Recomendo a leitura do livro Uma gota de sangue - História do Pensamento Racial, do sociólogo Demétrio Magnoli. Rica em bibliografia e lúcida em seus argumentos, a obra trata da farsa do "racismo científico" e de como se tem adotado o mito da raça em todo o mundo, para a implementação de políticas como a das cotas para negros em universidades.
O autor expõe com detalhes o modo como se criou a tese de que raças existem. Mostra que, desde a Conferência de Durban, em 2001, a política de ações afirmativas tem crescido em diversos países, a exemplo do Brasil.
Magnoli cita a questão étnica em países como a Alemanha Nazista, os Estados Unidos da segregação racial, a África do Sul do apartheid, Índia, Malásia, Nigéria, Ruanda, Burundi, Angola, Moçambique, Haiti, Bolívia, Brasil, além dos empreendimentos colononizadores da Costa do Marfim e da Libéria. É um relato formidável da evolução do pensamento racial.
O livro defende que a história recente da África envolve três etapas com relação à questão étnica: a) nacionalismo, em torno da necessidade de independência de antigas colônias africanas; b) pan-africanismo, como forma de auto-afirmação dos países africanos; c) e políticas de ações afirmativas, com estímulos da própria ONU, cujo marco é a Conferência de Durban, África do Sul, em 2001.
O resultado das ações afirmativas em toda parte tem sido a criação de uma elite étnica a partir da classe média do grupo privilegiado. Tensões são criadas também com os grupos alienados das cotas.
Chamou-me a atenção, por exemplo, o caso de um grupo indiano que pretendia ser rebaixado de casta para obter privilégios legais! E na África do Sul chineses sul-africanos conseguiram na Justiça a identificação de serem "negros para todos os efeitos legais"! Em Ruanda, tutsis e hutus, muito parecidos, foram classificados racialmente em seus documentos de identidade.
Demétrio Magnoli é muito feliz ao afirmar que os movimentos negros têm, de modo geral, defendido um aspecto do pan-africanismo, que consiste em ensinar que o continente africano é a pátria de todos os negros ao redor do mundo. Assim, negros brasileiros não seriam primeiramente brasileiros, mas africanos expatriados por conta da escravidão, vivendo hoje numa diáspora, como o povo de Israel. Em vez de cidadania e nacionalidade, os movimentos negros, salvo exceções, defendem a afrodescendência como conceito político. Um dos problemas disso é que eles se abeberam de uma péssima fonte, qual seja, o racismo científico, que chegou a dividir a humanidade em brancos, negros, amarelos, vermelhos e malaios (marrons), quando se sabe em nossos dias que há maior diversidade genética entre indivíduos da mesma "raça" do que entre indivíduos de "raças" distintas. Ou seja: a diversidade que existe se dá entre indivíduos, e não entre raças humanas, pois raças não existem. Há apenas a espécie humana.
Ainda hoje se pensa em termos da regra da gota de sangue única, norma adotada nos Estados Unidos da segregação racial para identificar uma pessoa como negra - se houver um só ascendente negro, a pessoa é negra - como Obama é considerado até hoje, embora tenha mãe branca. Essa regra é necessária para quem precisa ideologicamente acreditar que existem raças superiores e inferiores, ou que simplesmente existem raças. Do contrário, como definir o mestiço, e como discriminá-lo ou lhe reconhecer direitos?
Curiosamente, as primeiras ações afirmativas foram determinadas por um republicano, o presidente americano Richard Nixon - que era de direita. Assim, a proposta não veio da esquerda, mas as esquerdas hoje a defendem. A Fundação Ford teve e tem um papel crucial nesse processo, despejando bolsas de estudo e financiamento de ONG´s ao redor do mundo para espalhar a ideia de que raças existem. Tudo não passa de uma tentativa de acomodar grupos supostamente vulneráveis aos anseios do capitalismo, para que não haja problemas de rompimento do sistema econômico.
O autor menciona figuras protestantes como o pastor Martin Luther King e William Wilberforce, este um abolicionista britânico, aquele o líder do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Também cita o indiano Mahatma Gandhi, e muitos outros nomes, favoráveis ou não ao pensamento racialista.
Demétrio Magnoli defende o aperfeiçoamento de políticas educacionais para todos os cidadãos, independentemente da cor da pele, porque o problema dos negros pobres é socioeconômico, assim como é socioeconômico o problema dos brancos pobres, dos orientais pobres e dos indígenas pobres. Se todos são brasileiros, todos têm o direito a uma proteção digna concedida pelo Estado brasileiro.
Infelizmente, sob a capa do "multiculturalismo", revisita-se a tese racialista, mas por outro prisma: haveria a necessidade de preservar culturas de nações dentro de uma nação, não como simples forma de preservação da história, mas com o objetivo de enraizar nos corações das pessoas que, em vez de iguais, elas são diferentes, e que devem lutar por uma identidade étnico-cultural.
Espero que o estudo produzido pelo professor Demétrio Magnoli seja lido pelas autoridades públicas do Brasil - embora eu saiba que há uma tendência de avanço cada vez maior do multiculturalismo, o que inclui aqueles que trabalham nas carreiras jurídicas de Estado.
Referência:
MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de sangue. História do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009, 398p.
3 comentários:
Vai aqui uma sugestão para um post - estudar a maneira como a Bíblia se refere a pessoas de outras "raças", como os cita, em quais contextos. Lembro-me, agora, de passagem, da passagem que fala de Níger em Atos 13.1 - que tradicionalmente tem sido interpretada como a se referir a um negro "profeta e mestre" na igreja de Antioquia, lembro-me da referência ao etíope que não podia mudar sua pele em Jeremias, enfim. Talvez seria necessário ver-se também como a Bíblia nos ordena tratar os estrangeiros. Tenho a impressão que o ensino bíblico é de igualdade - de direitos e deveres. Nada de injustiças nem à direita nem à esquerda, tal como os privilégios que o Movimento Negro quer.
João,
Obrigado pela sugestão. Vou fazê-lo assim que puder. Já escrevi algo como "Elementos de uma teologia negra", mas, acredite, nem gosto dessa expressão.
Um abraço,
Alex.
João,
Acabo de verificar que em 19 de junho de 2008 eu abordei mais ou menos o que você propôs, com o título Rascunhando temas de "Teologia Negra". Até fiz uma anotação hoje, como ressalva ao uso da expressão. Veja lá.
Abraço.
Alex.
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