terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Reflexão sobre II Jo 7-11

"(7) Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo.
(8) Acautelai-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes completo galardão.
(9) Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho.
(10) Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas.
(11) Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más".

A terceira seção de II Jo trata da verdade, ou, mais precisamente, da necessidade de defender a verdade,  o que conhecemos como "apologética".
João afirma que "muitos enganadores têm saído pelo mundo fora". Por que eles são enganadores? Porque não conhecem e não ensinam a verdade. E qual é a verdade? A verdade é que Jesus Cristo veio em carne (encarnou) para salvar os pecadores. Sem confissão de fé acerca da encarnação de Cristo não há Cristianismo, porque sem encarnação não haveria a possibilidade de Cristo morrer na Cruz.
O apóstolo João estava a combater a heresia do Gnosticismo, o que fez também, e em maior extensão, em sua Primeira Epístola. 
Os Gnósticos, que se infiltraram na Igreja, ensinavam o dualismo entre a matéria e o espírito, o mundo inferior e o mundo superior, como se a matéria fosse ruim em si mesma, e o espírito, bom, este sendo uma emanação da divindade. 
Trata-se de uma religião criada a partir de diferentes influências, como a cultura grega popular, a filosofia platônica e a mitologia babilônica.
Houve correntes distintas dentro do Gnosticismo, mas o fundamento era a mencionada dualidade entre a matéria e o espírito, o mundo inferior e o mundo superior. Para o Gnosticismo de linha docetista, por exemplo, Jesus não teria vindo em carne, mas apenas parecia ter vindo em carne. Sendo assim, eles não conseguiam crer que o Filho de Deus poderia ter morrido numa Cruz. Essa confissão de fé, fundamental ao Cristianismo, era impossível ao entendimento gnóstico. Para eles, o aperfeiçoamento ou evolução espiritual dar-se-ia por meio do conhecimento (gnose), a ser adquirido gradativamente, em reuniões secretas, a partir de uma iniciação com os mestres. Por isso o Gnosticismo é uma religião de mistério.
O apóstolo João afirma categoricamente que "assim é o enganador e o anticristo". Costuma-se pensar no Anticristo exclusivamente como uma figura pessoal, mas as Epístolas Joaninas destacam a existência de um ensino "anticristo".
O mais perigoso no caso dos Gnósticos combatidos por João é que eles estavam na Igreja, e entre eles havia líderes cristãos. Eles queriam continuar na Igreja, mas não queriam se dissociar do ensino gnóstico. Então, misturavam a doutrina apostólica a ensinos estranhos, heréticos, mentirosos. A linguagem era cristã e evangélica, mas o conteúdo era enganador e anticristão.
Diante dos falsos mestres gnósticos, era preciso ter cautela, para não perder aquilo que vinha sendo realizado com esforço, a fim de se alcançar "completo galardão". Não parece que seja uma alusão à possibilidade de perder a fé, mas de deixar esmaecer o conhecimento da verdade em amor.
João, o apóstolo do amor, não se mostra vacilante, tolerante demais nem receoso: ele diz, de maneira peremptória, que "todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus". Ponto. Esse estilo categórico é característico de João. Ou ensina a Palavra ou é enganador. Não há espaço para especulações, sonhos carnais nem para aqueles recursos retóricos em que se diz "estou vendo pela fé" apenas para ensinar uma bobagem qualquer.
Permanecer na doutrina de Cristo é o indicativo de que se permanece no Pai e no Filho. Assim, não é correta a afirmação de que Deus não se ocupa com a doutrina. É certo que a ligação do crente se dá com Deus em Cristo, numa relação pessoal, mas não é menos certo que essa ligação se perfaz pela aceitação da doutrina fundamental de que Cristo veio ao mundo, em carne, para salvar pecadores mediante a Sua morte vicária e expiatória.
O categórico "apóstolo do amor" prossegue, afirmando que os crentes não deveriam receber em casa, nem saudar, aquele que vem e não traz essa doutrina. Não se está diante de um apelo à falta de educação. As saudações, naquele contexto histórico, podiam ser mais longas do que as que praticamos em nossa cultura, e o simples diálogo com os hereges poderia acabar com a fé dos irmãos. Não nos julguemos fortes demais: houve crentes sinceros que enfraqueceram ou até abandonaram a igreja por causa de conversas com seitas conhecidas por evangelizar de porta em porta.
Pode parecer que João foi excessivamente duro ao dizer que os que recebessem os hereges seriam cúmplices das suas "obras más"... No entanto, o risco existe, sim. A Igreja não deve receber pregadores que vêm para falar bobagens e heresias, ou para instilar qualquer tipo de confusão. Se prestássemos mais atenção nisso, as coisas seriam melhores no meio evangélico.
Quanto ao conteúdo gnóstico em si, não pensemos que ele estaria muito distante das igrejas evangélicas brasileiras: tanto o dualismo católico-romano, herdeiro do pensamento grego, como as heresias "neopentecostais" (ou pseudopentecostais) criaram um caldo de cultura propício à rígida divisão entre o sagrado e o secular, entre o que é de Deus e o que é dos homens. O Calvinismo mostrou-se mais nobre ao entender que tudo é de Deus, exceto o pecado. Bem por isso, a ciência, a tecnologia, a política, as artes, a cultura, os estudos, a música, tudo pode glorificar ao SENHOR, e toda vocação a trabalhos lícitos vem de Deus. 
Precisamos, pois, verificar se nossa fé não está eivada de algum Gnosticismo...







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