segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Estudos sobre Herodes (1) - A Dinastia Herodiana

INTRODUÇÃO.
O Novo Testamento menciona alguns governantes que ostentavam o título de "Herodes". O senso comum talvez se recorde do Herodes que mandou matar as criancinhas e do Herodes que viu a cabeça de João Batista sobre uma bandeja. Todavia, há confusão quanto a essas figuras porque houve, não apenas um, mas uma série de homens com esse título ou sem o título mas pertencentes à mesma dinastia, e com diferentes jurisdições. Era a chamada "Casa de Herodes".
Assim como "fariseu" passou para a posteridade como sinônimo de gente hipócrita, "herodes" acabou assumindo um sentido negativo, por tudo o que veremos daqui por diante quanto a esses personagens.
Por meio de um conjunto de estudos, gostaria de tratar teologicamente dessas figuras, fornecendo informações históricas e costurando aplicações pessoais. Há muito o que aprendermos desse importante período de Israel.
Ao longo dos estudos, poderemos perceber como é rica a investigação bíblica e histórica, o que nos anima a continuar estudando.


FORMAÇÃO DA DINASTIA HERODIANA.
A antecedente Dinastia dos Hasmoneus e a projeção política de Herodes, o Grande.
Para entendermos o processo de formação da Dinastia Herodiana, é necessário reportarmo-nos à Dinastia antecedente dos Macabeus (Dinastia dos Hasmoneus ou Dinastia Asmoneia).
Para isso, vamos contar com a preciosa ajuda da BÍBLIA DE JERUSALÉM (1), da qual extraímos várias informações. Vejamos:
O sacerdote Matatias (166 a.C.), que se revoltou contra o domínio helênico sobre Israel (estendido de 333 a 63 a.C.) tinha três filhos: Judas Macabeu (166 a 160 a.C.), Jônatas (160 a 143 a.C.) e Simão (143 a 134 a.C.). 
João Hircano I, filho de Simão, sucedeu seu pai e governou de 134 a 104 a.C.
Os Livros apócrifos de I e II Macabeus - chamados pela Igreja Romana de "Deuterocanônicos" - narram a história dessa família que conquistou o governo da chamada "Palestina" por meio da luta armada. Têm real valor histórico, embora desprovidos de inspiração divina.
João Hircano I teve dois filhos, Aristóbulo I (104 a 103 a.C.), que usou o título de rei, e Alexandre Janeu (103 a 76 a.C.). Este casou-se com a rainha Alexandra (76 a 67 a.C.). Da união nasceram Hircano II (sumo-sacerdote entre 76 e 67 a.C. e 63 a 40) e Aristóbulo II.
Com a morte da mãe, Hircano II assumiu o governo, mas logo perdeu o poder para seu irmão mais novo, Aristóbulo II, que se tornou rei e sumo-sacerdote (67 a 63 a.C.).
Em 65 a.C., Hircano II e o rei Aretas III cercaram Jerusalém, recuando, porém, com a chegada do romano Pompeu. Depois, Hircano II e Aretas III foram vencidos por Aristóbulo II.
Em 63 a.C., Antípater, pai de Herodes, o Grande, era ministro de Hircano II, mas, com a conquista de Jerusalém por Pompeu, se tornou governante de fato da Judeia. Houve revolta dos últimos Hasmoneus.
Nessas circunstâncias, Aristóbulo II foi mandado para Roma junto com seu filho Antígono, enquanto Hircano II foi feito sumo-sacerdote.
Em 47 a.C., o Imperador César nomeou Hircano II etnarca (47 a 41 a.C.). Herodes, o Grande, foi nomeado "estratego da Galileia", e nessa função repeliu a revolta de certo Ezequias.
O pai de Herodes, Antípater, morreu envenenado em 43 a.C. Antônio, esposo da famosa Cleópatra, nomeou Herodes e seu irmão Fasael como tetrarcas em 41 a.C.
Com a nomeação, pelos partos, de Antígono como seu rei e sumo-sacerdote em 40 a.C., Herodes fugiu para Roma, e Hircano II foi mutilado. Entre 39 e 37 a.C., Herodes lutou contra Antígono.
No começo de 37 a.C., Herodes se casou com Mariana I, neta de Aristóbulo II e de Hircano II. Nesse mesmo ano conquistou Jerusalém, junto com Sósio. Com efeito, Aristóbulo II gerara a Antígono e Alexandre. Do casamento deste Alexandre com Alexandra, nasceu Mariana I. Dessa forma, essa esposa de Herodes, o Grande, era tataraneta de João Hircano I, e, assim, descendente dos Macabeus.
Herodes, o Grande tornou-se rei da Judeia de 37 a.C. até sua morte, em 4 d.C.. Como não era judeu, não tinha a aceitação do povo. Por isso, tentou se aproximar politicamente dos judeus casando-se com Mariana I.
Em 29, Herodes, o Grande, tornou-se "rei aliado" de Roma. Em 23, recebeu as regiões de Traconítide, Bataneia e Auranítide, e, em 20, a região de Paneias.
Assim teve início a Dinastia Herodiana.

Depois dessas considerações iniciais, passemos ao exame de cada Herodes em particular:




HERODES, O GRANDE.
Herodes, um idumeu.
Herodes, o Grande nasceu por volta de 73 a.C e morreu em 4 a.C. Era filho do idumeu Antípater e da princesa árabe Cypros, da bela cidade de Petra (capital dos Nabateus), ao sul de Judá (2).
Idumeu era a designação do natural da Idumeia, território dos descendentes de Edom (Esaú). Portanto, não eram eles judeus, mas edomitas, filhos do irmão gêmeo de Jacó, e que, à semelhança da hostilidade de seu ancestral, viveram em constante conflito com Israel.
O Livro de Obadias trata exatamente do juízo divino contra os edomitas por causa de sua rivalidade com o povo de Deus.
A menção de Obadias às "fendas das rochas" (v. 3) pode ser uma alusão à configuração geológica de Petra.

Crimes de Herodes, o Grande.
Em 30 a.C., Herodes mandou executar Hircano II, e em 29, sua própria esposa Mariana I.
Por volta de 7, mandou estrangular dois de seus filhos, Alexandre e Aristóbulo, que tivera com Mariana I.
Em 4, foi executado seu filho mais velho, Antípater.
Também exterminou quase todos os membros do Sinédrio (3).
A matança dos inocentes ocorreu sob o reinado de Herodes, o Grande, que, com isso, esperava exterminar Aquele de Quem se dizia ser o Rei de Israel.

Obras de Herodes, o Grande.
Em 29 a.C. Herodes construiu a Antônia, e, em 23, o Palácio da cidade alta. Também construiu ou reconstruiu Antipátrida, Fasélida, Samaria (Sebaste), o Herodion e Cesareia.
De 20 a 19, começou a reconstrução do Templo de Jerusalém. Foi nessa época que surgiram as escolas farisaicas rivais dos rabinos Hillel e Shammai.
Mandou reformar o Templo de Jerusalém, medida de natureza política, para angariar a adesão pacífica dos judeus a seu reinado.

Casamentos e filhos.
Herodes, o Grande, teve muitas esposas e filhos. Citam-se os seguintes:
(1) Uma esposa foi Dóris, de quem nasceu Antípater, mesmo nome do pai de Herodes, e seu filho mais velho (2).
(2) Outra esposa foi Cleópatra de Jerusalém, que deu à luz Filipe, o tetrarca.
(3) Com Maltace, a Samaritana, Herodes, o Grande, teve como filhos Herodes Antipas, Arquelau e Olímpias.
(4) Com a judia Mariana I, lhe nasceram: Aristóbulo, Alexandre, Herodes Filipe, Salimpsio, que se casou com Phaesal, e Cypros, que, como se vê, trazia o nome da mãe de Herodes, a princesa árabe de Petra. Esta se casou com Antípater, filho de José e Salomé.
(5) Houve ainda outro casamento de Herodes, o Grande, em 23 d.C., desta vez com Mariana II, filha do sumo-sacerdote Simão, filho de Boetos. De acordo com MORIN (4), este foi elevado a sumo-sacerdote por sua relação com Herodes. Era ele um herodiano: herodianos eram os israelitas que se beneficiavam da Dinastia de Herodes.


Morte de Herodes, o Grande.
Herodes, o Grande, morreu entre março e abril do ano 4 a.C. na cidade de Jericó. Seu filho Arquelau trasladou seu corpo para o Herodion.

Testamento de Herodes, o Grande.
Em sua disposição de última vontade, Herodes dividiu o território entre seus filhos tidos com Maltace, a samaritana (Arquelau e Herodes Antipas) e Cleópatra de Jerusalém (Filipe, o tetrarca). Deixou de lado Herodes Filipe, tido com Mariana II.
Arquelau ficou com a Judeia, incluindo Samaria e a Idumeia, regiões que governou de 4 a.C. até 6 d.C.
Herodes Antipas ficou com a Galileia, incluindo a Pereia, que governou de 4 a.C. até 39 d.C.
Filipe ficou com Traconítide, Auranítide, Gaulanítide, Bataneia e Itureia (distrito de Paneias), territórios sob seu governo de 4 a.C. até 34 d.C.
O Imperador Augusto concordou com o testamento, mas não concedeu a Arquelau o título de rei. Este ficou sendo etnarca da Judeia e Samaria (4 a.C. a 6 d.C.). Herodes Antipas e Filipe receberam o título de tetrarca.

Casamentos dos descendentes.
Aristóbulo IV teve os filhos Herodias (Herodíades), Herodes de Cálcis e Herodes Agripa I.
Herodes Agripa I foi pai de Herodes Agripa II. Também gerou as mulheres Berenice e Drusila. Esta Berenice é a mesma que se casou com o tio Herodes de Cálcis. Drusila foi mulher de Aziz, rei de Emesa, e do procurador romano Félix, que manteve o apóstolo Paulo detido por algum tempo sem julgar seu processo (At 24).
Herodias, neta de Herodes, o Grande, casou-se com o tio Filipe, o tetrarca, e sua filha chamou-se Salomé. Mas acabou se envolvendo num relacionamento adulterino com o tio e cunhado Herodes Antipas, que, por sua vez, se divorciou de Fasaelia, filha do rei árabe Aretas IV.

ARQUELAU.
Filho de Herodes, o Grande, com Maltace, a samaritana, Arquelau reprimiu uma revolta em Jerusalém na Páscoa do ano 4 d.C., precisamente em 11 de abril. Depois, foi a Roma receber a investidura, como etnarca, por parte do Imperador Augusto. Houve muitos distúrbios no período de seu governo. Pode ser que a revolta de Judas, o Galileu (At 5.37), tenha ocorrido nessa época. Duas mil pessoas foram crucificadas.

HERODES ANTIPAS.
Herodes Antipas era filho de Herodes, o Grande, com Maltace, a samaritana. Portanto, era irmão de Arquelau também por parte de mãe.
No testamento de seu pai, recebeu a Galileia e a Pereia.
Fundou Tiberíades entre 17 e 20 d.C. - o nome é uma homenagem ao Imperador Tibério César. Foi nesse período que Lisânias se tornou tetrarca de Abilene, como citado em Lc 3.1.
Antipas foi o Herodes do tempo do julgamento de Jesus. Embora não tivesse jurisdição sobre a Judeia, mas sobre a Galileia, recebeu Jesus em audiência por envio de Pôncio Pilatos, governador da Judeia, que buscava uma forma de não se envolver na questão de um inocente, e usou o pretexto de que Jesus era galileu para todos os efeitos - embora fosse, na verdade, judeu. Pilatos aproveitou-se do fato de que Herodes Antipas se encontrava ali em Jerusalém.
Antes disso, Herodes Antipas mandara prender João Batista, mas não queria matá-lo porque temia o povo. Porém, como João pregara contra o adultério por ele cometido com sua cunhada e sobrinha Herodias, esta armou uma cilada e conseguiu, enfim, a execução do Batista.
Jesus referiu-se a esse Herodes como sendo "aquela raposa".


FELIPE, O TETRARCA.
Embora não tenha ostentado o título de Herodes, Filipe era tetrarca e recebeu esse título conforme o testamento deixado por Herodes, o Grande.
Ele construiu Júlias (cidade de Betsaida). Embelezou Paneias (Panion), a que chamou "Cesareia", em homenagem a Augusto, o Imperador.
Filipe, o tetrarca, não deve ser confundido com seu meio-irmão Herodes Filipe.
Morreu sem herdeiro.

HERODES FILIPE.
Conquanto carregasse esse nome, não herdou nenhum território quando do testamento deixado por seu pai. Foi completamente esquecido. Foi traído por sua esposa Herodias, que dele se separou e se casou com Herodes Antipas.

HERODES AGRIPA I.
Herodes Agripa I, filho de Aristóbulo, reinou de 37 a 44 d.C. Recebeu as tetrarquias de Filipe e Lisânias. Também recebeu a tetrarquia de Herodes Antipas, desterrado por Calígula para os Pirineus em 40 d.C.
Contribuiu para a chegada de Cláudio ao poder (41 a 54). Deste recebeu Judeia e Samaria.
Seu irmão Herodes se tornou rei de Cálcis (41-48) e se casou com Berenice, filha de Agripa.
Sob seu governo, o reino de seu avô Herodes, o Grande, foi reconstituído.
Foi ele quem mandou decapitar Tiago, irmão de João (At 12.2), prendeu o apóstolo Pedro (At 12.3) e, assim, perseguiu a Igreja (At 12.1).
Morreu comido de vermes após ter se deixado glorificar por um público que ouviu seu discurso e disse que sua voz era de Deus e não de homem. Não deu glória a Deus (At 12.20-23). Segundo JOSEFO, foram cinco dias de sofrimento depois do discurso (5).

HERODES AGRIPA II.
Herodes Agripa II é o que surge em Atos dos Apóstolos com a designação de "rei Agripa". Era filho de Agripa I e reinou de 48 a 95 d.C. Foi rei de Cálcis de 48 a 53 d.C. Em 49, foi nomeado inspetor do Templo, com direito de nomear o sumo-sacerdote.
Agripa II surge em At 25.13-26.32, quando, por sugestão do procurador romano Festo, ouve o apóstolo Paulo em audiência. Tinha ele uma relação incestuosa com sua irmã Berenice, citada no referido texto.
Em troca de Cálcis, Cláudio dá a Agripa II as tetrarquias de Filipe e Lisânias (53-95) e uma região no norte do Líbano.

HERODES DE CÁLCIS.
Herodes de Cálcis não aparece nas Escrituras. Era filho de Aristóbulo. Casou-se com Berenice, mas foi por ela traído - ela cometeu incesto com seu irmão Herodes Agripa II.
Foi nomeado inspetor do Templo, com direito de designar o sumo-sacerdote. Foi ele quem nomeou Ananias, filho de Nebedeu, que aparece em At 23 e 24.

CONCLUSÃO.
A família de Herodes merece ser estudada porque teve participação especial no período em que Jesus nasceu e nos primeiros anos da História da Igreja.
De acordo com o que vimos dos dados biográficos desses governantes, poderíamos dizer, com acerto, que "nenhum deles se salva" de um julgamento histórico. Todos foram personagens maléficos, seja por seus assassinatos, seja por adultérios e incestos, seja, ainda, pela perseguição a Jesus ou à Igreja.
Digno de observação é que a Dinastia Herodiana praticava medidas do que chamaríamos hoje de "politicagem": casamentos políticos, construções com interesses políticos, bajulação a superiores.
Depois dessas informações históricas, teremos maiores condições de estudar as passagens bíblicas em que os Herodes aparecem.
Que Deus nos abençoe.


Notas:
(1) A BÍBLIA DE JERUSALÉM traz um excelente Quadro Cronológico entre as páginas 2170 e 2188, sendo que para este estudo me debrucei sobre parte do conteúdo das pp. 2179 a 2185, além da árvore genealógica das Dinastias Asmoneia e Herodiana à p. 2189.
(2) Utilizo algumas informações de http://pt.wikipedia.org/wiki/Herodes,_o_Grande, por citar expressamente FLÁVIO JOSEFO. Essas informações estão em vermelho.
(3) MORIN, p. 103.
(4 Idem, p. 109.
(5) BÍBLIA ANOTADA, p. 1379.

Referências bibliográficas:

A BÍBLIA ANOTADA. The Ryrie Study Bible/ Texto Bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie. Sã o Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1994, 1835pp.


BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Bible de Jérusalem, edição de 1998, publicada sob a direção da "École biblique de Jérusalem". Edição em língua francesa. São Paulo: Paulus, 2002, 2206pp.

MORIN, E. Jesus e as estruturas de seu tempo. Tradução de Vicente Ferreira de Souza. Revisão de H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1988, 56pp.


 

2 comentários:

João Armando disse...

Muito bom o resumo histórico. Muita gente confunde os diversos "Herodes" ou pensam que todos são a mesma pessoa.

Observo -
- que a maldição verdadeira de terceira e quarta geração (citada em Êx 20) - não me refiro à deturpação neopentecostal da doutrina bíblica, mas ao que de fato está lá escrito - confirma-se bem. O mau testemunho dos pais se reflete nos filhos e netos, numa história trágica de perdição e sofrimento.
- que a politicagem e a corrupção não é coisa nova...
- que devemos dar graças a Deus - muitas - pelos políticos e governantes que temos. Por piores que sejam, nem de longe se comparam com o que os nossos irmãos do passado, até Jesus e sua família, tiveram de aguentar,

Unknown disse...

Muito bom!



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