sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A oração e o crime *

Vejam só que notícia curiosa: o britânico GEORGE MABEN, de 45 anos de idade, era investigado pelo assassinato de sua sogra, MAUREEN COSGROVE, 65, mediante estrangulamento. As suspeitas pairavam sobre MABEN porque no dia do crime ele havia sido filmado, por câmeras de circuito interno, tomando um ônibus da casa de sua mãe para a casa de COSGROVE, e colocando luvas durante o trajeto. No mesmo dia, MABEN foi com a namorada à casa da mãe dela, onde encontraram o corpo. Além da gravação, foram encontradas fibras das roupas da sogra nas roupas que MABEN havia usado. Mas a prova cabal foi a seguinte: um grampo colocado pela polícia no carro de MABEN captou sua oração de confissão a Deus: "Por favor, Deus, me ajude... para que eu e a Lucy sejamos retirados das investigações policiais e que tudo fique bem". Eu simplesmente não podia mais aguentar. Todo dia, ela estava me destruindo. Por favor, Deus, você me perdoa? Por favor, Deus, me desculpe".
Talvez aqui no Brasil essa prova não fosse aceita em nome do direito à privacidade, à intimidade, quiçá por algum argumento de cunho religioso. Mas na Inglaterra a prova foi aceita com a natureza de confissão. De fato, o homem confessou a Deus o seu crime, e essa declaração não foi usada com exclusividade, mas em conjunto com o vídeo e a prova pericial. O aspecto marcante nessa história é justamente a polícia aproveitar como prova uma oração, algo de que nunca ouvi falar. De algum modo, o indivíduo foi capturado por sua religiosidade.
De toda sorte, sem querer julgar à distância, e com poucos elementos, as reais intenções do rapaz, vê-se que sua oração não era para que tudo fosse esclarecido nem para que Deus o protegesse quando de sua entrega à Justiça. Ele simplesmente pediu para ser livrado do inquérito, junto com sua namorada. É verdade que ele pediu perdão, confessou o fato, mas não demonstrou arrependimento.
Ainda que assim não fosse, ainda que GEORGE MABEN houvesse demonstrado completo arrependimento diante de Deus e obtido a maravilhosa Graça do SENHOR para a sua Salvação, ele cometeu um crime, pelo qual já foi até condenado, e isso não muda só porque ele orou a Deus. As coisas precisam ser discernidas. Deus livra o homem da condenação do inferno, mas não necessariamente o livra da condenação social nem da condenação judicial.
Sabemos que o brilhante e admirável rei Davi mandou matar Urias para encobrir o adultério com Bate-Seba, mulher de Urias. A maneira como Davi arquitetou e arranjou a morte de Urias foi muito perversa: o próprio Urias levou consigo a carta com as orientações de como ele deveria ser colocado, sozinho, no lugar mais agitado da batalha. E o homem morreu mesmo. Davi casou-se com a mulher dele, mas o primeiro filho morreu. O segundo filho veio a ser Salomão; Bate-Seba, a adúltera, entrou para a genealogia de Jesus Cristo, mas as consequências do crime e do adultério de Davi foram terríveis para a sua família, como declarado pela boca do profeta Natã. A espada não se apartaria da Casa de Davi. Foi assim que Davi foi duramente perseguido por seu filho Absalão; sofreu um golpe de Estado pelas mãos de Adonias; e suportou o incesto cometido por Amnon contra Tamar. Tudo isso Davi testemunhou em sua própria família.
Alguns dizem que Davi foi um péssimo pai. Eu não sei se isso pode ser afirmado com categoria, pois não se vê na Bíblia o registro de como Davi teria errado quanto à educação de seus filhos. Mas há o registro claro de que Davi sofria as consequências do assassinato e do adultério. Não sei se podemos afirmar que Davi foi um pai ruim, mas tenho certeza de que ele teve uma família problemática por culpa sua.
Davi foi, sem nenhuma dúvida, o rei mais devotado a Deus em toda a História de Israel. Ele tinha verdadeira paixão pelo Sagrado. Davi compunha salmos porque tinha prazer em Deus. Aquele episódio da condução da Arca da Aliança para Jerusalém, em que Davi dançou alegremente, demonstra o quanto ele se entregava à sua religiosidade. Davi era espontâneo e entendia o sentido da adoração e da comunhão com o SENHOR. Seu culto era genuíno. Todavia, eis que o homem devotado, religioso, pleno de espiritualidade javista, não foi poupado por Deus – Davi sofreu não só os efeitos (morais, intelectuais e físicos) da Queda, mas também os efeitos morais de sua própria queda.
Agora, como é que eu começo a pensar em Davi ao escrever sobre um britânico que foi condenado com base numa oração de confissão a Deus? A relação entre os dois personagens consiste no fato de que nenhum dos dois foi livre das consequências de seu pecado só porque estabeleceu contato com Deus. E essa reflexão serve para uma série de situações em que pessoas religiosas passam por sérios problemas mesmo cultivando a espiritualidade cristã, justamente porque enredadas pelos malefícios de seus pecados. E não se trata de uma espécie de maldição, mas de frutos das atitudes, ações, omissões e pensamentos pecaminosos, segundo a lei moral da semeadura: “Aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).

*Veja um pouco da história de Davi em II Sm 6;11;12.1-25;13-15.

2 comentários:

João Armando disse...

Como sempre, as reflexões são muito boas. Permita-me pôr-me entre aqueles que consideram que Davi não foi um bom pai ou mesmo marido. Nâo castigou os filhos Amnon e Absalão por seus crimes, tal como o prescrevia a Lei de Moisés - dura lex, sed lex. Mesmo sendo filhos, que exemplo deu à nação eleita? Multiplicou para si mulheres, o que era proibido aos reis (Dt 17.17) - e com quem foi que Salomão aprendeu os maus constumes, de chegar ao ponto de ter 1000 mulheres? Ainda que esse número "mil" seja simbólico, o fato é que eram muitas, que isso onerava sobremaneira o povo (que, como sempre, sustentava o gastos reais com impostos). Tenho visto - infelizmente na minha própria vida - que o crescimento espiritual às vezes é um tanto assimétrico. A gente cresce em determinadas áreas e patina noutras. Davi tinha muita revelação, escreveu salmos, era um homem segundo o coração de Deus - mas certamente havia áreas de sua vida que ficaram atrás, deficientes. Isso me consola, por estranho que pareça - vejo um pouco de Davi na minha vida - vejo a honestidade com que Deus fala das personagens bíblicas, sem omitir fatos desagradáveis.

João Armando disse...

Muito oportuno o comentário. Jesus também fazia referência a fatos ocorridos em seu tempo para ilustrar verdades espirituais - tal como o fez ao se referir aos galileus que haviam sido mortos por Pilatos. Se a imprensa comenta as notícias sob a ótica mundana, porque o povo de Deus não fará o mesmo, sob o olhar das Escrituras?
É fato - a lei da semeadura não foi revogada - Graças a Deus! Também o bem que semeamos haverá de frutificar. O tempo que gastamos em oração, no ensino dos nossos filhos nas verdades bíblicas, na leitura e meditação das Escrituras, certamente haverá de trazer seus frutos bons, no devido tempo - "se não desfalecermos" (Gl 6.9)



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