segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A graça da bandalheira

Todo escândalo político no Brasil tem sua graça. Em 2005 o Mensalão nos presenteou com o espetáculo de figuras como o "carequinha de Minas", um sujeito que se chamava Dilúvio, um José que não era Genuíno, um Dirceu que não era de Marília, um Cunha que não era Eduardo (mas João Paulo), um Silvinho que não era cantor, mas professor de sociologia e componente da turma. E vimos que Lula, o líder de massas e profeta de um novo tempo, não sabia de nada.
Houve até aquele episódio em que um CD do Lupicínio Rodrigues deu um soco no olho de Roberto Jefferson, que depois disso virou cantor e gravou um disco.
Agora, com o Petrolão, conhecemos alguns importantes diretores e gerentes da PTBrás: tem o Paulo Roberto, primeiro a dar a Costa para os companheiros em sua delação premiada; tem aquele outro cujo filho, ator profissional, armou uma arapuca para a Vovó Mafalda travestida de Antonio Fagundes depois da catapora; tem o Pedro, que, barusco que só ele, foi logo contando tudo; tem o Renato, que de Duque só tem o nome. Ah! E se sabe que boa parte da encrenca se deu sob as barbas da Graça, aquela moça bonita da PTBrás. 
Novos personagens se juntam à festa: tem o André, que Esteves (Ô piada batida!) contaminando o belo patronímico que carrego com satisfação; tem o Amigo Primaz do Lula, o José Carlos Burlai, pecuarista nominal e com passe livre no palácio das tenebrosas transações; tem o neto do Brasil, aquele rapaz esperto que copiou a Wikipédia para vender consultoria de alto nível, por milhões, a uma microempresa de um sujeito que é amigo de Lula desde os tempos em que um era sindicalista radical e o outro era representante de empresa com a qual o sindicalista radical "brigava".
O Lula, coitado, continua sabendo de tudo aquilo que deu certo, e por fora de tudo aquilo que deu errado.
Mas Cunha, desta vez Eduardo, maneja o pedido de impeachment ora como arma, ora como escudo; Renan, metido em toda confusão que se preze, ainda se mantém de pé (mas cuide para que não caia!); e Michel vive a dizer que não tem nada a Temer.

domingo, 29 de novembro de 2015

As igrejas estão imunes ao crime organizado?

A pergunta que surge no título pode ser bastante forte, mas cada palavra ali tem seu lugar. Realmente não é simpático nem agradável dispor na mesma frase as palavras "igreja" e "crime". Contudo, proponho uma reflexão nestes dias irrefletidos e estranhos.
Em virtude da liberdade religiosa, um direito constitucionalmente assegurado, próprio das democracias e do Estado de Direito, as igrejas, como toda organização religiosa, devem gozar de uma série de prerrogativas que visam ao desembaraço da atividade confessional. É daí que decorre, por exemplo, a imunidade tributária dos templos religiosos. Quero deixar claro que eu concordo com todo direito que contribua para a liberdade de crença, de culto e de religião. Certamente em razão das igrejas-corporação, que funcionam como empresas, buscam o lucro e manejam muito dinheiro, alguns começam a discutir a imunidade dos templos.
Quero destacar, porém, algo que considero um problema a merecer ponderação: não corremos, no Brasil, o risco de ver igrejas infiltradas por quadrilhas, ávidas pela prática facilitada de lavagem de dinheiro? Será que traficantes de drogas e armas, empresários do crime e políticos corruptos não se sentiriam atraídos pela conformação jurídica diferente das igrejas?
Recordo aqui o caso do deputado e presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que mudou recentemente de igreja como quem muda de partido, indo da Sara Nossa Terra para a Assembleia de Deus do Ministério de Madureira, uma dessas igrejas cujos líderes têm ligações políticas (a Sara Nossa Terra também tem ligações políticas). O Ministério Público Federal denunciou Eduardo Cunha por suposto recebimento de propina, parte da qual teria migrado para a conta da Assembleia de Deus Madureira em Campinas.
Mas, antes disso, e de modo ainda mais dramático, penso na proximidade entre pastores evangélicos e líderes do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Em razão das missões urbanas, e, principalmente, em razão de muitos crentes residirem em territórios tomados pelo tráfico, criou-se uma "política de boa vizinhança" que me deixa preocupado. Mais do que isso, traficantes passaram a se considerar evangélicos, a cantar alegremente músicas gospel e a tratar pastores como seus guias. Pastores começaram a se considerar tutores de chefes do tráfico, numa tenebrosa simbiose em que o traficante continua traficante, confessa sua fé evangélica e entrega seu regalado dízimo ao pastor de sua "comunidade". O dinheiro que sai das mãos do criminoso é agora lavado?
Lembremos do caso daquele pastor Marcos Pereira, da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, no Rio de Janeiro. Em que situação aquele homem foi se envolver! Confesso não ter compreendido até hoje que trama foi aquela, mas o contexto e os personagens não parecem conduzir a uma história feliz.
Proteger as igrejas do crime organizado, da lavagem de dinheiro e da corrupção significa ter critérios para admissão de membros; distinguir bem a condição de membro das condições de congregado e visitante; eleger adequadamente os pastores e demais líderes; evitar compromissos políticos não republicanos (lembrem do Escândalo das Sanguessugas, que estourou em 2006 e no qual se destacaram tristemente políticos evangélicos).
Igrejas "neopentecostais" e essas miríades de igrejas que surgem todos os dias estão mais ou menos protegidas do crime organizado?
Francamente não tenho muito entusiasmo com a situação da Igreja brasileira em nossos dias, e o só pensar nas possibilidades aqui aventadas me traz uma indignação verdadeira. Mas é necessário pensar nessas coisas.
Escrevo a partir do que leio e do que percebo no mundo, como observador que deseja não ser surpreendido pelas "astutas ciladas do diabo". É preciso orar, mas também é preciso vigiar.








segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Resposta ao comentário de um leitor esquerdista

Um leitor de esquerda concedeu-me a honra de comentar o artigo "O esquerdismo entranhado na sociedade brasileira". Farei comentários, em azul, ao que ele escreveu:

"Discordo de certos aspectos. Generalização nunca é uma boa coisa a se fazer, visto que nem todos que possuem pensamentos socialistas possuem todos os adjetivos utilizado por vossa mercê".
Li novamente o meu texto e não encontrei generalização indevida. Reconhecer aspectos predominantes numa corrente político-ideológica não é generalização, mas sistematização e interpretação. É disso que vivem os jornalistas e os cientistas. Caso contrário, bastaria o interlocutor dizer que se generalizou, e a conversa estaria encerrada. Esse é um dos recursos da esquerda: dizer que generalizamos. Outro é dizer que fomos "simplistas", que não consideramos todos os fatores. Eles sempre têm um modo mais complicado de ver as coisas.

"O capitalismo, principalmente o norte americano, tem contribuído para o aumento das desigualdades em todos os cantos onde está instalado, porém no Brasil diminuiu nos últimos anos - não atribuo isso única e exclusivamente aos governos de esquerda, mas os considero como parte fundamental nesse aspecto".
Esse discurso é carregado de esquerdismo. Desigualdades sociais sempre existiram e sempre existirão. As pessoas são iguais em direitos naturais e dignidade, mas desiguais em termos de mérito, talento, biografia, virtudes, coragem, vocação. As pessoas são diferentes. O capitalismo não é um sistema econômico criador de desigualdades sociais. As desigualdades existem por si. Talvez o leitor seja simpático à economia planificada da União Soviética. Talvez aprecie a ditadura cubana. Talvez goste muito do regime econômico da Coreia do Norte. Em todos os sistemas citados o que se produziu foi um conjunto macabro de escassez, miséria, destruição de carreiras promissoras e uma elite burocrático-militar. É possível perceber que se trata de um leitor petista ou filopetista, porque faz questão de ressaltar a suposta benemerência dos "governos de esquerda" dos anos recentes. Em que mundo o amigo vive? Os governos de Lula e Dilma semearam a crise que ora vivemos, com estagnação econômica, aumento exponencial da inflação, alta do dólar, aumento do desemprego. Os petistas estão acabando com o Brasil. Será que a ideologia o cegou?

"Quando se avalia o Brasil do ponto de vista cultural, percebe-se um complexo de inferioridade. Tudo é parâmetro para comparação com outros países e, acima de tudo, até a China torna-se melhor sob os pontos de vista de alguns. Qualquer lugar é melhor, não importa onde".
Só concordo com um ponto: a China não deve ser parâmetro para ninguém, pois não conhece a liberdade política. Aliás, seus amigos, leitor, da esquerda, relembram com saudade a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung. Devemos fazer comparações, sim, mas com países desenvolvidos, e buscar os bons exemplos dos Estados Unidos e da Inglaterra, em vez de emular os péssimos exemplos de Cuba, Venezuela, Argentina e Bolívia.

"Fundamentalmente o que quero dizer é que o Brasileiro precisa vestir a camisa do Brasil (não da CBF), arregaçar as mangas, chamar o problema pra si e resolver a parte que lhe compete. Sejamos mais brasileiros, mais honestos, mais humanos, mais tolerantes e menos arrogantes, preconceituosos, etc."
Esse apelo ao patriotismo bocó recordou-me o que aprendi sobre o "Brasil, ame-o ou deixe-o", da Ditadura Militar. Àquela época, quem ousava se opor aos ditadores era reputado contra o Brasil. Assim também foi com outro nacionalista, Getúlio Vargas. Essa atitude não é democrática, rapazinho. E, mais do que isso, soa como provocação: se quem sustenta, com seu suor, a quadrilha do PT e asseclas, já é o homem médio, o trabalhador honesto, como ousa jogar na cara dos cidadãos de bem que a culpa é deles?

"Nosso país precisa disso e não de discussões infrutíferas que às vezes não leva a lugar algum, pois o que vejo é uma histeria coletiva onde não discussões das idéias e sim dos méritos dos interlocutores e ninguém, absolutamente ninguém aponta uma direção plausível, nem muito menos disponibiliza a cara pra bater".
"Discussões infrutíferas", "histeria coletiva"... Estas expressões dão o tom de como o leitor enxerga a democracia. Para ele, discordar do esquerdismo é discutir sem frutos e ser histérico. Democrático, não? 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

A BATALHA PELA FÉ

ESTUDO DA EPÍSTOLA DE JUDAS1



Pb. Alex Esteves da Rocha Sousa
I. INTRODUÇÃO.
Este breve estudo dedica-se à Epístola de Judas, cuja mensagem é atual, necessária e profunda.
Depara-se o leitor de Judas com um texto da maior importância em termos de apologética (defesa da fé, combate a seitas e heresias), e por isso podemos nos referir ao seu objetivo como sendo a batalha pela fé, como o próprio autor deixa consignado em suas considerações preliminares.

Semelhança com II Pe.
Há uma proximidade acentuada entre Jd 3-18 e II Pe 2.1-18. A opinião majoritária é no sentido de que II Pedro tomou de empréstimo o texto de Judas, epístola escrita anteriormente2.

Tríades e metáforas.
A Epístola de Judas contém várias tríades: chamados – amados – guardados; misericórdia – paz – amor; Caim – Balaão – Corá; povo no Egito – anjos caídos – Sodoma e Gomorra.
Há também muitas metáforas: “rochas submersas”; “pastores que a si mesmos se apascentam”; “nuvens sem água, impelidas pelos ventos”; “árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas”; “ondas bravias do mar”; “estrelas errantes”.

Remissão a Livros do Antigo Testamento.
De algum modo, é possível perceber em Judas o recurso a material constante dos seguintes Livros do Antigo Testamento: Gênesis, Números, Ezequiel, Daniel, Amós, Zacarias. Tem-se a impressão de que o autor conhecia bem as Escrituras Antigas.

Remissão a livros não canônicos.
Judas provavelmente recorre a escritos como a Assunção de Moisés e o Livro de Enoque, não porque os considere inspirados, mas para reforço do argumento. Assim, além do conhecimento das Escrituras Sagradas, parece que o autor tinha um bom conhecimento da cultura judaica.

Linguagem forte.
O texto da Epístola de Judas pode parecer demasiado rígido para muitos leitores, especialmente nestes dias pós-modernos, carregados de relativismo, pluralismo, subjetivismo, hedonismo e antropocentrismo. Os absolutos de Judas não combinam com a intensa relatividade das ideias pós-modernas.

II. DESENVOLVIMENTO.
1 Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo,”

O autor identifica-se como Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago.
Judas era a forma grega do hebraico Judá, nome do quarto filho de Jacó (Gn 29.35) e também da tribo dele decorrente (Ex 1.1,2,7; Nm 1.1-4,26,27; I Cr 2.3-55).
A tribo de Judá, juntamente com a pequena tribo de Benjamim, veio a formar o Reino do Sul, com capital em Jerusalém (I Rs 12.16-24).
Com o tempo, todos habitantes de Israel, e seus descendentes, passaram a ser conhecidos como judeus, e não somente como israelitas ou hebreus.
Nos dias de Jesus, o território do antigo Reino de Judá constituía apenas uma província romana, a província da Judeia (Mt 2.1).
Judas era um nome comum em Israel na época de Jesus.
Os seguintes personagens neotestamentários chamavam-se Judas: um dos irmãos de Jesus (Mt 13.55; Mc 6.3); o apóstolo Judas Iscariotes (Mt 10.4; Mc 3.19; Lc 6.16); o apóstolo Judas, filho de Tiago – ARA – ou irmão de Tiago – ARC (Lc 6.16; At 1.13), também chamado de Tadeu (Mt 10.3; Mc 3.18); Judas Galileu, que liderou uma revolta popular em torno de 6 d.C. (At 5.37); Judas morador da rua Direita em Damasco, que hospedou Saulo de Tarso (At 9.11); Judas Barsabás, profeta da igreja em Jerusalém, enviado com Paulo e Barnabé a Antioquia da Síria pelo concílio realizado naquela cidade (At 15.22, 32).
Por exclusão, as possibilidades recaem, a princípio, sobre o Judas irmão de Jesus, o apóstolo Judas Tadeu e Judas Barsabás.
De Judas Barsabás pouco se sabe.
Quanto a Judas Tadeu, como já referido ele é designado como Judas filho de Tiago ou Judas irmão de Tiago, a depender da tradução (ARA ou ARC), o que poderia aproximá-lo do autor da epístola ora examinada. No entanto, quem seria o Tiago a que ele se refere? Tiago também era um nome muito comum à época (Mt 10.2,3; Mc 3.17,18.3), forma grega do hebraico Jacó.
Mais do que isso: de acordo com o NCB3, a melhor tradução para Lc 6.16 e At 1.13 seria “Judas, filho de Tiago”, de maneira que haveria o apóstolo seria filho de certo Tiago, enquanto o autor da epístola ora examinada seria irmão de certo Tiago. Duas pessoas, portanto, distintas.
O Tiago referido pelo autor da epístola devia ser importante e conhecido, pois sua menção parece ter sido suficiente para a identificação de quem escrevia a carta. Um Tiago muito destacado na Igreja foi justamente o Tiago irmão de Jesus, que se tornou líder da igreja em Jerusalém (At 12.17; 15.12-21; 21.18) e era contado como apóstolo no sentido amplo do termo (Gl 1.19; 2.9,10-12).
Desse modo, parece que o autor da epístola era o irmão de Jesus. Essa é a opinião comumente aceita entre os teólogos (por exemplo, GREEN4).
Os parentes de Jesus não creram n'Ele durante o exercício do Seu ministério terrestre (Mt 12.46-50; Mc 3.21,31-35; Lc 8.18-21; Jo 7.3-9), mas seus irmaõs já aparecem como discípulos antes do derramamento do Pentecostes (At 1.14).
É interessante que em I Co 9.5 Paulo se refere aos apóstolos e aos “irmãos do SENHOR”.
Merece registro que Judas, embora irmão de Jesus, não se baseou nesse vínculo biológico para estabelecer status ou poder eclesiástico. Ele mencionou Tiago para se identificar aos leitores, mas se posicionou como “servo de Jesus Cristo”. Assim também procedeu o próprio Tiago na epístola que leva seu nome (Tg 1.1).
Convém anotar apenas que, na opinião de J. SIDLOW BAXTER5, Judas e Tiago seriam filhos de Alfeu e Maria, e primos de Jesus.
A palavra traduzida como “servo” poderia ser traduzida como “escravo” (NVI6; NCB7; GREEN8). A mesma palavra é empregada em Rm 1.1, Fp 1.1, Tg 1.1 e II Pe 1.1, respectivamente, por Paulo, Tiago e Pedro.
Jesus ensinou que entre os Seus seguidores “aquele que dirige” deve ser “como o que serve” (Lc 22.26).
A Epístola de Judas, como o nome indica, tem a forma literária de uma carta. Trata-se de uma carta católica, ou seja, uma carta geral ou universal, sem endereçamento explícito a igrejas ou a pessoas.
Os destinatários são todos os “chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo” - aqui surge a primeira de várias tríades no texto. Entretanto, o NCB afirma a possibilidade de a epístola ter sido dirigida a uma “comunidade desconhecida de cristãos, membros de uma igreja gentílica”9.
Chamados são os vocacionados. A Igreja foi vocacionada para a santidade (Rm 1.7; I Co 1.2; I Pe 1.15); para um testemunho concreto, no caráter, da salvação concedida pelo SENHOR (Fp 2.12,13; II Pe 1.10; Ap 17.14). Essa vocação proveio da iniciativa de Deus, em Seus eternos propósitos (Rm 8.28). Os crentes foram chamados “numa só esperança” (Ef 4.4), a partir de uma “vocação celestial” (Hb 3.1). A vocação, embora celestial, deve traduzir-se em bom procedimento nas questões humanas, como o casamento (I Co 7.20).
A expressão “amados em Deus Pai” ocorre somente em Judas.
A Igreja é guardada (conservada) em Jesus Cristo (I Jo 5.18; I Pe 1.5; II Tm 1.12) para a glorificação na Sua vinda (II Ts 1.10).
A preposição traduzida como “em” poderia ser traduzida como “por” (NVI10) ou “para” (NVI; GREEN11): chamados por Jesus Cristo ou chamados para Jesus Cristo (Ver Rm 1.7). No caso da preposição “para”, pode significar que os crentes foram guardados para o Dia da vinda de Cristo (I Ts 5.23) ou que os crentes gentios foram guardados como um povo eleito, no lugar de Israel (Tg 1.1; I Pe 2.9,10).
A salvação é espiritual, gratuita, amorosa, de iniciativa divina e assegurada pela obra do SENHOR Jesus, porque Ele morreu e ressuscitou para remir os pecadores.

2 a misericórdia, a paz e o amor vos sejam multiplicados.”

Surge mais uma tríade, desta vez numa saudação.
Misericórdia é a dimensão do amor de Deus que consiste em não punir os homens de acordo com a sua responsabilidade, dando-lhes chances de arrependimento, além de afastar do crente todo o mal que seus adversários gostariam de lhes infligir.
Os crentes foram regenerados segundo a misericórdia de Deus (I Pe 1.3), e serão livrados da condenação pela mesma misericórdia do SENHOR (II Tm 1.16-18).
O termo “misericórdia”, segundo GREEN12 é raro em saudações (II Jo 3; I Tm 1.2; II Tm 1.2), e em todas as ocasiões aparece num contexto em que a igreja destinatária da epístola era afrontada por falsos ensinos.
Paz é a estabilidade e segurança as relações com Deus e com os homens. A palavra hebraica shalom (paz) compunha as saudações dos judeus, mas com Jesus Cristo ganhou um significado especial e muito mais profundo.
Amor, essência do caráter de Deus, é a disposição divina em abençoar os homens de maneira graciosa e sacrificial. O amor de Deus foi derramado nos corações dos crentes (Rm 5.5).
Como afirma, de maneira quase poética, MICHAEL GREEN, aqui se reúnem “a misericórdia da parte de Deus, a paz por dentro, e o amor ao próximo – todos na mais plena medida”13.
O desejo de que essas virtudes sejam multiplicadas sobre os crentes visa a que eles sejam “cheios até a capacidade” (I Pe 1.2 e II Pe 1.2).

3 Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos.”

Judas chama os irmãos afetuosamente de “amados” (3,17,20), como ocorre em II Pe 3.1,8,14,17 e I Jo 2.7; 3.2,21; 4.1,7,11.
O amor de Judas pelos irmãos é demonstrado tanto pelo carinho como pelas firmes advertências contra a infiltração de heresias.
Aqui Judas adentra ao tema da epístola. Ele desejava escrever sobre a “nossa comum salvação”, algo que poderia ser próximo, em Teologia Sistemática, da “soteriologia” (doutrina da salvação). Seria a salvação comum a ele e aos leitores da epístola ou a salvação comum a judeus e gentios14.
Para isso Judas “empregava toda a diligência” (II Pe 1.5), talvez com orações, estudos, pesquisas. Mas, enquanto se esforçava nesse sentido, Judas se sentiu obrigado (impelido) a escrever, com pressa, sobre a necessidade de batalhar pela “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”.
Então, em vez de soteriologia, temos algo próximo à apologética (defesa da fé).
O ofício de pastor inclui a atividade de vigilância constante (Ez 3.17-19; At 20.28-30), como lembra MICHAEL GREEN15.
A frase “a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” indica, na epístola ora examinada, o corpo doutrinário estabelecido pelo SENHOR Jesus Cristo e conferido à Igreja pelos apóstolos, de um modo completo e imutável, para ser transmitido com fidelidade. Assim também ensinou o apóstolo Paulo (Gl 1.8,9,11,12; II Tm 1.13; 2.2).
Não se trata aqui da fé como confiança, mas como crença doutrinária, ortodoxia, com aptidão para produzir um testemunho de alto valor moral. Cuida-se da “doutrina dos apóstolos” (At 2.42).
Como ensina MICHAEL GREEN16, o termo grego traduzido por “entregue” (paradidomai) era usado em Israel para transmissão de tradição autorizada (I Co 15.1-3; II Ts 3.6). O ensino dos apóstolos é, portanto, normativo.
Ultrapassar a doutrina de Cristo é causa de rejeição (II Jo 9,10). A fé é um “depósito” que foi “confiado” à Igreja, e que precisa ser preservado (I Tm 6.20; II Tm 1.13,14).
Trata-se de uma fé comum, coletiva, congregacional, eclesiástica, e não de uma fé individual, isolada, segregacionista, sectária, misteriosa, mística. A fé cristã evangélica é a fé de todos os crentes, porque concedida a todos os crentes.
A batalha pela fé consiste numa luta renhida, difícil, custosa, processual.

4 Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.”

A motivação de Judas para escrever em defesa da fé é que havia na Igreja “certos indivíduos” com as seguintes características: introduzidos (infiltrados) na Igreja “com dissimulação” (fingimento, hipocrisia, disfarce); “desde muito (…) antecipadamente pronunciados para esta condenação” (predestinados ou com juízo garantido?); “homens ímpios” (descrentes, injustos, sem piedade); libertinos quanto ao entendimento da graça de Deus; contrários, na prática, ao Senhor Jesus Cristo, cuja soberania não reconhecem, assim como não reconhecem nenhuma autoridade.
Sobre essa introdução dissimulada ou secreta, há ocorrências em II Pe 2.1, Gl 2.4 e II Tm 3.6. Esses são como ladrões que entram clandestinamente no aprisco para arrebatar as ovelhas (Jo 10.1).
Os personagens mencionados por Judas são “homens ímpios” (v. 4), têm “obras ímpias” (v. 15) e se metem habitualmente em “paixões ímpias” (v. 18).
Segundo a NVI17, uma tradução possível seria “homens que estavam marcados para esta condenação”. A mesma palavra traduzida como “antecipadamente” é empregada por Paulo em Rm 15.4, significando, em Judas, que as antigas advertências das Escrituras já determinavam o pressuposto da condenação dos falsos líderes.
Havia entre aqueles falsos líderes a pregação de que Deus aceitava a licensiosidade em nome da graça.
Havia libertinagem em muitas igrejas (Rm 13.13; II Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; I Pe 4.3; II Pe 2.2,7,18; Ap 2.20-24).
Paulo trata dessa falsa interpretação da doutrina da graça em Rm 6 (entendimento chamado comumente de “graça barata” ou “barateamento da graça”).
Jesus, que é “Soberano” (despotes) e Senhor (kyrios), estava sendo negado por aqueles falsos cristãos, como em Tt 1.16. Negar a Cristo, o Filho de Deus, é uma atitude própria de anticristo (I Jo 2.22).
Essa parece uma descrição de muitos líderes evangélicos da atualidade.
Ao longo da história da Igreja o ingresso de falsos líderes é uma constante. Os mais perigosos adversários do Evangelho são aqueles que se infiltram com dissimulação, identificando-se como cristãos e confundindo tanto os crentes como os de fora.
Uma caractetística marcante daqueles falsos líderes era a libertinagem: eles interpretavam a graça de Deus como licença para pecar. Tal conduta é chamada de “antinomista” ou “antinomianista”.
Determinada corrente gnóstica era antinomianista porque, entendendo que o espírito é bom e a matéria, ruim, ensinava a necessidade de viver de maneira livre, a fim de corromper e destruir a carne (outra corrente gnóstica, partindo do mesmo pressuposto, ensinava a necessidade de uma vida ascética, visando à purificação do espírito contra os desejos da carne).
O movimento combatido por Judas era possivelmente o Gnosticismo, que perturbou a Igreja por cerca de 150 anos18.
Nestes dias pós-modernos há certos grupos supostamente evangélicos entregues a práticas libertinas. O pastor e teólogo presbiteriano AUGUSTUS NICODEMUS LOPES trata dos libertinos em seu excelente livro O que estão fazendo com a Igreja?
A batalha pela fé é uma atitude bíblica, conservadora e urgente: bíblica porque recomendada em diversas passagens das Escrituras; conservadora porque busca manter firmes os fundamentos doutrinários antigos; e urgente porque heresias variadas têm se infiltrado nas igrejas.
Diferentes movimentos, ideias e circunstâncias culturais têm desafiado a Igreja quanto à batalha pela fé:
a) o Liberalismo Teológico;
b) a pós-modernidade;
c) o chamado “neopentecostalismo”;
d) o misticismo que desvirtua o pentecostalismo.

5 Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu, depois, os que não creram;”

Assim como a fé foi entregue “uma vez por todas”, os crentes a que Judas escreveu já estavam “cientes de tudo uma vez por todas”. Tinham, portanto, fé e conhecimento.
Aqui cabe recordar de I Jo 2.27, onde o apóstolo João afirma não precisarmos de que ninguém nos ensine, por termos recebido a unção de Deus, a qual fornece o conhecimento acerca de todas as coisas. Não se trata de desnecessidade do ministério de ensino, mas de advertência contra os líderes gnósticos – e, em geral, contra os falsos mestres – porque os líderes gnósticos diziam possuir um conhecimento misterioso e necessário para o aperfeiçoamento espiritual.
Iniciando a tríade relativa a julgamentos divinos, Judas emprega o exemplo de Israel liberto do Egito, para depois usar os exemplos dos anjos caídos e de Sodoma e Gomorra.
Aqueles que foram destruídos, dentre os que saíram do Egito, foram os que não creram. Nenhum israelita jamais foi salvo pelas obras da Lei, pois Deus os escolheu pela graça. A incredulidade dos israelitas egressos do Egito é tomada como precedente da incredulidade dos falsos líderes a que Judas se refere. A incredulidade conduziu ao desvio, à apostasia.

6 e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia;”

Discute-se quem seriam esses anjos: seriam aqueles “filhos de Deus” que se relacionaram sexualmente com as filhas dos homens em Gn 6.1,2? Seriam anjos mais poderosos, que Deus teria reservado a uma espécie de prisão preventiva? Seriam todos os anjos que seguiram após Lúcifer? Creio ser esta a posição correta.
A rebelião dos anjos caídos é tomada como precedente da rebelião dos falsos líderes a que Judas se refere.

7 como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição.”

Sodoma, Gomorra e as cidades circunvizinhas foram destruídas por seu grande pecado, ressaltando-se o pecado sexual (Gn 18, 19). Daí decorre o termo “sodomia”.
A promiscuidade dos habitantes de Sodoma e Gomorra, assim como das cidades circunvizinhas, é tomada como precedente da promiscuidade dos falsos líderes a que Judas se refere.

8 Ora, estes, da mesma sorte, quais sonhadores alucinados, não só contaminam a carne, como também rejeitam governo e difamam autoridades superiores.”

Chama a atenção que os falsos líderes presentes na igreja comportavam-se da mesma forma que os israelitas que se perderam, os anjos que caíram e os habitantes de Sodoma e Gomorra – daí a expressão “da mesma sorte”. Ao contrário, os crentes devem ter “o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2.5).
De acordo com o NCB19, a palavra “alucinados” não encontra equivalente no grego, tendo sido acrescida pelos tradutores. Certamente a ideia dos tradutores foi tornar mais claro o sentido de “sonhadores”: aqueles homens não eram sonhadores porque cultivavam bons projetos, mas porque viviam num mundo de fantasia.
Os sonhos daqueles homens fazem recordar das “palavras fictícias” a que o apóstolo Pedro se refere (II Pe 2.3).
O “contaminar a carne” indica imoralidade sexual. É importante tecer uma diferença entre “carne” como corpo e “carne” como natureza pecaminosa, pois a mesma palavra aparece na Bíblia com esses dois sentidos. No versículo em apreço, “carne” é o corpo humano, infelizmente manchado (contaminado) pelo pecado.
Os falsos líderes que atormentavam a Igreja nos dias de Judas eram, ainda, promotores de rebelião contra Deus e contra todo tipo de autoridade. Eram como anarquistas, antinomistas (avessos a normas), e por isso Judas afirmou que eles rejeitavam o governo e difamavam autoridades superiores. O vocábulo “governo” (kyriotes), que significa “senhorio”, aparece quatro vezes no Novo Testamento (Ef 1.21; Cl 1.16; II Pe 2.10 e no versículo ora examinado)20. O governo e as autoridades superiores podem aludir ao senhorio divino, ao senhorio angélico ou ao senhorio de modo geral.

9 Contudo, o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo e disputava a respeito do corpo de Moisés, não se atreveu a proferir juízo infamatório contra ele; pelo contrário, disse: O Senhor te repreenda!”

Miguel, o arcanjo, é lembrado como referência de entendimento do sentido de autoridade e hierarquia, pois, embora estando em posto elevado, não repreendeu Satanás, preferindo que Deus o fizesse.
O arcanjo Miguel é retratado na Bíblia como o Guardião de Israel (Dn 10.13; 12.1; Ap 12.7).
Sabemos que Moisés foi sepultado por Deus (Dt 34.6) em Pisga, Moabe, mas sem localização conhecida21.
Alguns comentaristas, afirmam que esse relato da disputa entre Miguel e Satanás pode ter sido extraído de um livro judaico não canônico denominado “A Assunção de Moisés”.

10 Estes, porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisas se corrompem.”

Falta de entendimento espiritual, difamação, irracionalidade e corrupção caracterizavam esses falsos líderes.
Aqueles falsos irmãos não compreendiam as coisas espirituais, porque, como ensina Paulo, as coisas espirituais se discernem espiritualmente, enquanto o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, as quais lhe parecem loucura (I Co 2.14).
Havia neles conhecimento instintivo das coisas materiais, mas nem isso lhes aproveitava.

11 Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá.”

O emprego da palavra “Ai” é muito eloquente e expressa juízo, condenação, castigo (Jr 23.1; Sf 3.1; Mt 23.13-16; 23, 25, 27, 29, 30; Lc 11.43,44; Ap 8.13).
Como é frequente em seu Livro, Judas apela a exemplos das Antigas Escrituras, que conhecemos como “Antigo Testamento”, e que os judeus conheciam, entre outras expressões, como “a Lei, os Profetas e os Escritos”.
De fato, as Escrituras Antigas trazem “exemplo”, “advertência” e “ensino” para nós (Rm 15.4; I Co 10.6-13).
Utiliza-se mais uma tríade, representando o mal: Caim (Gn 4), Balaão (Nm 22-24) e Corá (Gn 16), recordando a inveja e malignidade do primeiro, a ganância do segundo e a rebelião do terceiro.
Caim, modelo de homem corrupto, teve falsa devoção e inveja (I Jo 3.11, 12; Hb 11.4).
Balaão foi mercenário, profetizou mediante remuneração, tentou amaldiçoar o povo de Deus e incutiu idolatria e imoralidade sexual entre os israelitas. Em II Pe 2.15 se afirma que Balaão “amou o prêmio da injustiça”. Em Ap 2.14 está escrito que a “doutrina de Balaão” vinha sendo ensinada na igreja de Pérgamo. Tal doutrina envolvia certamente a libertinagem.
Corá opôs resistência à autoridade, praticou murmuração e rebelião.

12 Estes homens são como rochas submersas, em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas;”

Como afirmado alhures, Judas é rico em metáforas, o que torna o Livro mais denso do que sua extensão pode supor, já que o leitor é convidado a refletir e pesquisar.
A expressão “rochas submersas” (recifes, rochas do mar)22, simboliza o perigo desconhecido (como icebergs) – na ARC a tradução é “manchas”, a indicar uma “desfiguração física”23.
As “festas de fraternidade”, “festas de caridade” ou “festas de amor” (ágape) eram refeições diárias, realizadas à noite, nas quais ou após as quais tinha lugar a Ceia do SENHOR24. Nelas os crentes exercitavam a comunhão, mas os falsos irmãos se misturavam com os crentes e se comportavam “sem qualquer recato”.
Em I Co 11.17-34, ao tratar da celebração da Ceia do SENHOR, o apóstolo Paulo afirma que os irmãos da igreja de Corinto se ajuntavam para pior, e não para melhor (v. 17); que havia “divisões” e “partidos” (vv. 18, 19); que verdadeiramente não era a Ceia do SENHOR que eles estavam a tomar [em razão de sua atitude] (v. 20); que uns comiam antecipadamente, uns passavam fome, e outros se embriagavam (v. 21; cf. 33). Parece que os frequentadores da Ceia em Corinto eram semelhantes aos de algumam Ceias que Judas presenciara ou de que tivera notícia.
Pastores que se autoapascentam (Ez 34.8) são aqueles que não têm compromisso com as necessidades das ovelhas, mas com seus próprios interesses.
A imagem de “nuvens sem água impelidas pelos ventos” denota pessoas sem conteúdo, instáveis, levadas facilmente de um lugar para o outro (Ef 4.14).
Árvores sem frutos, sem raízes e duplamente mortas são pessoas sem capacidade de produzir coisas boas. De acordo com o NCB, o “duplamente mortas” sugere que eram mortas antes da profissão de fé e permaneceram mortas depois dela, como crentes nominais25. E seriam “desarraigadas” porque pronunciadas para juízo.26

13 ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre.”

Ondas bravias do mar” é uma expressão que indica impetuosidade e sujeira (Is 57.20).
Estrelas errantes” (Is 14.12) sugere desvio, erro, pecado. O destino desses são as trevas, o inferno.

14 Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades,”

Ao ler este versículo somos transportados ao texto de Gn 5.19-24, onde lemos sobre um Enoque que “andou com Deus” e “não se viu mais, porque Deus o tomou para si”. A fé de Enoque o inseriu na galeria de Hb 11, precisamente no v. 5.
Nos dias de Judas havia um Livro não canônico chamado “Livro de Enoque”, exemplar da literatura apocalíptica escrita entre os Sécs. II e I a.C. Por entender que vivia o “último tempo” (v. 18), Judas reconheceu a validade de tomar de empréstimo as palavras daquele Livro, relativas a um juízo final.
O Livro de Enoque não é inspirado, mas o registro feito por Judas, sim. O apóstolo Paulo citou poetas não cristãos (At 17.28; I Co 15.33; Tt 1.12), e nem por isso os escritos daqueles homens seriam inspirados.
O SENHOR virá a estabelecer seu tribunal acompanhado de sua corte, formada por “suas santas miríades”, provavelmente os anjos, ou, quem sabe, os anjos e os redimidos.

15 para exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele.”

O SENHOR Deus fará justiça, como um juiz ao proferir sua sentença no tribunal.
O “exercer juízo” indica a aplicação da justiça em relação a todos os homens. Em seguida, há quatro referências aos ímpios, o que não é casual.
Serão condenadas as pessoas de caráter ímpio, com obras de natureza ímpia, praticadas de maneira ímpia. Também serão julgadas as palavras insolentes contra o SENHOR Jesus Cristo.

16 Os tais são murmuradores, são descontentes, andando segundo as suas paixões. A sua boca vive propalando grandes arrogâncias; são aduladores dos outros, por motivos interesseiros.”

Por que aqueles homens eram ímpios? Eram eles murmuradores, descontentes, andando conforme suas paixões. Eram contrariados, queixosos, insatisfeitos, amargurados. Ostentavam um procedimento autônomo, independente, rebelde, dedicado a seus instintos e interesses. Eram arrogantes, aduladores, controlados por motivos interesseiros.

17 Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo,”

Diante dos falsos líderes, qual deve ser o comportamento, qual deve ser a reação dos crentes? Devem eles recordar do ensino apostólico (vv. 17, 18); guardar-se na fé santíssima e no amor de Deus (vv. 20, 21); buscar, quanto possível, socorrer os que estão com dúvida ou em pecado (vv. 22, 23).
São dignas de nota as expressões “Vós, porém” e “lembrai-vos”.
Na Bíblia a expressão “Vós, porém”, assim como expressões equivalentes, principia uma exortação ao pensamento e comportamento diferentes (v. 20; I Tm 6.11; II Tm 3.10, 14,15; 4.5; Tt 2.1; II Pe 3.13). Já “Lembrai-vos” traz consigo advertências, orientações (I Co 15.1-4; Tt 3.1,2; II Pe 1.12; 3.15,16).
Os irmãos da igreja em Jerusalém, nos primeiros dias da Igreja, “perseveravam na doutrina dos apóstolos” (At 2.42), e a Igreja dos dias atuais não deve proceder de modo diverso.

18 os quais vos diziam: No último tempo, haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias paixões.”

O “último tempo” (últimos tempos, últimos dias, última hora) é o período que se inicia com a ascensão de Cristo e que prossegue até o fim da História (I Tm 4.1; II Tm 3.1; I Jo 2.18). O chamado “bloco histórico-redentivo” (conjunto de fatos propiciadores da salvação – encarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo) desencadeou a cronologia dos últimos tempos, de maneira que desde os tempos apostólicos a humanidade vive a era derradeira. Por isso, a energia com que Judas escreve não é retórica – ele realmente tem o sentido de urgência.
Os falsos irmãos referidos por Judas eram também escarnecedores são zombadores. E, mais uma vez, registra-se seu procedimento ímpio, pois “andavam segundo suas ímpias paixões”. O andar denota o proceder diário, e não um problema episódico.

19 São estes os que promovem divisões, sensuais, que não têm o Espírito.”

De acordo com o NCB, tais “divisões” não eram “cismas eclesiásticos”, mas “esnobismo social”27.
Os líderes impostores eram, ainda, “sensuais”, porque conduzidos por sentimentos, e não pelo Espírito de Deus. Neste passo é oportuno lembrar de Rm 8.9, em que Paulo distingue os que estão na carne, os quais não têm o Espírito, e os que estão no Espírito, que neles habita.

20 Vós, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo,”

Enquanto os falsos irmãos eram instáveis e corrompidos, os destinatários da Epístola deviam ser estabelecidos como um edifício sólido, sobre o alicerce da fé, da oração e da espiritualidade.
Paulo afirma que somos “edifício de Deus” (I Co 3.9), e Pedro, que somos “casa espiritual” (I Pe 2.5).

21 guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna.”

Guardar-se no amor de Deus é procurar refúgio n'Aquele que pode nos salvar. O imperativo “guardai-vos” denota o aspecto da responsabilidade humana.
Devemos aguardar a misericórdia de nosso SENHOR Jesus Cristo, tendo por alvo a vida eterna – a misericórdia mais uma vez é citada, como fora no v. 2.

22 E compadecei-vos de alguns que estão na dúvida;”

De acordo com o NCB, este versículo admite algumas interpretações, mas parece mais correta essa tradução da ARA, que ordena a compaixão para com os que estão na dúvida28.

23 salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também compassivos em temor, detestando até a roupa contaminada pela carne”.

A primeira imagem é a de salvamento durante um incêndio. O desafio é urgente e grave, como ocorre em sinistros dessa natureza. Em Am 4.11 está escrito que Israel foi como “um tição arrebatado da fogueira”. Já o texto de Zc 3.1-5 traz situação em queo sumo sacerdote Josué é retratado pelo SENHOR como “um tição tirado do fogo”, que logo em seguida tem retiradas de si as “vestes sujas”, símbolo da iniquidade, e recebe “finos trajes”.
Os crentes devem usar de compaixão “em temor”, cuidando para não serem contaminados pelos pecados daqueles que almejam ajudar.

24 Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória,”

Os vv. 24 e 25 exprimem uma doxologia, isto é, uma declaração de glorificação a Deus.
Se anteriormente foi dito por Judas que os irmãos deveriam se guardar, agora é afirmado que Deus é poderoso para os guardar. Assim, indicam-se tanto a responsabilidade humana como a soberania divina no que toca à salvação.
O SENHOR nos guarda de tropeços e nos coloca de pé para A reunião daquele Grande Dia, quando estaremos alegres e imaculados, santos, diante do nosso Deus.

25 ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!”

A glória, a majestade, o império e a soberania pertencem ao SENHOR Todo-poderoso! Os justos alegram-se em glorificar ao Seu Deus, na Pessoa (e pela Obra) do SENHOR Jesus Cristo!
Ao mesmo tempo, essa doxologia traz uma confissão de fé: cremos num único Deus, que é Salvador e eterno. Ao nosso Deus rendemos glórias e louvores para sempre.

III – CONCLUSÃO.
É urgente a necessidade de a Igreja evangélica brasileira atentar para a Epístola de Judas, pois todas as características ali retratadas se repetem em nossos dias.
Acentua-se entre os evangélicos a influência de falsos líderes, falsos mestres e falsos profetas, notadamente nos arraiais “neopentecostais” e nas igrejas que se sentem atraídas por ideias e práticas do Movimento Neopentecostal.
Remanesce uma espécie de dualismo, herdeiro do Platonismo e do Gnosticismo, a enxergar o mundo espiritual como sendo bom e o mundo material como sendo mau, quando, na realidade, tudo o que foi criado por Deus é bom (ruim é o pecado).
Em que pese não prevalecer na atualidade um Movimento Gnóstico com esse rótulo, há, de um lado, crentes de vida praticamente ascética, voltados a uma espiritualidade individualista, enquanto outros, pouco preocupados com a espiritualidade, cultivam uma devoção materialista e sensual.
A libertinagem avança como prática e até mesmo com roupagem “teológica”, o que é muito mais grave. Perdura um baixo padrão moral e espiritual.
O Movimento da Igreja Emergente, intenso no Brasil, tem sido um caldo de cultura para o surgimento de ensinos, práticas e modismos alienados do Evangelho e potencialmente criadores de cristãos nominais e carnais, mais preocupados com a aparência gospel do que com a mensagem da Cruz, tampouco com a vida cristã.
As pessoas nas igrejas têm sentido dificuldade de ouvir a pregação da Palavra, ao passo que pregadores têm deixado de anunciar o verdadeiro Evangelho. A mensagem da Cruz tem sido alijada a um lugar de pouco apreço.
ABREVIAÇÕES:

ARA – Almeida, Revista e Atualizada.
ARC – Almeida, Revista e Corrigida.
NCB – O Novo Comentário da Bíblia.
NVI – Nova Versão Internacional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAXTER, J.S. Examinai as escrituras: Atos a Apocalipse. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. v.6, 376p.

BÍBLIA SAGRADA: Nova Versão Internacional. 4.ed. São Paulo: Geográfica, 2000. 970p.

CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Candeia, 1995. v.6, 666p.

GREEN, M. II Pedro e Judas: Introdução e Comentário. 1.ed. (2ª Reimpressão) São Paulo: Vida Nova, 1993. 184p.

1 Esta apostila foi preparada em função de estudos ministrados na Assembleia de Deus na Pituba, e ainda será acrescida de informações derivadas da pesquisa em curso.
2 CHAMPLIN, p. 324.
3 p. 1.441.
4 p. 148.
5 p. 338.
6 p. 956.
7 p. 1.441.
8 p. 148.
9 p. 1.441.
10p. 956.
11 p. 150.
12 p. 150.
13 p. 151.
14 GREEN, p. 151.
15 p. 151.
16p. 152.
17 p. 956.
18 CHAMPLIN, p. 324.
19 p. 1.444.
20 NCB, p. 1.444.
21 NCB, p. 1.444.
22 NCB, p. 1.445.
23 NCB, p. 1.445.
24 NCB, p. 1.445.
25 NCB, p. 1.445.
26 NCB, p. 1.445.
27 NCB, p. 1.446.

28 NCB, p. 1.447.


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