Há algumas semanas fez-se grande algazarra em torno de uma fala da jornalista Rachel Sheherazade a respeito do episódio em que um jovem ladrão foi amarrado a um poste. Desde aquele dia a imprensa tem noticiado outros justiçamentos, como a do rapaz, lá no Piauí, torturado sobre um formigueiro.
Linchamentos são mais comuns do que se imagina, principalmente em lugares muito violentos e politicamente deficientes. Creio, porém, haver uma escalada, sim, dos justiçamentos por causa da impunidade, do aumento da criminalidade devido ao crack e da morosidade da Justiça.
NÃO justifico esses acontecimentos, mas tão somente recordo uma lição elementar de Teoria Geral do Processo, segundo a qual a jurisdição se desenvolveu para substituir as partes em conflito, sendo o processo o meio para alcançar a paz social com a intervenção da figura do juiz, representante do Estado.
O calouro no estudo das Ciências Jurídicas logo depara com o conceito de "justiça privada" ou "vingança privada", a famosa "justiça com as próprias mãos", que existe desde que o mundo é mundo. Em tempos primitivos, era a lei do mais forte que imperava. Antes do sacerdote atuar como mediador, uma tribo proclamava guerra a outra tribo para retribuir um crime cometido contra um membro seu. Até se chegar ao processo houve a justiça privada e a mediação. Foram séculos de desenvolvimento das Civilizações até que se construísse o Direito Processual tal como o conhecemos (ou como não o conhecemos).
Qualquer lição básica de Teoria Geral do Processo deve admitir que sem um Estado-Juiz atuante haverá a barbárie, o estado de natureza hobbesiano, a luta de todos contra todos, enfim, o império do mal. Jamais ouvi alguém dizer que os processualistas estariam a defender justiçamentos só por constatarem que a vida em sociedade precisa de mecanismos de imposição da Justiça, de pacificação social, de estabilização de conflitos.
O que Rachel Sheherazade disse - mesmo que podendo eventualmente fazê-lo de maneira mais clara - foi expressar o que o Direito Processual já diz há muito tempo, e sem alarde: que os homens precisam de um terceiro que ponha um fim aos conflitos sociais. Caso contrário, haverá o caos.
Um comentário:
Mais uma vez parabenizo-o pelo seus textos lúcidos.
A jornalista em questão ocasionalmente diz bobagens, o que não é de se surpreender, pois é humana. Porém o que tem irritado a imprensa e "as esquerdas" é sua denúncia da iniquidade, sua constatação do óbvio em detrimento da deturpação e da racionalização, e, também, o fato de ser branca, protestante (ao menos frequenta uma igreja batista), rica e de direita. Isso, acima de tudo, é imperdoável. Oremos por ela, pois estão tentando calá-la.
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