A reportagem de capa da revista Época sobre o que chama de "Nova Reforma Protestante" é a mais lúcida, honesta e coerente matéria que já li sobre evangélicos. Em meio a um costume de generalizações e estereótipos, em que repórteres convidam pastores sem representatividade para falar de temas evangélicos, dessa vez a revista citou nomes de referência, como Augustus Nicodemus Lopes, Ricardo Gondim, Ricardo Agreste, Ed René Kivitz, Robinson Cavancanti e Ricardo Quadros Gouveia, além de livros de Paulo Romeiro, para mostrar a tendência de crítica ao movimento neopentecostal, numa batalha de diferenciação e denúncia da corrupção.
O texto, assinado por Ricardo Alexandre, tem o mérito de apresentar aos leitores uma visão de um tipo de evangélico que existe, mas que foge aos padrões lançados à mídia e que dão a entender que somos um monobloco, um grupo homogêneo capitaneado pela Universal do Reino de Deus e pela Renascer em Cristo. Com clareza e honestidade, o repórter trata do crescente movimento de crítica aos abusos neontecostais, com suas variadas matizes: desde aqueles que imitam a "Igreja Emergente" dos norte-americanos até os que pregam a "desinstitucionalização" e liberação dogmática da Igreja. Mostra, ainda, que essa tendência se exibe com força na internet, por meio de sites e blogs.Sinto-me parte desse grupo de pessoas que se sentem descontentes com o movimento evangélico brasileiro, e me tornei autor de blog justamente com a finalidade de desabafar e ensaiar críticas ao sistema atual. Todavia, não posso deixar de dizer que discordo de algumas variantes desse fenômeno, o que explico por tópicos:
Não precisamos trocar o vocábulo "igreja" pelo termo "comunidade". Qual o problema em sermos identificados como igreja? Esta é uma palavra tão rica de sentido teológico que não vejo motivo para essa substituição. "Comunidade" pode ser desde eufemismo para "favela" até páginas sociais da rede mundial de computadores. Igreja é um agrupamento de pessoas salvas por Cristo;
Não concordo com o afastamento do termo "evangélicos". Nós somos evangélicos porque participamos do movimento evangélico ou evangelical, e não devemos ceder esse termo aos pseudopentecostais só porque eles se tornaram mais conhecidos na imprensa. Por isso, estou com o Rev. Augustus Nicodemus Lopes quando ele diz no blog tempora-mores que, primeiro, não se trata de novos evangélicos, e, segundo, que os que não são verdadeiramente evangélicos é que não devem ser considerados como tais.
Não precisamos "desinstitucionalizar" a igreja. O problema não é a hierarquia nem as estruturas administrativas e de política eclesiástica, mas o que nós fazemos disso tudo. Considero possível que existam grupos de sobrevivência espiritual quando, em determinadas circunstâncias, essa se mostra a saída para certas pessoas inconformadas com o estado de coisas, mas não penso que a partir disso nós devamos criar toda uma teologia eclesiástica sem instituições;
A chamada Igreja Emergente, coisa dos americanos, parece-me uma tentativa de a igreja se tornar palatável ao mundo. Não ignoro a necessidade de contextualização da mensagem, do uso de instrumentos de comunicação e linguagem acessível, mas daí a criar igrejas parecidas com a sociedade, como "mais um grupo" nessa teia pluralista, eu não penso que se tem uma boa distância;
Não concordo de jeito nenhum com a abolição de termos como pecado, vingança, ira ou coisas do gênero, porque tudo isso está escrito na Bíblia, e cada palavra tem o seu significado próprio, dependendo do contexto;
Não concordo de jeito nenhum com a liberação dogmática, expressão que uso aqui para me referir a uma introdução do liberalismo teológico na Igreja brasileira a ponto de achar que os males começam com a fé em verdades fundamentais e inabaláveis.
Não podemos deixar que o (saudável) movimento de denúncia do pecado institucional da Igreja brasileira se torne pretexto para lutas que nada têm que ver com isso. Não devemos combater as instituições em si, mas o pecado institucional e institucionalizado.
De um modo geral, gostei da matéria. É importante que os jornalistas façam pesquisas e entrevistas que superem a mania da generalização e da queda por lugares-comuns.
Um comentário:
Eu, por mim, estou farto do institucionalismo. Pode ser útil, por exemplo, para comprar bens ou abrir contas bancárias para administrar melhor, mas tem fortíssima tendência de acabar como cabide de emprego de parasitas. Desde a igreja apostólica, Paulo já alertava Timóteo sobre os que julgavam que a piedade era fonte de lucro. Há também os que têm uma estranha devoção para com a burocracia, o peso excessivo de relatórios e relatórios e regras e leis e comissões etc. A IPB, de onde saí, é pródiga nisso tudo. Eles têm até códigos de processo eclesiástico... Tem boa doutrina e boa formação teológica e gente muito boa, mas a estrutura da igreja é tão pesada que, na maioria dos casos, as igrejas são totalmente irrelevantes nas comunidades onde estão inseridas. Boa parte dos recursos e tempo são gastos com a manutenção da instituição pesada. Ora, nos tempos apostólicos não havia nada disso. Nos tempos do comunismo, a igreja subterrânea funcionava bem sem nada disso. Acredito no adágio popular "nem tanto ao mar, nem tanto à terra" ou, brasileiramente, "nem oito nem oitenta".
Postar um comentário