Instalou-se uma pequena crise entre os comandantes militares e o Ministro da Defesa, de um lado, e o Ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), o que também interessa diretamente aos ex-guerrilheiros Dilma Rousseff (Casa Civil), e Franklin Martins (Comunicação Social). Além de interessar ao Ministro Tarso Genro por razões ideológicas. Tudo porque o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, assinado por Lula, tem as seguintes propostas:
a) criar a Comissão Nacional da Verdade, para investigar crimes de tortura e assassinato praticados por militares e civis em nome da Ditadura Militar de 1964 a 1985;
b) revisar leis como a da Anistia, de 1979;
c) retirar de obras públicas os nomes de militares que contribuíram para a repressão.
Segundo os comandantes do Exército e da Aeronáutica - respectivamente, o General Enzo Martins Peri e o Brigadeiro Juniti Saito - isso não passa de revanchismo, pois: a) os crimes praticados por guerrilheiros não seriam investigados; b) importaria em revogação da Lei de Anistia; c) os militares não foram consultados; d) a modificação dos nomes de obras públicas poderia levar à depredação ou até à invasão de instalações militares.
Ressalta desse imbróglio o fato de que o presidente Lula disse expressamente que não sabia que o texto por ele assinado continha essas coisas, e que assinou em meio às discussões de Copenhague. Ou seja: assinou sem ler, como, aliás, deve acontecer com inúmeros decretos que ele assina todos os dias, e que mudarão nossas vidas de maneira muito prática. Mais: empurra o problema para abril, quando o texto deveria ser transformado em projeto de lei, e parece partir para uma posição intermediária (em cima do muro mesmo): deixa o texto como está e não implementa, como quem diz: não vamos retirar do texto para não chatear meus ministros guerrilheiros, mas não vamos por em prática para não chatear os militares.
Ocorre que medidas de Estado, como essa, não podem ficar ao bel-talante de um presidente, pois o próximo Chefe de Estado, ao ver o texto diante de si, pode, sim, mandar implementar o que ali estiver contido. Esse negócio do presidente Lula deixar para depois e fingir que o problema não é com ele é um desrespeito ao povo brasileiro e às partes envolvidas com o impasse: em letras precisas, as Forças Armadas e os que lutaram contra o Regime Militar.
Agora, é preciso verificar que os militares não foram os únicos criminosos anistiados: os companheiros esquerdistas que sequestraram e roubaram também foram anistiados, recebendo, assim, o benefício da figura penal chamada "anistia" - que ocorre quando uma lei perdoa crimes e faz de conta que nada aconteceu. A anistia é mesmo uma medida política de conciliação e pacificação.
Revogar a Lei da Anistia seria um passo atrás, depois de mais de 30 anos de sua edição, o que contribuiu para a transição "lenta, gradual e segura" para o Regime Democrático. Aliás, engana-se quem pensa que reconquistamos as liberdades democráticas à base da luta armada. O Dr. Tancredo Neves fez acordos com os militares, e desde Ernesto Geisel a abertura vinha sendo costurada, sendo depois consumada pelo João Baptista Figueiredo e entregue a José Sarney.
Os guerrilheiros Dilma Rousseff e Franklin Martins não conquistaram a democracia. Tampouco o exilado Leonel Brizola, beneficiado em 1979 com a Lei que hoje o Governo discute. Também não foram as músicas dos exilados Caetano Veloso e Gilberto Gil. A democracia brasileira foi reconquistada por meio de acordos demoradamente costurados entre o pessoal da Ditadura Militar e os sábios políticos Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, com uma eleição indireta para presidente operando a transição entre a linha-dura e a redemocratização.
Quanto a investigar crimes de torturadores, não há problema se o mesmo for feito sem parcialidade quanto aos crimes de terroristas políticos, e se a investigação for apenas de natureza histórica, jamais penal. Do contrário, estaríamos recuando ao período anterior à Lei de Anistia.
Entendo também como muito complicada a extinção de nomes de generais e marechais de praças, avenidas e pontes espalhadas pelo Brasil. Isso, se fosse levado a ferro e fogo, deveria mexer diametralmente com muita gente que hoje se instala no Planalto Central, gente que explodiu, sequestrou, se pôs à luta armada pondo em risco a vida de civis inocentes em nome de uma ideologia.
Não nos enganemos: ali não há anjos, nem entre os militares nem entre os guerrilheiros. E por isso mesmo o tratamento deve ser igualitário.
Como disse meu tio Altevir Esteves, que foi politicamente atuante na época do Regime Militar e era de esquerda (tem até um filho chamado Carlos Lamarca), alguém que luta por uma causa nobre não deveria pedir ou aceitar indenização. Interessante. Segundo ele, se a causa realmente era nobre, se valia mesmo a pena, não poderia ser jamais compensada com...dinheiro, pensões, porque era uma luta maior. Deixo isso para pensarmos (sei que o tema é polêmico).
Penso, apenas, que não se pode demonizar os comandantes militares como se a reação deles hoje fosse uma volta ao espírito ditatorial. Em favor da democracia e do Estado de Direito, consagrada a Lei da Anistia, deveríamos legar aos nossos herdeiros um conhecimento mais profundo dos "anos de chumbo", mostrando, porém, o que de fato aconteceu, pois, na realidade, poderemos ver que houve chumbo trocado, e não uma pura e simples repressão contra jornalistas e pessoas indefesas.
Veremos, sim, que, não fosse a Lei da Anistia, talvez nossos ressentimentos impedissem a eleição direta para presidente em 1989, e as sucessivas eleições com a participação de um metalúrgico chamado Lula, que hoje é constitucionalmente nosso Presidente da República, eleito pela maioria dos votos populares.
Um comentário:
É uma postura antiética colocar em um mesmo patamar quem estava combatendo uma ditadura provinda de um golpe de Estado que depôs um presidente legítimo, eleito pelo povo, e os carascos, "bate-paus", pistoleiros a serviço da ilegalidade instalada no poder.
Não se pode igualar carrascos e vítimas. É má-fé por em um mesmo patamar homens e mulheres que combatiam um governo ilegal e ilegítimo e que tinham seus atos amparados pelo DIREITO DE RESISTÊNCIA e a corja que agia ao arrepio de qualquer lei ou princípio jurídico moral ou ético, tal eram as ações dos mandantes e da corja que perseguiu, torturou e matou os resistentes.
Só para refrescar a memória dos desmemoriados por conveniência anote-se o golpe dentro do golpe que impediu Pedro Aleixo de tomar posse com a morte de Costa e Silva: o bando que estava no poder não respeitava nem as próprias normas que eles mesmo criaram e tentaram impor.
Igualar os resistentes ao pistoleiros da ditadura para tentar obter a impunidade dos criminosos torturadores é insustentável do ponto de vista jurídico ou moral.
A anistia não alcançou os torturadores, pois tortura não é crime político; só comete crime político quem se insurge contra uma dada ordem política, não quem a defende como funcionário público.
Apurar todos os crimes da ditadura para a perpetuação de seus registros é combater a impunidade que ainda hoje viceja desafiando a ordem jurídica; é criar um dique para que os fatos não mais se repitam.
Não apurar estes crimes é um desrespeito às vítimas, à família das vítimas, à história e à memória cívica do país.
Não apurar os CRIMES DA DITADURA por uma COMISSÃO DA VERDADE é cometer um verdadeiro tributo à criminalidade, um desafio à ordem jurídica, portanto, um ato indamissível em um Estado Democrático de Direito.
NADA SERÁ ESQUECIDO, NADA SERÁ PERDOADO, como disse De Gaulle depois de limpar a França dos nazistas.
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