Na edição de hoje da Folha de São Paulo, há uma reportagem de Hélio Schwartsman intitulada "Criar igreja e se livrar de impostos custa R$418". O autor, que é articulista do jornal, narra como conseguiu registrar a "Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio" (escrito assim mesmo) em dois dias, e, com mais três dias, fazer aplicações financeiras com isenção de Imposto de Renda e IOF. Informa que sua igreja tem um estatuto que prevê sucessão hereditária, sumo-sacerdote e a doação regular da terça parte da renda para o trabalho religioso. Mostra que outros países têm políticas diferentes que privilegiam as religiões, e que isso teria em vista a liberdade religiosa - aqui, vale observar que na maioria dos casos citados no texto a legislação brasileira se mostra superior, mais equilibrada.
Entre as críticas e ironias do autor, encontram-se menções à permissão para que grupos como o Santo Daime, A Barquinha e a União do Vegetal cultivem, transportem e consumam a planta alucinógena ayahuasca, que só podem consumir os membros de seitas dessa natureza; a permissão legal para que alguém, em nome da fé, se negue a doar sangue (referência clara às Testemunhas de Jeová); o privilégio da prisão especial para ministros religiosos, assim como a não-obrigação de prestarem o serviço militar; as imunidades fiscais (para IPTU, ITR, IPVA, ISS, e, em alguns Estados, ICMS, quanto a atividades essenciais à religião); a desnecessidade de requisitos teológicos ou doutrinários para a formação de uma igreja.
O jornalista não aponta uma solução, limitando-se a usar o último parágrafo de um dos textos da reportagem para afirmar que estamos diante de duas possibilidades: acabar com o tratamento diferenciado ou mantê-lo como efeito da democracia...soou, para mim, como espécie de mal necessário.
As informações da reportagem refletem, em geral, os fatos, mas há excessiva dose de ironia, o que ganha especial relevo em se tratando de um ateu confesso, como é o Sr. Hélio Schwartsman.
Já enviei uns dois e-mails para Hélio Schwartsman, creio que em 2008, quando ele escreveu textos na Folha On Line sobre religião e ciência. Ele me respondeu mui educadamente. É um pensador ateu, mas que gosta de tratar de religião. Talvez isso seja alguma questão subjetiva, não nos cabe perscrutar seara tão densa - o fato é que ele incorre em alguns erros importantes:
Primeiro, é muito perigoso abordar um tema inserto (inserido) nas liberdades fundamentais com mais ironias do que sugestões claras de solução. Do jeito que está, fica parecendo que a liberdade religiosa é um perigo, quando perigosa é a tentativa de restringir a liberdade alheia, ainda que ela não me importe em nada.
Segundo, não há que se falar em requisitos doutrinários ou teológicos para criar uma igreja, ao menos do ponto de vista legal. Esse aspecto é espiritual, de fé, e jamais um aspecto jurídico. Os crentes é que precisam ter maturidade e não enveredar por caminhos tortuosos, em igrejas de fachada, com pastores falsos. Não há que se falar em restrição jurídica à formação de igrejas só porque alguém pode ser mentiroso.
Terceiro, nada há de errado com o art. 44, §1º, do Código Civil: ele é perfeito ao estabelecer a não-ingerência do Estado na constituição, estruturação e funcionamento de organizações religiosas.
Quarto, se há a necessidade de desonerar outras entidades de impostos, para estender, por exemplo, a organizações assistenciais os benefícios dados a organizações religiosas, essa deveria ser a proposta do jornalista, e não o contrário: questionar uma garantia da liberdade religiosa para ser mais justo. Isso é um flagrante paradoxo!
Um comentário:
Parece que esse assunto vai estar cada vez mais presente na mídia. Veja, por exemplo, o caso recente de uma igreja da AD que teve problemas parecidos - no link abaixo
http://cristianismohoje.com.br/ch/templo-sem-isencao/
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