criança, à época em que sua primeira esposa ainda era viva. Ele fora levado a Alagoinhas/BA pelo seu amigo Pr. João, meu pastor naquele tempo - e que ainda hoje considero muito, bem como ao seu genro e também pastor (agora em Feira de Santana/BA), Joeser Cruz Santana.
O Pr. Aristóteles Bispo sofreu uns problemas de saúde que o deixaram recolhido a uma cama e a uma cadeira de rodas por muitos anos. Mesmo assim, não deixou de ser uma referência para todos quantos o conheceram.
Meu pastor atual, Dionísio Barbosa, aqui na Ribeira, em Salvador/BA, também foi batizado pelo Pr. Aristóteles, e fora visitá-lo em setembro do ano passado. Eu mesmo fora à casa dele no final de 2008, junto com a minha esposa, minha mãe e minha filha. Conversamos somente com a irmã Maria Moreira, esposa do Pr. Aristóteles, pois ele mesmo já não mais interagia como antes. Todavia, ali estava ele.
Amanhã deverei participar, ali em minha cidade natal, do ofício fúnebre. Mas não será um momento de desespero: temos a palavra da consolação e da esperança, registrada em I Ts 4.13-18.
Além disso, devemos louvar a Deus pela vida de um homem que desenvolveu uma carreira evangelística pioneira e repleta de dificuldades, a ponto de, segundo a minha mãe, ter que redigir os próprios folhetos que iria distribuir.
Penso no texto de Hb 13.7, que diz:
"Lembrem-se dos seus líderes, que lhes falaram a palavra de Deus. Observem o resultado da vida que tiveram e imitem a sua fé" (NVI).
É isso.


Teologia de Panfletos (IV) - Até a Igreja Romana?

Depois de algum tempo, voltamos com a série "Teologia de Panfletos", que não pode manter uma periodicidade mais precisa porque depende dos panfletos "evangélicos" que chegam às minhas mãos. E desta vez nem se trata de um folheto evangélico, mas aparentemente católico. Isso mesmo!
Ontem, ao sair da escola dominical (na Igreja Batista dos Mares, que fomos visitar aqui em Salvador), vimos um panfleto colocado atrás do limpador de para-brisas. Trazia uma imagem que deve ser de santo católico, mas que, por razões de formação religiosa, não consigo discernir. Abaixo do santo, eis a propaganda:

"Santas Missas com a Prece Forte do Exorcismo.
Sexta-feira: 9:00 e 19:30hs
Domingo: 9:00 da manhã
Paróquia das Santas Missões.
[segue o endereço].
Os milagres do Senhor Jesus estão acontecendo na cidade baixa!!!
Você que está sofrendo com doenças, vícios, depressão, dívidas, brigas no lar, não consegue emprego, foi vítima de feitiçaria e sente que algum mal está lhe perturbando; participe das Santas Missas de cura e libertação celebradas pelo Padre (...), o Padre exorcista de Salvador".
[...]
Não sofra mais. Esteja na Paróquia das Santas Missões e o Senhor Jesus mudará a sua vida!!!"


Há uma série de coisas para comentar aqui:
(1) A propaganda parece sair de um panfleto da Igreja Universal do Reino de Deus, da Igreja Internacional da Graça de Deus ou de tantas outras igrejas pseudopentecostais e neopentecostais do nosso país.
(2) As promessas de cura e libertação e de interrupção do sofrimento não observam a soberania divina, transmitindo a suposição de que o homem pode marcar o dia e a hora de Deus operar milagres e transformação de vidas.
(3) Admira-me o fato de se tratar aparentemente de um padre, pois os padres estudam filosofia e teologia, e devem saber que os sofrimentos fazem parte da vida humana, não sendo possível estabelecermos um dia em que todas as aflições cessarão. Onde estava esse suposto padre quando em seu seminário foi estudada a matéria Teodiceia, em que se enfrenta o tema da origem do mal, contrastada com a justiça de Deus?
(4) O "padre exorcista de Salvador" arroga para si um poder especial, como se nele residisse uma unção diferente. Lembro do Mestre Camilo, representante de R.R.Soares em Minas Gerais, que na rádio propalava, ao som de músicas trash, ser ele a maior autoridade em libertação do Brasil (leia neste blog um texto sobre isso, colocando a palavra "bizarro" na ferramenta de busca). Mas todos devem saber que o poder pertence a Deus; que o exorcismo - a prática da expulsão de demônios - não carece de dom espiritual, mas da invocação do Nome do SENHOR Jesus; e que não se deve espiritualizar, muito menos demonizar a causa de todo sofrimento, pois, para surpresa de muita gente, há aflições enviadas por Deus para prova, e há aflições que consistem em consequência do pecado pessoal.
(5) Não sei se esse padre é dissidente da Igreja Católica. Nunca ouvi falar de algo parecido na Igreja Católica. A igreja romana tem imitado algumas coisas do evangelicalismo brasileiro, mas essa propaganda pseudopentecostal é qualquer coisa de inusitado. A Renovação Carismática diz que fala em línguas; padres surgem na TV com sermões bem explicados, parecendo palestrantes motivacionais ou mesmo pregadores evangélicos; músicas evangélicas são cantadas sem cerimônia por padres como Marcelo Rossi e tantos outros; muitas missas são menos solenes, com uma interação maior com o público - mas lá permanecem a adoração a Maria e aos santos; as imagens de escultura; a submissão ao Papa; as penitências; o sacerdócio exclusivo dos líderes ordenados; o batismo infantil; a noção de única igreja cristã; a paridade entre a autoridade escriturística e a autoridade da igreja - com prevalência desta última; o celibato sacerdotal; a infalibilidade papal; os sacramentos que vão além do batismo nas águas e da Ceia do SENHOR; e muito mais.
Não há nenhum problema em os evangélicos serem imitados. É isso mesmo o que queremos. Mas há que se imitar o que é bom. Como disse Paulo, devemos ser seus imitadores, como ele é de Cristo (I Co 11.1). E Cristo jamais prometeu o que não poderia cumprir; jamais colocou a bênção no lugar do Abençoador; jamais fez propaganda de coisas extraordinárias com o objetivo de angariar adeptos.
Pelo contrário: ao sinal de que Seus discípulos acharam muito dura a Sua palavra, Jesus não hesitou em perguntar se eles O queriam deixar, com a maioria dos seguidores o fizera (Jo 6.60-67).
Estamos numa época em que as pessoas estão com pressa, como o cliente na fila do self-service, do fast-food. É a pós-modernidade com sua religião de consumo: tudo é relativizado em nome de uma compra rápida de satisfações materiais, emocionais e espirituais. Essa é a intromissão do mundanismo nas igrejas. É com esse mundanismo que devemos nos preocupar - enquanto alguns se atrapalham com coisas pequenas e sem importância, muitas vezes deixamos de ver como os valores do mundo se intrometem em nossas igrejas. É preciso termos cuidado.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Série vocacionados - VII (Febe)

"Recomendo-vos a nossa irmã Febe, que está servindo à igreja de Cencréia, para que a recebais no Senhor como convém aos santos e a ajudeis em tudo que de vós vier a precisar; porque tem sido protetora de muitos e de mim inclusive" (Rm 16.1,2).

Prosseguindo em nossa série Vocacionados, vamos tratar da vocação de uma mulher cujo nome era Febe.
Sim, depois de estudarmos a vocação de Davi, Moisés, Samuel, Amós, Timóteo e Jonas, chegamos à vocação de uma mulher. Uma mulher que Paulo citou em poucas palavras numa carta à igreja de Roma, mas que merece ter sua vocação estudada porque não há dúvida de que se trata de uma pessoa chamada por Deus para determinado serviço.De acordo com o apóstolo Paulo, que a recomendou à igreja romana, Febe a) servia à igreja de Cencréia; b) protegia a muitos; e) e protegia a ele próprio.
Quanto ao conteúdo desse serviço, há uma dúvida: como a palavra grega diakonos, do verbo diakoneo, significa serva, ministra ou diaconisa, é possível afirmar com certeza que Febe era diaconisa na acepção técnica da palavra? Se ela servia à igreja, havia sido constituída como diaconisa?
Não é possível afirmar tal coisa com base num único texto, pois a diaconia pode ser tanto um serviço no sentido geral, como também um serviço subordinado, no sentido técnico.
Bem por isso, não se pode concluir, somente a partir de Rm 16.1,2, que Deus instituiu mulheres como diaconisas, muito menos como episcopisas ou pastoras. Essa dedução, com fulcro nesse texto, é uma interpretação forçada, que pode servir a interesses ideológicos, mas não obedece aos princípios da hermenêutica.
Vale afirmar que a Bíblia traz outros exemplos de mulheres que serviam a Deus: as mulheres que serviam ao ministério de Jesus com seus bens; Dorcas, a costureira; Ninfa, que recebia a igreja em sua casa; Priscila, sempre ao lado de seu esposo Áquila. É muito mais apropriado, portanto, entender que Febe servia ao SENHOR como essas outras mulheres.
Há diversos vocábulos gregos para serviço: latreuo (cumprir um serviço remunerado); leitourgeo (prestar um serviço público); douleo (servir como escravo); therapeauo (servir espontaneamente). Já diakoneo é o mesmo que fazer um serviço pessoal.
Mulheres podem ser episcopisas ou pastoras? Bem, I Tm 3.2 afirma que os presbíteros devem ter uma só esposa. Não há recomendação de que as pastoras tenham um só marido.
Somente três vezes no Novo Testamento a palavra diakonos surge com o sentido técnico de ministro ordenado: Fp 1.1, referindo-se Paulo aos "bispos e diáconos" que vivem em Filipos"; e I Tm 3.8,12, quanto aos requisitos para o diaconato - entre eles, o de ser marido de uma só mulher.
Outras vinte e sete vezes, o vocábulo diakonos surge como sinônimo de servo, mas em sentido não-técnico, enquanto o verbo diakoneo aparece trinta e seis vezes para significar servir, ministrar, duas dessas ocasiões para indicar o ofício de diácono.
É esclarecedor o fato de que "presbítero" e "apóstolo" nem sempre trazem o sentido técnico, pois tanto Pedro como João, constituídos apóstolos, se apresentam como presbíteros, ao passo que há pessoas no Novo Testamento denominadas "apóstolos", sem que participassem do grupo dos Doze.
Outrossim, se quisermos considerar Febe como diaconisa a todo custo, teremos que aceitar irremediavelmente os seguintes personagens como diáconos: Paulo (Ef 3.7; Cl 1.23,25); Tíquico (Ef 6.21; Cl 4.7); Epafras (Cl 1.7); e Timóteo (I Ts 3.2; I Tm 4.6).
Quanto aos sete diáconos instituídos em At 6.1-6, embora a palavra diakonos não seja usada como nos casos em que se trata do ofício de diácono, tem-se a palavra diakonia, termo feminino que alude ao trabalho por eles desempenhado - servir às mesas. Não vejo como não reconhecer naqueles sete homens a função de diáconos, pois foram solenemente ordenados para esta função específica.
Há outra questão: a palavra prostatis, traduzida, por exemplo, como "protetora" (ARA), "patrocinadora" (NCB) e "de grande auxílio" (NVI), aparece na ARC como a seguinte expressão: "tem hospedado". A julgar pelo uso secular do termo, este teria que ser traduzido como "que governa" ou "que tem autoridade", mas as traduções da ARA e da NVI parecem optar pelo entendimento de que não se trata de supervisão administrativa, mas de serviço subordinado, semelhante a governança.
Caso entendêssemos que prostatis significa autoridade e governo, teríamos que concluir que Paulo estava sob a autoridade de Febe, algo inconcebível para quem conhece o Novo Testamento e um pouco da cultura judaica de então.
O fato de em I Tm 3.11 constar menção a mulheres (gunes) pode se referir às esposas dos diáconos ou presbíteros ou às mulheres diaconisas - mas isto não pode ser comprovado nem, se comprovado, habilitaria a dedução de que Febe foi diaconisa.
É oportuno citar essa passagem do Novo Comentário da Bíblia (p. 1183) a respeito de Rm 16.1-16):

"Dos nomes desta lista histórica [galeria de crentes em Rm 16], um terço é de mulheres, a revelar o lugar proeminente que elas ocupavam na igreja de Roma. Paulo foi pioneiro do reconhecimento da função das mulheres no serviço cristão, e sua atitude tem sido muito mal compreendida neste particular".

Em seguida, o NCB trata de Febe:

"O testemunho que dá de Febe (1,2) é honrosíssimo. É apresentada como irmã, isto é, da família espiritual do Senhor, sugerindo igualdade de privilégios na irmandade, como serva da igreja em Cencréia, isto é, diaconisa (Fil. 1.1), e como protetora (gr. prostatis, "patrocinadora"), a implicar que era uma senhora de recursos, que trabalhara no meio da população das docas, no porto de Corinto. Acredita-se que Febe estava de viagem para Roma e Paulo confiou aos seus cuidados esta preciosa epístola, para que a fizesse chegar com segurança ao seu destino".

Nessa esteira, a Bíblia de Jerusalém afirma em nota de rodapé que Febe era "certamente a portadora da carta", e a chama de diaconisa (p. 1990).
Com todo o respeito, e salvo melhor juízo, embora o termo diakonos possa ser traduzido como diaconisa, o problema semântico - serviço técnico ou serviço geral - exige que a tradução seja mais cautelosa, trazendo o sentido de "serva", à míngua de outros elementos. Além disso, a hipótese de ter sido Febe uma mulher de recursos, patrocinadora de atividades da igreja, pode até mesmo afastar a diaconia na acepção técnica. No mais, são especulações.
Sopesadas todas essas informações teológicas, cumpre observar que não temos a pretensão de defenestrar o trabalho feminino nem de desmerecer os feitos de mulheres que muitas vezes tomam a frente de atribuições para as quais faltam homens. A questão aqui é estudar a vocação de Febe, e isso passa pelo problema da ordenação de mulheres, ponto sempre suscitado quando se cuida de Rm 16.1,2.
Entendemos que a Bíblia interpreta a si mesma. Se a Bíblia se cala quanto a detalhes que gostaríamos de conhecer, não nos cabe tentar suprir essa suposta "omissão", pois a Palavra de Deus não deixa a desejar. Tampouco podemos praticar a tal eisegese (diferente da exegese), incutindo no Texto Bíblico aquilo que nos interessa, como fazem, neste caso, alguns que procuram sustentar o direito de ordenação das mulheres ao ministério episcopal.
Por outro lado, o que importa é reconhecer em Febe como que a precursora de tantas e tantas mulheres crentes neste e em outros países, que oram, jejuam, frequentam assiduamente os cultos, participam na Assembleia de Deus dos tradicionais Círculos de Oração, ou das Sociedades Femininas da Igreja Presbiteriana, ou de tantos outros organismos e atividades das igrejas espalhadas pelo mundo. No Brasil, as mulheres são maioria nas igrejas, fato empiricamente observado. São elas que sustentam as atividades de visitação, dirigem cultos de missões, preenchem a maioria das cadeiras dos corais, formam os grupos de senhoras, cumprem, enfim, o seu ministério.
Febe é vocacionada, sim. Ela cumpre a sua missão. Protege, cuida, administra, serve, hospeda. Se ela não fosse tão especial, não mereceria esse destaque dado pelo Espírito Santo, pelas mãos de Paulo.
Reconhecendo o trabalho de Febe, Deus reconhece o trabalho de todas as mulheres cristãs.

Nota: utilizei várias informações extraídas do endereço http://www.scribd.com/doc/3009693/Febe-era-Diaconisa.
Também: Novo Comentário da Bíblia (NCB), São Paulo: Edições Vida Nova, 1963, V. II, p. 1183.
Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Paulus, 1998, p. 1990.


sábado, 23 de janeiro de 2010

"Jesus, a minha vida está em suas mãos"

Aquele rapaz debaixo dos escombros de um prédio derrubado pelo terremoto no Haiti não estava em condições de ser hipócrita. Ele não tinha motivos para dizer alguma coisa da boca para fora. Com o mundo todo sobre seu corpo, falou para todo o planeta por meio do microfone da CNN: "Jesus, a minha vida está em suas mãos".
A calamidade, a proximidade da morte e o enfrentamento da fragilidade humana são circunstâncias em que as pessoas provam sua fé ou sua falta de fé. É fácil rasgarmos a garganta cantando "Sou feliz com Jesus", "Mais perto quero estar", "Tu és fiel, Senhor" quando estamos sentados na igreja, bem alimentados, confortáveis. O duro é dizer "Jesus, a minha vida está em suas mãos" com o mundo todo nas costas.
Mas isso não é impossível: aquele pobre haitiano o demonstrou. Na verdade, ele não é pobre - é rico das misericórdias de Deus. Deliberadamente ou não, ele acabou dando um eloquente testemunho de sua fé.
A tragédia que se abateu sobre o Haiti dará a todos nós uma série de imagens assombrosas e, ao mesmo tempo, muitas imagens reconfortantes. Não esqueço da imagem do menino sendo resgatado, enquanto todos ao redor gritavam de alegria. Essa foi a derradeira imagem mostrada no resumo da semana do Bom Dia Brasil (TV Globo, dia 22/01), sendo também apresentada, no mesmo dia, pelo Jornal da Band, para encher de lágrimas os olhos do âncora Ricardo Boechat.
Sofrimento, cheiro de morte, fome, miséria, ausência de estrutura estatal, tudo isso é hoje uma realidade potencializada no Haiti por causa do terremoto. Mas nada disso impede que surjam cenas bonitas e emocionantes.
Podemos fazer aqui um paralelo com o Plano de Redenção: apesar da intromissão do pecado no mundo, o bem de Deus ainda persiste, a Sua Providência, o milagre  cotidiano da vida, o sorriso de uma criança, a solidariedade, as iniciativas humanitárias, a construção de hospitais, creches, escolas e instituições públicas. Tudo o que é bom procede de Deus (Tg 1.17).
Depois do pecado de Adão e Eva, Deus prometeu o Messias (Gn 3.15), ensino que foi transmitido ao longo dos séculos por meio de patriarcas, profetas e apóstolos, culminando na Pessoa e Obra de Jesus Cristo (Hb 1.1,2).
A Redenção é a mais linda história que alguém poderia contar. Após o pecado, a Queda, a morte, surge Aquele que salva, que cura, que liberta, que ressuscita, que livra do mal. É nesse Jesus que eu creio. O mesmo Jesus que surgiu dos lábios daquele homem haitiano. A esperança nunca morre.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

"Evangélicos=80"

Alguns esquemas de corrupção deixam provas documentais. Aparentemente foi o que aconteceu com a quadrilha que supostamente se instalou no DF, já que a Polícia Federal, por meio da Operação Caixa de Pandora, encontrou, no dia 27 de novembro de 2009, agendas, papéis e livros-caixa contendo informações importantes sobre o chamado "Mensalão do DEM".
A matéria é da Revista Época deste final de semana: entre os documentos apreendidos junto a Domingos Lamoglia, ex-Chefe de Gabinete de José Roberto Arruda e, vejam só, Conselheiro afastado do Tribunal de Contas do DF, foi achada uma agenda de 2009 onde há registros que indicam, em tese, a atribuição de determinadas quantias a dois grupos - "pessoal" e "política". No grupo "política", tem-se registros como “Pesquisas=100”, “Evangélicos=80” e “Fraterna=100".
É isso mesmo: "Evangélicos=80". Mas, oitenta o quê? Seriam 80 mil reais? Haveria relação com a denominada "oração da propina", com o presidente da Câmara Legislativa que colocou dinheiro nas meias, com a deputada Eurides Brito, que, após trancar a porta da sala de Durval Barbosa, recebe dinheiro e o coloca na bolsa? Na chamada "oração da propina", os evangélicos Rubens César Brunelli e Leonardo Prudente estavam agradecendo a Deus pelo dinheiro assim obtido?
Essas são perguntas a que a Polícia Federal está buscando responder, e para isso vai colhendo provas e juntando indícios. Mas já dá para ficar estarrecido com a possibilidade de esse "evangélicos=80" não ser uma coisa boa.
É por isso que muita gente não quer mais ser classificada como "evangélica". Com uma anotação dessas, numa agenda suspeita, é realmente constrangedor para os evangélicos que defendem seus líderes a todo custo. Mas eu sou evangélico porque aceitei o Evangelho de Cristo, porque defendo a Fé Evangélica.
Da mesma forma, sou protestante, cristão, pentecostal, e ousaria dizer que sou reformado na acepção ampla. "Evangélico" é só mais um rótulo entre muitos, e nem sempre os cristãos foram chamados de "evangélicos". Em Antioquia, começamos a ser chamados de "cristãos" (At 11.26). O "evangelicalismo" é coisa muito mais recente, um desenvolvimento das igrejas protestantes iniciado no Séc. XX. A rigor, evangélicas ou evangelicais seriam igrejas oriundas do Fundamentalismo, porém de matiz moderada - com uma mensagem conservadora, mas não separatista. Todavia, no Brasil o termo "evangélico" abraça todos os segmentos não católicos, incluindo pentecostais, neopentecostais e históricos. Num vídeo postado no Youtube, o Rev. Augustus Nicodemus Lopes define Evangelicalismo, e diz que entre nós brasileiros o termo se liga principalmente aos neopentecostais (palestra na Conferência Fiel de 2006).
De toda sorte, evangélico é muito mais que um grupo a ser estudado pela Sociologia da Religião: em todas as épocas da Era Cristã, evangélica é a Fé em Deus conforme descrito nos Evangelhos. Gosto do seguinte texto de Paulo:
"Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica" (Fp 1.27).
Reformados, Batistas, Pentecostais, Neopentecostais: todos devemos defender a Fé Evangélica, independentemente do "que estão fazendo com a Igreja" - para usar o título de um excelente livro do Dr. Augustus Nicodemus (Mundo Cristão, 2008).
Entendendo o que significa a Fé Evangélica, fica mais feia a suspeita anotação "evangélicos=80". Uma palavra de significado tão profundo e bíblico não deveria cair em noticiários policiais. Mas, há que se aguardar a conclusão das investigações e do ulterior processo judicial. Aqui não prejulgamos.
Que Deus nos oriente.




quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Tenho medo de Julio Severo

Há uns poucos anos tive contato com um texto de Julio Severo. Não sabia quem era, como ainda não sei exatamente. Demonstra ser um blogueiro ultraconservador que se tornou conhecido de certo público por suas posturas em assuntos políticos, sociais e religiosos, tratando de temas como o aborto, a eutanásia, o homossexualismo, as esquerdas e a educação sexual. Seu blog é recheado de textos bem escritos, que, de algum modo, cumprem o importante papel de fornecer uma alternativa ao pensamento chamado "progressista", que, na verdade, alberga a defesa de coisas indefensáveis pela Igreja.
Todavia, mesmo sendo eu uma pessoa que pode ser caracterizada como conservadora, Julio Severo me assusta. Eu já considerava muito fortes os seus posicionamentos, para não dizer "radicais". Tudo bem: sou contra o aborto, contra o homossexualismo, contra a eutanásia, contra boa parte das bandeiras da esquerda, contra a educação sexual baseada em princípios mundanos. Mas o cúmulo do absurdo foi a afirmação de Julio Severo no sentido de que o terremoto no Haiti foi uma resposta de Deus à prática do vodu naquele país, com o acréscimo de que, com o apoio do governo às religiões afrobrasileiras, poderiam ocorrer terremotos também no Brasil.
O próprio Julio Severo cita o Cônsul-Geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, com o qual concorda: para eles, africano é amaldiçoado porque mexe com macumba. Andam juntos a Pat Robertson, para quem os haitianos estão pagando por um pacto supostamente feito com o Diabo em prol da Independência, que aconteceria em 1804.
Foi estarrecedor deparar com um texto dessa natureza, que chegou ao meu conhecimento por meio do GENIZAH VIRTUAL - este, sim, um blog que tenho visitado. Julio Severo assusta quando diz que um povo inteiro pode ser alvo do juízo de Deus porque em seu território se pratica o vodu.
Pergunto a Julio Severo (e fiz algumas perguntas em comentário endereçado ao seu blog, mas ainda não sei se foram publicadas):
a) por que Deus não teria livrado os justos que moravam no Haiti, como livrou a família de Ló ao destruir Sodoma e Gomorra?
b) macumba, vodu e santeria são piores que hipocrisia, mentira, maledicência, engano, falso testemunho, práticas pecaminosas conhecidas em nosso meio?
c) quem autorizou o Sr. Julio Severo a fazer declarações tão pesadas? Vive ele os tempos do Antigo Testamento? É um profeta de Deus? Quem lhe deu essa autoridade? De onde lhe vem essa "revelação"?
d) esqueceu ele que a França católica abandonou o Haiti à própria sorte depois de tê-lo dominado por tanto tempo? Que os Estados Unidos protestantes ocuparam o Haiti nos primeiros anos do Séc. XX? Que a ONU aprovou o embargo econômico de 1991? Que, enfim, a comunidade internacional nunca olhou para o Haiti como deveria?
Antes de fazer afirmações como a que fez quanto ao Haiti, o Sr. Julio Severo deveria estudar minuciosamente as causas históricas, sociológicas, econômicas e políticas que levaram aquele país a se tornar um dos mais pobres do mundo - algo que potencializa os danos de uma catástrofe natural. Escrever algo tão sério demanda estudo mais sério, além de redobrada cautela, pois se trata da dor alheia, da miséria alheia, da tragédia alheia.
Não escrevo isso para impingir culpa em ninguém. Apenas apresento aqui minha extrema preocupação com um blogueiro que, embora cumpra um papel importante de fomentar o debate público de temas atuais como os acima citados, numa ótica conservadora, fora do consenso "progressista", acaba se mostrando um baluarte do que pode haver de pior na direita cristã - e olha que a direita cristã tem coisas bem melhores para apresentar.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Jesus investiu em pessoas

Construir templos, criar estruturas de poder, arrecadar dinheiro - isso as igrejas têm feito, principalmente aquelas que são geridas para crescer. Os pastores estabelecem projetos de crescimento, transmitem sua "visão" aos membros e ao "ministério", fixam metas, objetivos e estratégias. A diferença para uma empresa é que as igrejas não visam ao lucro. Bem, a maioria delas não visa ao lucro.
Sei que um grupo social organizado precisa de certas instituições, sendo ele mesmo uma instituição. A própria legislação exige que o uso do dinheiro seja controlado, que os trabalhadores e prestadores de serviço sejam remunerados, e isso demanda alguma organização financeira e administrativa. Todavia, a igreja não deve ser administrada tendo em vista objetivos corporativos ou meramente institucionais, pois o nosso SENHOR investiu em pessoas, não em estruturas.
De fato, lendo os Evangelhos, veremos que Jesus Cristo preferiu separar doze homens para o apostolado, estar com eles, discipulá-los, treinando-os para o prosseguimento de Sua Obra. Esses homens simples, e, em sua maioria, iletrados, foram treinados e enviados a pregar, ensinar, expulsar demônios, curar enfermos, estabelecer a doutrina cristã.
Jesus investiu em grupos de pessoas, e em pessoas em particular. Conversou com o corrupto Zaquel, com o intelectual Nicodemus, com a mulher samaritana, com a mulher siro-fenícia. Preparou e enviou 70 missionários a pregar o Evangelho do Reino em Israel. Operou milagres entre pessoas, não diante de auditórios suntuosos. Procurou as sinagogas e o Templo, mas para ensinar, não para "se mostrar". Jesus teve em torno de Si homens e mulheres que O auxiliavam até mesmo com seus bens, mas não há absolutamente nenhuma passagem que indique uma campanha apelativa de arrecadação de fundos para a aquisição ou construção de estruturas físicas. A prioridade de Jesus são as pessoas.
Não é errado construir templos! Mas há que se ter prioridades. Qual a nossa missão: "vestir a camisa" da instituição ou fazer discípulos? Construir carreiras ministeriais ou apascentar ovelhas? Seguir piamente o roteiro denominacional ou cumprir a Grande Comissão?
Lamento muito a pobreza alojada no pensamento de encher templos com chamarizes fantásticos, enquanto o número de pessoas serve apenas para denotar o sucesso da igreja e fazer uma boa fotografia. Vale mais o que se está ensinando no púlpito, o teor da pregação, o compromisso com a Palavra de Deus, a qualidade do culto ao SENHOR. Discipulado, infelizmente, tem sido mais um departamento burocrático de muitas igrejas, em que o pessoal recém-convertido vai aprender alguma coisa da Bíblia e da denominação, para depois seguir a classes outras da escola bíblica, não raro esperando o dia especial da ordenação ministerial, a partir do qual farão parte do clero.
Não nos esqueçamos: Jesus investiu em pessoas. A Salvação não se dirige a estruturas sociais, políticas, físicas ou econômicas, mas à estrutura humana, espírito, alma, corpo, o Ser Humano total. Jesus pretende estabelecer um diálogo aberto com a pessoa humana, sem a intermediação das construções físicas ou institucionais de que tanto gostamos.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Blog fará dois anos em 24 de janeiro - um pouco de história


Este blog está para completar dois anos em 24 de janeiro próximo. Eu o iniciei por sugestão de meu tio Gilberto Esteves da Rocha, numa conversa telefônica, quando ainda morava em Campo Grande/MS e estudava teologia (curso que não completei).
Em 2008, eu escrevia quase diariamente. Fui criando um estilo, percebendo minhas áreas de interesse, me acostumando a tratar de assuntos teológicos e não teológicos, escrevendo sobre coisas variadas que os jornais noticiavam. Passei a expor ideias antigas e outras que surgiam, e a desabafar sobre a problemática da Igreja brasileira.
Em 2009, escrevi bem menos, enquanto me adaptava à mudança para a Bahia, minha terra natal, e me via inicialmente dividido entre Alagoinhas, onde nasci, e Salvador, onde passei a trabalhar. Depois, mudamos para Salvador, e demorei um pouco a retomar o ritmo de postagens. Creio que ainda não estou como em 2008, mas poderemos chegar lá, se Deus quiser.
O blog foi bom para meu curso na faculdade, pois as horas que passava escrevendo e estudando me serviram no tempo de estágio. Também tenho exercitado o raciocínio e a crítica.
Sei que muitas pessoas passam pelo blog, mas não as contabilizo. A maioria delas não deixa comentários.
Por outro lado, há alguns poucos que comentam com alguma frequência ou se tornaram "seguidores", sendo que, a partir do blog, com a indicação feita pelo meu amigo Marcos de Jesus, Promotor de Justiça no Ceará, fiz amizade com João Armando, médico oncologista naquele mesmo Estado. O João Armando faz comentários frequentes, e já trocamos vários e-mails em decorrência dessa amizade.
Embora em 2009 eu tenha escrito menos, aproveitei para escrever um livro, que ainda precisa ser ampliado e aperfeiçoado. É como se eu tivesse usado o tempo do blog para escrever o opúsculo. Foi um bom exercício, e espero publicá-lo em breve, depois de estudos necessários.
Nessa jornada de quase dois anos, recebi comentários de incentivo e alguns comentários bastante ácidos, para dizer o mínimo. Mas é isso aí, estou aqui para ser criticado, não para ser elogiado. É para fomentar o debate saudável que eu estou aqui neste espaço, não para arrebanhar asseclas inconscientes.
Cheguei algumas vezes a pensar em desistir dessa atividade de editor de blog, mas minhas inquietações me impedem de ficar sem um espaço para publicar ideias. Este é meu púlpito, meu único púlpito, e os internautas são o meu público.
Pela misericórdia de Deus, uso as ferramentas que Ele me concedeu para colaborar com a edificação de algumas pessoas. Dentre as mais de 460 postagens, penso que alguém deve ter sido abençoado, porque essa obra pertence a Deus.
Filho de um artesão e uma professora aposentada pelo Estado da Bahia, ambos piauienses, irmão mais velho de duas baianas nascidas em Alagoinhas, fiz meu segundo grau (hoje ensino médio) na Fundação José Carvalho, escola filantrópica de uma rede criada por um homem rico, dono de uma siderúrgica sediada em Pojuca/BA, onde também fica a escola. Entrei lá por conta de um concurso realizado em 1991, quanto tinha 14 anos.
Depois, em 1995, fiz o vestibular para Psicologia na UFBA e não passei. Fiquei o ano de 1995 em Alagoinhas, junto com minha família, e esse foi um dos melhores anos de minha vida: após passar três anos morando em repúblicas em Pojuca, e viajando aos finais de semana para a minha cidade, passei o ano inteiro com meus pais e irmãs, e me firmei no Evangelho. Foi nessa época que eu dei minhas primeiras aulas de escola dominical e fiz minhas primeiras pregações, com 18 anos. De tão alegre com a minha fé mais sólida - embora "nascido no Evangelho" e batizado em 1992 -, cheguei a compor várias canções em 1995, retratando a verdade evangélica na qual passei a crer com maior vigor.
Em 1996, passei em dois dos três vestibulares que prestei: Direito na Universidade Federal de Viçosa e História na Universidade do Estado da Bahia, na qual fiquei em primeiro lugar entre os candidatos de História. Tudo isso pela misericórdia de Deus, e com dificuldades, pois paguei meu curso pré-vestibular com as aulas particulares que dava em casa.
De 1996 a 2001, fiz o curso de Direito em Viçosa, onde conheci muitos cristãos de igrejas diferentes, cresci como pessoa, abri minha mente, cometi muitos erros, amadureci, frequentei a Assembleia de Deus de Madureira e a Segunda Igreja Batista, conheci e passei a namorar a Miriam, que é minha esposa, participei ativamente da Aliança Bíblica Universitária (onde conheci a Miriam), do Grupo Pentecostal de Evangelização Universitária e frequentei as reuniões do Ministério Campus. Tive duas bolsas de pesquisa do CNPq, passei dificuldades financeiras, trabalhei na biblioteca setorial do Direito para ter um cartão que me desse direito a fazer refeições no Restaurante Universitário. Fiz o curso com pessoas que em geral tinham melhores condições financeiras do que eu. Mas chegamos juntos no dia 29 de março de 2001 para pegar o diploma, graças ao Eterno Deus.
Formado em Direito e desempregado, fui para Sete Lagoas/MG, onde a família de minha então namorada foi morar. Fiz concursos. Queria casar e não tinha dinheiro. Passei para escrevente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e foi como escrevente que comecei a minha vida. Casei, tivemos uma filha, construímos uma casinha com financiamento da Caixa Econômica Federal. Foi o período de 2001 a 2006, com um intervalo de dezembro de 2002 a maio de 2003, quando estive em Alagoinhas tentando advogar enquanto o Tribunal não me chamava, o que só ocorreu em julho de 2003.
Em Sete Lagoas/MG eu cheguei querendo anonimato e sossego. Para isso, a congregação de poucas pessoas no bairro era ideal. Eu dava aulas de escola dominical, pregava e vivia aquela simplicidade ali com os irmãos, numa igreja desprovida de tudo, que ficava depois de uma descida feia e sem asfalto. Depois, estivemos por pouco tempo, em 2004, numa igreja fundada por um pastor dissidente da Assembleia de Deus, e retornamos em 2005, quando passamos a frequentar uma congregação do outro lado da cidade. Ainda em 2005 ou no começo de 2006, fomos para a sede, onde dei aulas aos jovens. De lá, fiquei sabendo em cima da hora que o Ministério Público da União me nomeara, e eu sequer lembrava que havia feito concurso para Analista Processual em 2004 - só lembrava que tinha feito concurso para o MPU, mas não lembrava que era cargo de nível superior.
Assim, rumei para Campo Grande/MS rapidamente em 30 de dezembro de 2006, de ônibus, pois não tinha dinheiro para a passagem de avião. Passei uns dias na casa da família Castilho, por indicação de meu cunhado, o pastor Ayumi Suzuki. Foram quase dois anos em Campo Grande/MS, de janeiro de 2007 a novembro de 2008, trabalhando no Ministério Público Militar, estudando na Faculdade Theológica (FATHEL) e participando da Assembleia de Deus como professor de escola dominical.
Tanto em Viçosa/MG, como em Sete Lagoas/MG e Campo Grande/MG nós fizemos muitas amizades, além de enfrentar problemas eclesiásticos e conflitos teológicos.
Confesso que, certo dia, estando eu na faculdade, minha esposa recebeu a ligação de um pastor perguntando se eu era "batizado com o Espírito Santo". Minha esposa disse que não. Resultado: logo depois, estando eu no trabalho, telefonou-me um pastor amigo, dizendo-me que a ideia do pastor-presidente era me separar para presbítero. Não o faria pela ausência do batismo com fogo - ou seja, por não ter falado em línguas.
Por providência de Deus, consegui remoção para Salvador, onde trabalho no Ministério Público Federal, outro ramo do MPU. Hoje faço pareceres jurídicos nas licitações da Procuradoria da República no Estado da Bahia. Ainda não nos enturmamos, não nos encontramos, não nos sintonizamos com a Assembleia de Deus local. Congregamos numa igreja da Ribeira, mas ainda não tomamos pé da Assembleia de Deus na cidade.
Temos enfrentado problemas de saúde na minha família: mãe com diabetes a ser controlada, sogro com sequelas de um AVC, além dos cuidados normais de quem é casado, tem dois filhos, abriga os sogros e ainda não se adaptou totalmente ao novo endereço.
Estou escrevendo essas coisas, e talvez alguém pense que isso tudo aumente minha vulnerabilidade. Mas quero dizer que por trás desse blog existe uma pessoa nordestina que saiu do interior da Bahia, sem dinheiro - e se fosse hoje, sem direito a cotas -, para cursar Direito numa das mais conceituadas universidades federais do país, e que por quase treze anos morou em duas regiões e três cidades bem diferentes, convivendo com crentes de variados matizes e seus problemas e qualidades. Aos 32 anos de idade, tenho essa experiência aqui relatada, e uma vocação que Deus me fez, um chamado que dos Céus desceu ao meu coração e que ainda queima no meu peito, embora admita que, por intempéries sofridas, a chama esteja amainando com o tempo.
Não sou presbítero, não sou pastor, não sou diácono, e, como certo pastor me disse ao telefone certa vez, há quem pense, como ele, que não tenho autoridade nem experiência com o Espírito Santo por não ter sido batizado com o Espírito Santo. Mas tenho, sim, fé no sacrifício de Cristo, que morreu por mim para perdão de pecados. E é o poder de Deus que me move a escrever certas coisas difíceis, é o poder de Deus que me faz escrever, juntar uma letra à outra e usar os conhecimentos jurídicos e teológicos para estabelecer uma ponte com algumas pessoas.
Lembro que em 2002 ou 2003 eu dava uma aula na congregação assembleiana onde congreguei de 1988 a 1996, quando ouvi um cidadão, namorado de uma moça da igreja, e que não me conhecia, dizer: "Só porque é advogado". Conquanto eu seja míope, ouço muito bem. Ele não sabe que antes de ser advogado eu era um menino pobre, filho de um artesão e de uma professora, que pregava desde 1995. Mas isso não importa. Deus é que importa!
Uso as ferramentas que Deus me deu. Foi Ele Quem me criou, foi Deus Quem me arrancou de onde eu estava para sair e depois voltar com a mente menos obtusa, menos tacanha que antes, quando era um assembleiano radical de 18 anos.
Perto de completar dois anos de blog, são estas as palavras que tenho a registrar. Relembrar minha história é uma forma de incentivar a mim mesmo na minha difícil e desprestigiada carreira de professor de escola dominical e crítico da situação da Igreja brasileira.

Agora foi a vez do Cônsul-Geral do Haiti

Depois de Pat Robertson, ontem foi a vez de o Cônsul-Geral do Haiti no Brasil, Sr. George Samuel Antoine, falar besteira sobre a tragédia em seu país. Em matéria veiculada pelo SBT, vê-se que, sem saber que estava sendo gravado, o Sr. Antoine diz que o que tem ocorrido no Haiti é bom para eles, porque os torna conhecidos. Diz, ainda, que africano é amaldiçoado, e que tudo é resultado da prática da macumba. Segundo a reportagem, ele mesmo tem mais de cem parentes naquele país, e mesmo assim abre a boca para demonstrar seu preconceito racial e religioso em meio a essa catástrofe.
Esse diplomata haitiano está sendo racista porque, ao falar que africano é amaldiçoado, está atacando a etnia negra, que forma a maioria dos habitantes do Haiti, descendentes de escravos. E está sendo preconceituoso com a religião de matriz africana, pois, por mais que discorde do vodu, do candomblé e de outras correntes, como eu discordo, não pode associar uma tragédia natural à prática de uma religião. Isso é no mínimo falta de misericórdia com o seu próprio povo.
Mas, apesar das bobagens faladas por um telepastor norte-americano e por um diplomata haitiano, vale destacar a solidariedade de países, artistas, empresários, militares, médicos, organizações não-governamentais, missionários, enfim, a solidariedade internacional em favor do Haiti. Um país pobre e em construção institucional e material ser vitimado por um terremoto de grandes proporções é coisa para comover qualquer pessoa. Outros países sofrem frequentes terremotos, como o Japão, que tem, em média, três tremores diários. Todavia, os japoneses têm conhecimento, dinheiro e organização para evitar danos pessoais e materiais, e o fazem com sucesso. Na realidade, a maior de todas as tragédias não é de ordem natural. Os mais graves problemas, os que mais chocam, são os que decorrem da ação ou da inação humana, como a miséria, a corrupção e a injustiça social.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti, Pat Robertson, galileus e a Torre de Siloé*

Em 03 de janeiro deste ano escrevi e publiquei aqui neste espaço o texto intitulado "Um discurso que não pode 'passar batido'", a respeito da doutrina kardecista segundo a qual as pessoas sofrem em consequência de atos praticados em outras vidas. No caso em tela, eu tratava da fala do Sr. Divaldo Franco, famoso espírita baiano, que, numa entrevista à Rede Bahia, da Globo, no jornal Bahia Meio-Dia, disse que o menino perfurado com dezenas de agulhas não pode ser considerado vítima, devido à tal lei da reencarnação.
Agora, deparo com um texto do blog "O contorno da sombra", reproduzido no Genizah Virtual, e que traz como título "Pat Robertson diz que Haiti foi amaldiçoado". No Genizah, faz-se remissão ao site "O Galileu", do qual consta o trecho em que o telepastor faz a infeliz declaração.
Só para resumir a lamentável afirmação de Pat Robertson, ele disse que o povo haitiano sofre há tanto tempo por ter feito um pacto com o demônio para conseguir sua independência em 1804, contra o domínio francês. É isso o que esse senhor afirma.
Dessa forma, se para o Kardecismo as pessoas estão individualmente escravizadas debaixo da Lei do Carma, para o dono da Christian Broadcasting Network um povo inteiro padece catástrofes políticas e naturais por causa de um suposto pacto com o Diabo.
Ridícula, inoportuna, inadequada, repugnante e infundada a afirmação do Sr. Robertson. Do alto de sua ignorância histórica e teológica, esse suposto pastor abre a boca para falar do que não sabe, enquanto milhares de pessoas morrem devido a um terremoto de grandes proporções, num país paupérrimo, devastado por furacões, tempestades tropicais, golpes de Estado e injustiça social.
É isso mesmo: enquanto o mundo inteiro se une para socorrer o país assolado pelo pior terremoto de sua história em 200 anos, o Sr. Pat Robertson fala sem peias uma besteira dessa magnitude.
Todavia, é importante assegurar que a estranha teologia desse senhor não tem respaldo nas Escrituras, como não tinham fundamento as aberrações teológicas afirmadas por líderes evangélicos norte-americanos quando do atentado de 11 de setembro e da invasão do Iraque.
Essa teologia de nações amaldiçoadas pelo pecado é perigosa e preconceituosa.
Muitos, aliás, dizem que a África é um continente atrasado por causa do pecado de Cão, não sabendo que, em Gênesis, embora o pecado contra Noé tenha sido cometido por Cão, a maldição recaiu sobre o filho de Cão, chamado Canaã. Esses que dizem coisas dessa natureza ignoram fatores econômicos, políticos e sociais.
Recordo que, assistindo ao filme Mississippi em Chamas, há um trecho em que a esposa de um membro da Ku-Klux-Klan afirma ter sido criada com o ensino de que o racismo tem base em Gn 9.27, o qual afirma: "Engrandeça Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem, e Canaã lhe seja servo".
Para os racistas, Canaã seria o ascendente dos negros, e, por isso, todos os negros deveriam ser alvo de desprezo em nome de Deus. Essa, em sua concepção, seria a justiça de Deus.
Talvez haja um misto de preconceito racial e religioso nas palavras do Sr. Robertson. Não sei. O que ele diz é que tudo no Haiti não passa de efeito de um suposto pacto com o Diabo praticado há mais de 200 anos. Mas há pessoas que certamente associarão esse terremoto e toda a miséria daquele país ao Vodu, como se já não houvesse ali imensas placas tectônicas se chocando a todo instante e provocando falhas geológicas que um dia podem gerar catástrofes como essa que os jornais do mundo noticiam (algo que repercutiu em Cuba e na vizinha República Dominicana).
Lembro, por oportuno, de uma passagem dos Evangelhos contida em Lc 13.1-5. Certa vez, os discípulos comentaram com Jesus acerca da morte de uns galileus, cujo sangue Pilatos misturou aos sacrifícios que os mesmos realizavam. Mas, percebendo a dúvida teológica embutida no comentário, Jesus lhes indagou se por acaso pensavam que aqueles galileus eram mais pecadores por haverem padecido aquelas coisas. Não! Se não se arrependessem, disse Jesus, todos igualmente pereceriam. E emendou outra pergunta acerca dos dezoito homens sobre os quais desabou a Torre de Siloé. Da mesma forma, não eram eles mais culpados - todos precisam arrepender-se.
Pat Robertson deveria ler Lc 13.1-5. Ele precisa também saber a hora de ficar calado.
Por outro lado, discordo da teologia de Ricardo Gondim, que, espantado com cataclismas como tsunamis e outros tormentos variados, pensa que Deus teria abdicado, por um pouco, de Sua Onisciência e Onipotência. Do contrário, evitaria tragédias. Discordo do teólogo. Diante do incompreensível, penso em Dt 29.29.
Se a Torre de Siloé desabou, os dezoito que lá estavam não eram piores do que eu. Se Pilatos foi usado por Satanás para matar uns pobres galileus e cometer o sacrilégio de misturar seu sangue ao sangue de animais sacrificados, esses galileus não são piores do que eu. Todos somos pecadores (Rm 3.23; 6.23).
Diante de tragédias humanas, deveríamos nós pensar apenas no próximo. Como diria Caetano Veloso, "Pense no Haiti/Reze pelo Haiti/O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui".
*Depois de escrever esse texto, descobri um excelente artigo no uol, intitulado "Pastor americano atribui terremoto a pacto com o Diabo e provoca protestos; país se libertou da França em 1804". O caminho é http://noticias.uol.com.br/especiais/terremoto-haiti/ultnot/2010/01/14/ult9967u9.jhtm


Mão Santa para Vice-Presidente?

Anteontem, deparei com um vídeo no "site" do uol em que o senador piauiense Mão Santa (PSC), entrevistado por uma TV do seu Estado, falava de sua mais nova pretensão: candidatar-se a Vice-Presidente na chapa de José Serra (PSDB-SP).
Mão Santa dizia que a ideia fora cogitada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso num jantar informal. Falando das possibilidades para vice de Serra, FHC teria comentado sobre um candidato a vice nordestino, região em que os tucanos têm pouca penetração. Esse candidato não deveria ser baiano para não incomodar os pernambucanos, nem pernambucano para não incomodar os baianos. Assim, teria citado o Mão Santa, por sua popularidade e capacidade de falar com o povo.
Mão Santa - cujo nome é Francisco de Assis Moraes Souza - foi prefeito, deputado e governador do Piauí de 1995 a 2001, tendo sido cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por abuso do poder econômico. Em 2002, foi eleito senador da República, e desde 2003 já fez mais de 1000 discursos da tribuna do Senado, muitos deles na segunda e na sexta, quando não há uma alma viva naquele lugar, senão ele, para ser gravado pela TV Senado e pela Rádio Senado.
Com suas múltiplas aparições, Mão Santa ficou conhecido de muitos espectadores pelo Brasil afora. Não tem peso político como um José Sarney ou um Renan Calheiros, nem oratória elegante como um Arthur Virgílio; tampouco desfruta do conhecimento de um Aloizio Mercadante ou de uma Marina Silva. Mas, com seus apartes e discursos extensos e engraçados, com sua verborragia pretensamente erudita, chama a atenção do populacho.
Não gosto do estilo de oratória do senador Mão Santa. Suas frequentes citações de Sêneca e Rui Barbosa não tornam o seu discurso bonito nem eficiente. Parecem palavras ao vento, que nem se dão ao trabalho de uma dicção adequada. Gosto apenas de sua coragem de falar contra o petismo, e de sua firmeza em criticar o "Luiz Inácio", como ele chama o presidente. Mas isso é pouco, muito pouco para um estadista.
O senador Mão Santa gaba-se de ser inteligente, cirurgião bem-sucedido por cujo serviço ganhou o apelido que hoje ostenta como político. Acha-se muito bom, o melhor, um grande político. Não vê concorrente para seu desejo de ser candidato a vice. Já se enxerga no Palácio do Jaburu.
Não vejo assim. Tudo bem que ele seja inteligente, mas esse negócio de ser inteligente não diz nada. Muitas pessoas fariam mais que ele se tivessem condições de estudar.
Nascido baiano, toda a minha família é piauiense de Alto Longá, meus pais são primos, têm o Esteves em comum. Desde pequeno, ouço coisas como "Fulano é inteligente", "Fulano não é inteligente, mas é esforçado". Ficou em minha mente a ideia de que os piauienses dão muito valor à inteligência. Não sei, mas me veio essa lembrança quando vi o Mão Santa se gabando dessa qualidade. Todavia, com inteligência ou sem ela, não dá para sustentar uma candidatura tamanha sem outros adjetivos.
Tenho receio de políticos que se arvoram qualificados como "o mais inteligente", "o mais culto", "o mais preparado". Seria como cultuar a personalidade do déspota esclarecido. Num debate eleitoral em 2002, Lula dissera ser a única solução para o país em determinado assunto. Serra, esperto, corrigiu o adversário: não se enxergava como a única solução, mas como "a melhor".
Vejam bem: não tenho nada contra o conterrâneo de meus pais, avós, bisavós etc. Mão Santa parece boa gente, mas para uma conversa à beira do rio Poti. Para ser candidato a Vice-Presidente da República, bem que com sua inteligência e cultura poderia antever os ataques que sofreria. E quanto prejudicaria o candidato Serra...
Ei! Espere aí...Talvez eu tenha subestimado a capacidade do Mão Santa! Quem sabe o que ele quer não é prejudicar o tucano? Eita homem sabido...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"Pense no Haiti"*

Como editor de blog, me vejo frequentemente atraído a escrever e publicar textos sobre os mais importantes fatos noticiados pela imprensa. Nem sempre consumo a ideia, pois não tenho ferramentas suficientes para tratar de determinados assuntos, e procuro não ser tão amador. Todavia, desta vez eu quero deixar uma palavra sobre o terremoto de 7 graus na escala Richter que abateu o Haiti no dia de ontem.
O Haiti é o país mais pobre das Américas, com uma história marcada por golpes, rebeliões, repressão política e miséria. Não bastasse, teve recentes furacões em 2008, e agora esse terremoto absurdo, o maior em 200 anos naquele país.
Trata-se de um país que foi colônia da França até 1804. Creio que a França tem sua participação no que o Haiti se transformou. Retiraram muito açúcar daquele pedaço oeste da ilha que abriga, além do Haiti, a República Dominicana, com o esforço de um enorme contingente de escravos africanos, dos quais descende a maioria da população. E qual a recompensa, qual a semente plantada? 
O Haiti aparece na música de mesmo nome dos meus conterrâneos Caetano Veloso e Gilberto Gil - mas na letra se fala do Brasil, citando expressamente coisas aqui de Salvador, como a Fundação Casa de Jorge Amado e o Pelourinho. Pensando no Brasil pobre, eles pensam no Haiti. O Brasil tem muitos haitis.
Foi a partir da luta contra os haitis brasileiros que surgiu a médica pediatra Zilda Arns, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança, órgão da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, além de fundadora e coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa. Essa ilustre senhora foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz por seus serviços à causa humanitária. Com o seu trabalho de coordenação das Pastorais católicas espalhadas pelo nosso país, mudou positivamente a vida de milhões de crianças. E continuará mudando, inspirando-nos no seu bom exemplo.
Dona Zilda Arns morreu no Haiti devido à sua missão. Ali estava para dar uma palestra e incentivar as pessoas que atuam na ajuda a crianças. Era, sem nenhuma dúvida, uma brasileira de grande valor.
Seja a Dona Zilda Arns motivo de orgulho para nós brasileiros. E que nós evangélicos possamos deixar coisas secundárias de lado, a fim de cumprir nossa missão, que é anunciar a Salvação, não apenas do Haiti ou do Brasi, mas de toda a Humanidade. A Salvação em Cristo, que é espiritual, sim, mas com efeitos totais na vida humana.
Sei que a ação social das igrejas evangélicas é muito, mas muito importante. Sei que ela existe. Por outro lado, politicagens e teologias de ganância insistem em dizer que a Igreja deve ter adjetivos diversos da pureza, bondade e amor. Que possamos entender, urgentemente, que o Evangelho é para o serviço, não para o poder.
Pensemos no Haiti.
*A letra da canção Haiti é de Caetano Veloso, e a música, dele e de Gilberto Gil. Vale a pena ler o texto "Pense no Haiti, reze pelo Haiti", do professor Pasquale Cipro Neto, publicado na Folha de São Paulo de 14 de janeiro de 2010. Nele, o conhecido professor de Português comenta o caráter como que profético da letra de Caetano, que compara a situação do Haiti com a do Brasil, além de explicar dois aspectos linguísticos do poema.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O diabo não é burro

Pensar que o diabo é burro é uma das coisas que ele quer que façamos. Enquanto subestimamos sua capacidade intelectual, o inimigo de nossas almas prepara ciladas, na forma de tentações descaradas ou insinuações muito sutis.
Uma das armas insidiosas de Satanás é introduzir nas igrejas o elemento do falso sagrado: em lugar da profecia, a "profetada"; em lugar das línguas como dom espiritual, as línguas de origem duvidosa; em lugar do pastor de ovelhas, o lobo em pele de cordeiro; em lugar da música em louvor a Deus, a música para incitação da carne; em lugar da sabedoria espiritual, as palavras persuasivas de sabedoria humana; em lugar da igreja, a instituição burocrática, centralizadora e manipuladora de mentes; em lugar do serviço, o carreirismo em troca de cargos, poder, visibilidade.
A antiga serpente continua todos os dias a falar suavemente com mulheres e homens que andam pelo jardim. Ela oferece o fruto proibido da ética emancipada de Deus, que é relativista, individualista, subjetivista e antropocêntrica. Igrejas inteiras estão sendo contaminadas com a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Pregadores assembleianos e eu

Mudando de canal, vou percebendo a multiplicação de pregadores teatrais, sensacionalistas, triunfalistas e de autoajuda na televisão brasileira. São eles uma mistura bizarra de palestrantes motivacionais, advogados de júri e comediantes de stand up. Muitos deles são da minha igreja Assembleia de Deus. Muitos deles aparecem no periódico encontro dos tais Gideões Missionários, em Balneário Camboriú/SC.
Sei que a Convenção Geral das Assembleias de Deus não aprova as heresias defendidas por muitos pregadores que correm o país em festas e congressos. Sei que não aprova as besteiras faladas e realizadas em supostas "vigílias de oração" e no tal encontro de Gideões Missionários. Sei que também não avaliza a "unção dos R$ 900,00", de Silas Malafaia e Morris Cerullo - a sã doutrina vem ensinada em nossas revistas de Escola Dominical, publicadas pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), uma das melhores editoras evangélicas do Brasil. Todavia, as besteiras dão ibope, e por isso não são rechaçadas como deveriam.
Silas Malafaia é hoje o vice-presidente da Convenção nacional assembleiana. Logo ele, uma pessoa que passou das doutrinas bíblicas para a defesa desenfreada da Teologia da Prosperidade. Fico pensando o que teria feito o Sr. Silas Malafaia mudar de ideia assim. Ele, que combatia veementemente o G12, a Teologia da Prosperidade, as heresias e modismos...
Se fôssemos uma igreja doutrinariamente séria como as igrejas batistas e presbiterianas históricas, haveria um controle maior do que se fala ao púlpito, e maior preocupação com a Escola Dominical - que na maioria das vezes parece uma feira livre, com todos os professores falando ao mesmo tempo, na mesma sala (se alguém achar que não, vá a uma Assembleia de Deus no domingo de manhã e verifique o que digo - algo que sinaliza a importância que damos ao estudo sistemático e congregacional da Palavra de Deus).
É ridículo e em tudo errado aceitar que pessoas descompromissadas com a Bíblia andem falando o que vier às suas mentes, só porque entrecortam seu discurso com frases em línguas estranhas, e porque têm boa performance no palco - seja essa "boa performance" o que for.
Tenho vergonha ao ver certos indivíduos se exibindo na TV como supostos pregadores do Evangelho, pois erram na forma e no conteúdo. Gritam, esbravejam, pulam, fazem promessas que não podem cumprir, usam o Nome de Deus em vão, brincam com coisas sérias. Nessas horas, penso em como poderia eu explicar a meus colegas de trabalho porque eu e esses cidadãos pertencemos à mesma denominação. Não que eu seja melhor nem pior - mas diferente. Penso diferente.
Ainda não deixei a Assembleia de Deus por alguma teimosia, talvez. Não tenho receio em dizer isso. É necessário perder certas restrições ao tratar de assuntos como o futuro da nossa denominação. Ficar dizendo que toda igreja tem problemas é uma saída débil e debilitante. Sim, problemas pontuais eu suporto. Agora, problemas estruturais e de fundo precisam ser enfrentados com coragem, de verdade.
Minhas forças vão se esmorecendo aos poucos. Clamo neste blog como que num deserto. E, como não sou um Jeremias, um João Batista nem um Elias, meu coração estremece, minhas pernas cambaleiam, meus braços se cruzam de tristeza ao ver a obra dos pioneiros suecos desfalecer em meio à turba irracional e carente, conduzida por líderes oportunistas, acovardados ou gananciosos.
Fingir que não existo, que não nasci e fui batizado numa Assembleia de Deus? Fingir que minha formação religiosa não é pentecostal? Fingir que fui eu que saí do caminho e que minha igreja continua no caminho certo? Fingir que minha biografia não é diferente da biografia da média dos jovens assembleianos? Fingir, então, que não sou um assembleiano "peixe fora d'água"?
Qual será a minha missão? Com certeza não é prometer vitória aos berros. Não contem comigo para isso.


Mais sobre o caso Boris Casoy

Voltando ao tema da "gafe" cometida pelo jornalista Boris Casoy no derradeiro dia do ano de 2009 (escrevi sobre isso em outra postagem), não comentei ainda o seu pedido de desculpas, além de ser necessário tecer algum comentário sobre alguns desdobramentos do fato.
No dia seguinte à triste afirmação, Boris Casoy pediu desculpas aos garis e aos telespectadores da Band, o que fez por meio de uma frase pequena e seca. O tamanho da "bobagem" que ele falou - para usar um adjetivo usado por ele mesmo - requeria uma emenda melhor. Pedido de desculpas não resolve a questão, pois o que fica é que o jornalista pensa mal dos varredores de rua. Seria preciso um texto maior, mais apurado, em que o jornalista iria se explicar e contradizer peremptoriamente a declaração precedente.
Entretanto, muito pior do que as palavras de Casoy foi o texto de Bárbara Gancia, sua colega de Band News FM, no texto intitulado "Sirvam a cabeça do Boris com batatas", publicado na Folha de São Paulo de 08 de janeiro. Essa senhora comete em seu artigo vários erros deliberados, refletidos, sem poder se ancorar no vazamento de áudio: a) diz que os garis são mesmo o posto mais baixo da escala do trabalho, sob o argumento de que médicos não fariam esse serviço; b) alega, com generalização descabida, que a reação à gafe de seu colega vem da esquerda contrária ao conservadorismo de Boris Casoy; c) acusa a todos de hipocrisia por supostamente terem idênticos pensamentos em relação aos garis, apoiando-se, mas sem relação direta, na pesquisa de Fernando Braga da Costa segundo a qual os lixeiros são como que invisíveis aos olhos da sociedade; d) declara que é motivo de riso garis darem felicitações de ano novo; e) usa a biografia do jornalista como escudo contra as críticas.
Sim, essas coisas estão escritas, não foi um problema técnico, uma falha do jornal, como no caso de Boris Casoy.
Dona Barbara Gancia cometeu erro mais grave que o de Boris Casoy, pois, enquanto este manifestou seu preconceito de forma impensada, mas natural, ela deliberadamente colocou no papel as coisas preconceituosas que pensa. Em suma, essa jornalista acredita que as pessoas sejam divididas em escalas hierarquizadas, e que assim deve ser por causa do mérito de uns, estes habilitados a desejar boas coisas aos outros por estarem bem posicionados socialmente. É como se a vida valesse pela posição nessa escala socioeconômica: se está na parte inferior, como desejar o melhor para quem está acima?
Todavia, repenso minha posição anterior quanto à necessidade de demissão do jornalista. Entendo, agora, com maior reflexão, que caberá aos telespectadores avaliar a credibilidade do âncora. Nesse caso, sua biografia de bons serviços jornalísticos não pode mesmo ser descartada - mas veja: não para diminuir sua responsabilidade no episódio, e, sim, para evitar uma punição tão severa.
Por outro lado, discordo totalmente de críticas que adentram a áreas outras como a sexualidade ou a etnia do jornalista. Se Boris Casoy é judeu, deve ser respeitado como judeu, e, mais do que isso, como pessoa humana. E se ele tem essa ou aquela orientação sexual, isso nada tem que ver com a "bobagem" que ele proferiu quanto aos garis. Misturar essas coisas é duplamente errado, e torna mais preconceituosos os que o acusam.




sábado, 9 de janeiro de 2010

Atribuições não-privativas do pastor

O atilado comentário do amigo João Armando ao meu texto "Um exemplo de misticismo em nosso meio" me fez pensar em algumas passagens de minha vida, que aproveitarei para tecer considerações sobre o trabalho de pessoas não ordenadas.
Antes, porém, preciso ressaltar que o amigo João Armando menciona em seu comentário o fato de haver hoje igrejas que, embora reconheçam o sacerdócio universal dos crentes, separam alguns ofícios exclusivamente a pessoas especialmente ordenadas, quando estas deveriam se ater às funções básicas de supervisão e ensino.
De fato, de modo geral, ressalvadas as distinções entre as organizações eclesiásticas, ordenam-se pastores (e às vezes presbíteros, "evangelistas", bispos) para os ofícios de celebrar Ceia, batizar, fazer casamentos e dirigir cultos fúnebres. A rigor, só os "ministros da Palavra" podem realizar esses atos.
Confesso que essa questão não tem tomado meus pensamentos, conquanto eu seja bastante preocupado com certos problemas de teologia pastoral (poimênica) e hiperetologia (teologia do serviço, do ministério eclesiástico). Todavia, as palavras de João Armando me fizeram pensar no quanto esse tema é profundo.
Com efeito, não há nas Sagradas Escrituras nenhuma determinação de atribuições pastorais ou episcopais que vão além do ensino e da supervisão. O bispo ou pastor precisa estar apto para o ensino, precisa cuidar das ovelhas. Não há nada ali que determine aos pastores e assemelhados a exclusividade do ofício da Ceia e do batismo nas águas - as únicas ordenanças bíblicas. A Ceia do SENHOR era uma festa (ágape), com um sentido de fraternidade, memória da morte de Cristo e anúncio de Sua Vinda (esses quesitos são recordados por Paulo em I Co 11.23-34).
Além disso, não há determinação para que pastores celebrem casamentos. Isso é talvez resquício do romanismo, em que há sete sacramentos, sendo um deles o matrimônio, oficiado pelo padre - sem o qual o casamento não serve. Nem por isso deixaremos de casar na igreja, mas é importante distinguirmos os mandamentos bíblicos das tradições humanas.
Semelhantemente, os ofícios fúnebres sequer são mencionados na Bíblia.
Em que pese ao meu entendimento de que cerimônias de casamento e funerais sejam tradições humanas, penso que no caso do batismo e da Ceia a questão deva ser aprofundada, já que se trata, aí sim, de ordenanças. Bem por isso, em última análise, deveriam ser abertos a pessoas não ordenadas, já que Filipe, um diácono com dom de evangelista, batizou um eunuco (At 8.26-40; ver também Ef 4.11), e  as Ceias, enquanto celebrações festivas, eram realizadas coletivamente, sem essa formalidade clerical que temos. Na realidade, a ordem para que esperemos uns pelos outros reflete essa espontaneidade do ato.
Se por um lado é necessária alguma organização, alguma institucionalização, isso não deve burocratizar a igreja, criando coisas como "para evangelizar no domingo à tarde, fale com o setor de evangelismo". Impessoalidade não combina com o Evangelho, algo essencialmente pessoal.
Nessa esteira, discordo, com todo o respeito, daquele costume de dividir crentes em leigos e minitros do Evangelho. A palavra "leigos" denota um sentido de "não-qualificado para as coisas sagradas", e me parece também um fruto do romanismo. Se tudo em Deus é santo, por que laicato e sacerdócio? Todos os crentes em Cristo são sacerdotes d'Ele (I Pe 2.9).
Mas o nosso ritualismo e formalismo institucional não é imbatível. Sei de pelo menos um caso em que uma igreja muito preocupada com essas coisas permitiu que sua missionária inserida em campo distante celebrasse um ato exclusivo a homens - porque ali somente homens podiam ser pastores (esse é outro tema, sobre o qual me reservo o direito de tratar em ocasião diversa).
Eu mesmo passei por situações curiosas. Em 2002, meu pastor, em Sete Lagoas-MG, me pediu, por telefone, para dar posse a um cooperador que iria ser o suplente do dirigente numa pequena congregação na cidade. O detalhe é que eu não era, como ainda não sou, ordenado a nenhum ofício eclesiástico. Portanto, estava como que transferindo um poder que não tinha.
Mais à frente, ainda em Sete Lagoas-MG, no ano de 2006, numa congregação em que eu dava estudos frequentes, o presbítero dirigente me pediu, de improviso, para celebrar a Ceia (!). Não só ele poderia realizar o ato como tenho certeza de que atrás de mim havia pelo menos mais um presbítero como o dirigente. E a Ceia foi celebrada por mim.





Fale comigo!

Gostaria de estabelecer contato com você. Talvez pensemos a respeito dos mesmos assuntos, e o diálogo é sempre bem-vindo e mais que necessário. Meu e-mail é alexesteves.rocha@gmail.com. Você poderá fazer sugestões de artigos, dar idéias para o formato do blog, tecer alguma crítica ou questionamento. Fique à vontade. Embora o blog seja uma coisa pessoal por natureza, gostaria de usar este espaço para conhecer um pouco de quem está do outro lado. Um abraço.

Para pensar:

Um dos terríveis problemas da Igreja evangélica brasileira é a falta de conhecimento da Bíblia como um sistema coerente de princípios, promessas e relatos que apontam para Cristo como Criador, Sustentador e Salvador. Em vez disso, prega-se um "jesus" diminuído, porque criado à imagem de seus idealizadores, e que faz uso de textos bíblicos isolados, como se fossem amuletos, peças mágicas a serem usadas ao bel-talante do indivíduo.

Arquivo do blog

Bases de Fé

Creio:
Em um só Deus e na Trindade.
Na inspiração verbal da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé normativa para a vida e o caráter cristão.
Na concepção virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória, em sua ressurreição corporal e sua ascensão aos céus.
Na pecaminosidade do homem, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que pode salvá-lo.
Na necessidade absoluta do novo nascimento pela fé em Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o homem digno do Reino dos Céus.
No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna justificação da alma recebidos gratuitamente de Deus pela fé no sacrifício efetuado por Jesus Cristo em nosso favor.
No batismo bíblico em águas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme determinou o Senhor Jesus Cristo.
Na necessidade e na possibilidade que temos de viver vida santa mediante a obra expiatória e redentora de Jesus, através do poder do Espírito Santo.
No batismo bíblico no Espírito Santo que nos é dado por Deus mediante a intercessão de Cristo.
Na atualidade dos dons espirituais distribuídos pelo Espírito Santo à Igreja para sua edificação, conforme a sua soberana vontade.
Na Segunda Vinda de Cristo.
Que todos os cristãos comparecerão ante o Tribunal de Cristo.
No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis.
E na vida eterna para os fiéis e morte eterna para os infiéis.