A pergunta que surge no título pode ser bastante forte, mas cada palavra ali tem seu lugar. Realmente não é simpático nem agradável dispor na mesma frase as palavras "igreja" e "crime". Contudo, proponho uma reflexão nestes dias irrefletidos e estranhos.
Em virtude da liberdade religiosa, um direito constitucionalmente assegurado, próprio das democracias e do Estado de Direito, as igrejas, como toda organização religiosa, devem gozar de uma série de prerrogativas que visam ao desembaraço da atividade confessional. É daí que decorre, por exemplo, a imunidade tributária dos templos religiosos. Quero deixar claro que eu concordo com todo direito que contribua para a liberdade de crença, de culto e de religião. Certamente em razão das igrejas-corporação, que funcionam como empresas, buscam o lucro e manejam muito dinheiro, alguns começam a discutir a imunidade dos templos.
Quero destacar, porém, algo que considero um problema a merecer ponderação: não corremos, no Brasil, o risco de ver igrejas infiltradas por quadrilhas, ávidas pela prática facilitada de lavagem de dinheiro? Será que traficantes de drogas e armas, empresários do crime e políticos corruptos não se sentiriam atraídos pela conformação jurídica diferente das igrejas?
Recordo aqui o caso do deputado e presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que mudou recentemente de igreja como quem muda de partido, indo da Sara Nossa Terra para a Assembleia de Deus do Ministério de Madureira, uma dessas igrejas cujos líderes têm ligações políticas (a Sara Nossa Terra também tem ligações políticas). O Ministério Público Federal denunciou Eduardo Cunha por suposto recebimento de propina, parte da qual teria migrado para a conta da Assembleia de Deus Madureira em Campinas.
Mas, antes disso, e de modo ainda mais dramático, penso na proximidade entre pastores evangélicos e líderes do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Em razão das missões urbanas, e, principalmente, em razão de muitos crentes residirem em territórios tomados pelo tráfico, criou-se uma "política de boa vizinhança" que me deixa preocupado. Mais do que isso, traficantes passaram a se considerar evangélicos, a cantar alegremente músicas gospel e a tratar pastores como seus guias. Pastores começaram a se considerar tutores de chefes do tráfico, numa tenebrosa simbiose em que o traficante continua traficante, confessa sua fé evangélica e entrega seu regalado dízimo ao pastor de sua "comunidade". O dinheiro que sai das mãos do criminoso é agora lavado?
Lembremos do caso daquele pastor Marcos Pereira, da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, no Rio de Janeiro. Em que situação aquele homem foi se envolver! Confesso não ter compreendido até hoje que trama foi aquela, mas o contexto e os personagens não parecem conduzir a uma história feliz.
Proteger as igrejas do crime organizado, da lavagem de dinheiro e da corrupção significa ter critérios para admissão de membros; distinguir bem a condição de membro das condições de congregado e visitante; eleger adequadamente os pastores e demais líderes; evitar compromissos políticos não republicanos (lembrem do Escândalo das Sanguessugas, que estourou em 2006 e no qual se destacaram tristemente políticos evangélicos).
Igrejas "neopentecostais" e essas miríades de igrejas que surgem todos os dias estão mais ou menos protegidas do crime organizado?
Francamente não tenho muito entusiasmo com a situação da Igreja brasileira em nossos dias, e o só pensar nas possibilidades aqui aventadas me traz uma indignação verdadeira. Mas é necessário pensar nessas coisas.
Escrevo a partir do que leio e do que percebo no mundo, como observador que deseja não ser surpreendido pelas "astutas ciladas do diabo". É preciso orar, mas também é preciso vigiar.
3 comentários:
Meu amigo, voce trata de um assunto que parece ser tabu no nivel da liderança. Este precisa ser tratado com toda a profundidade que sei que voce tem. Por exemplo, voce conhece alguma igreja que em sua pratica não tenha o fim ecobomico? Voce acha mesmo que com a configuração existente vamos poder escolher com mais criterio os lideres e membros?
Caro Anônimo,
Em sua maioria, as igrejas não têm fim econômico. O tema do post passa lateralmente pela finalidade financeira de alguns grupos, ou mais precisamente de seus líderes, mas meu objetivo é tocar num tema que considero importante, novo e difícil, que é a provável infiltração de gente do crime em igrejas, disfarçadamente, para proveitos escusos. Não conheço quase nada escrito sobre isso.
Também estou desanimado com tudo (igreja evangélica, política, economia...) mas sei que o Reino de Deus transcende a tudo isso e há de continuar a crescer. Uma das melhores soluções para essa promiscuidade é bastante simples - ampla e irrestrita prestação de contas. Postar no mural da igreja, mês a mês, exatamente quanto entrou, quanto saiu, quanto se pagou para o que etc. Quem não deve não teme.
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