Fomos surpreendidos no domingo (29/12) por um pregador que, a pretexto de comentar alguns versículos de Apocalipse 4 e 5, baseou toda a sua exposição em dois erros fundamentais:
1) que Deus Pai não seria digno ou não teria poder de abrir o livro "escrito por dentro e por fora";
2) que Jesus Cristo não era conhecido dos anjos antes de retornar glorificado aos Céus, após a ressurreição, pois desde a eternidade Ele teria vivido "dentro de Deus".
Sim, caro leitor, isso foi dito do púlpito da igreja em que congrego, para espanto de muita gente.
Como se estivesse ensinando coisas muito profundas, o pregador apelava à compreensão do público, com insistentes pedidos de que olhássemos para ele, e com perguntas sobre se estávamos entendendo sua (complexa) mensagem.
Trata-se de erros fundamentais porque agridem o Texto Sagrado com relação à Doutrina de Deus e à Doutrina da Trindade, áreas em que o bom pregador não deve falhar, e que devem ser de conhecimento mínimo de todo cristão, pois constituem as Bases de Fé.
Na verdade, grandes controvérsias teológicas da Era Patrística giraram em torno justamente da Doutrina de Deus, da Doutrina da Trindade e da Doutrina da Divindade de Cristo. Concílios de relevância histórica foram realizados, e o pensamento da Igreja se firmou a partir da interpretação das Escrituras.
Comecemos pela primeira afirmação, de que Deus não seria digno ou não teria poder para abrir o livro. Vejamos:
(1) É necessário esclarecer que o livro selado com sete selos representa todo o conteúdo de revelações sobre o fim de todas as coisas, algo que seria transmitido a João pelo próprio SENHOR Jesus Cristo, o "Leão da Tribo de Judá", o "Cordeiro", a "Raiz de Davi", o "Soberano dos reis da terra".
Ao perguntar quem seria digno de abrir o livro, o "anjo forte" mencionado no v. 2 do cap. 5 não se referia a Deus, mas às criaturas. Como se diz em matemática, Deus não pertence a esse conjunto. O SENHOR Jesus Cristo, embora seja Deus, é também humano, porque encarnou para salvar os pecadores pelo derramamento de Seu sangue. Então, Cristo pertence ao conjunto das criaturas nesse sentido.
Na economia da Redenção, o Pai enviou o Filho; o Filho encarnou, viveu, morreu, ressuscitou e foi glorificado; o Espírito aplica a Salvação ao coração do pecador que aceita o Evangelho pela Graça, mediante a Fé. Cada uma das Pessoas da Trindade assumiu, por Sua própria vontade soberana, uma das tarefas da Redenção.
Coube ao Filho, pois, anunciar a João as coisas que haveriam de vir - o que resultou no Livro de Apocalipse - porque Cristo foi o executor da Obra da Salvação.
Cristo veio para "buscar e salvar o perdido" (Lc 19.10). No entanto, "o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento" (Jo 5.22). Esse pode ser o texto-chave para responder à heresia de que ora se cuida! Se ao Filho foi confiado todo julgamento, ao Filho foi confiado o direito de anunciar o julgamento.
Deus não conhece limites nem - preciso dizer isso mesmo? - indignidades. Deus é digno! Deus é o Todo-poderoso! Deus é Quem determina, planeja, cria, faz, liberta, transforma, faz nascer, faz morrer, edifica, derruba, planta, arranca. O Deus Pai confiou ao Deus Filho o poder de abrir o livro e desatar seus sete selos. Em outras palavras: o Deus Pai delegou ao Filho o poder de anunciar e controlar todo juízo.
Agora, vamos ao segundo erro ora examinado, que afirma ter Cristo saído de dentro de Deus.
(2) Essa declaração de que Jesus estava dentro de Deus parece extraída daqueles mitos das divindades pagãs. Na mitologia babilônica, o deus Marduque era filho da deusa Tiamate, mas veio a matar sua mãe e dividir o corpo em dois pedaços, com os quais teria criado os céus e a terra. Na mitologia grega, havia casamentos entre os deuses, e toda sorte de confusões. No Xintoísmo, religião nacional do Japão, o arquipélago japonês teria sido criado a partir do casamento de dois deuses. Dizer que Cristo estava eternamente dentro de Deus é qualquer coisa bizarra, na linha dos mitos antigos, e não tem nenhum fundamento bíblico.
Jesus Cristo é, era e há de vir (Ap 1.4; cf. Ex 3.14). Ele nunca foi criado, sempre existiu, sempre foi conhecido das regiões celestiais e dos exércitos celestiais.
Deus é um Ser que subsiste eternamente em três Pessoas Divinas, iguais, que Se relacionam em total harmonia. Não se trata de três modos de vida, mas de três Pessoas. Não se trata de três manifestações em tempos distintos, mas de três Pessoas. Não se trata de três características, mas de três Pessoas.
Não somos arianos, nem russelitas (Testemunhas de Jeová), nem membros da seita modalista Voz da Verdade. Para nós, de acordo com as Escrituras, Deus é um Ente e Deus são três Pessoas.
Não aprecio sequer metáforas e ilustrações que buscam representar a Trindade de modo tosco, como a empregada pelo pregador referido, ao dizer que a Trindade é como "o sol com suas propriedades de oferecer luz, calor e energia". Não se deve adotar essa ilustração porque Deus não é um Ser com três propriedades, mas um Ser que subsiste em três Pessoas. Não estou afirmando que Deus seja uma Pessoa e três Pessoas - o que a Bíblia não diz, e que contrariaria a lógica -, mas que Deus é um Ente que subsiste eternamente em três Pessoas. Não há contradição nisso, mas tão somente uma doutrina incompreensível para a mente humana, e plenamente ensinada nas Escrituras.
Desde Gênesis o Criador diz "façamos o homem" (Gn 1.26).
Ao deparar com a tentativa de edificar a Torre de Babel, Deus disse "Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem" (Gn 11.7).
A palavra hebraica Elohim, que quer dizer "deuses", quando inserida em Gn 1.1 não pode indicar pluralidade de deuses porque o verbo traduzido por "criou" (bara') está no grau singular. Assim, temos que se trata de plural de majestade, que, ao lado de várias outras passagens, bem pode ser um vislumbre da natureza trina de Deus, que seria revelada mais tarde (cf. Revelação Progressiva).
É possível que o SENHOR Jesus Cristo tenha aparecido corporalmente no Antigo Testamento. Não tomo esse aspecto como motivo preponderante de minha convicção*, mas vale observar o seguinte:
Em Gn 18.1-15, três anjos se encontram com Abraão antes da destruição de Sodoma e Gomorra, e um deles é identificado como "SENHOR".
Em Gn 32.22-32, Jacó luta com um anjo, e o Texto Sagrado afirma que ele lutou "com Deus" e viu a Deus "face e face".
Em Jz 13.1-25, Manoá, depois de conversar com o Anjo do SENHOR, pergunta o seu nome, ao que este responde: "Por que perguntas assim pelo meu nome, visto que é maravilhoso?" (vv. 17,18). Bem, "Maravilhoso conselheiro" é um dos atributos do personagem predito por Isaías (Is 9.6), e sabemos que se trata do próprio Cristo.
Em Jo 5.58, Jesus afirma: "(...) antes que Abraão existisse EU SOU". Será que Jesus existia dentro de Deus, como quer o pregador referido?
O Salmo 24 poderia ser usado para uma tentativa frustrada de provar que Cristo não era conhecido das hostes celestiais, pois ali, depois da proclamação de que as portas deveriam ser levantadas para a entrada do Rei da Glória, alguém pergunta: "Quem é esse Rei da Glória?". Ora, isso não significa que algum anjo teria feito essa pergunta quando Cristo entrou glorificado nos Céus!
O Sl 24 é, como todo salmo, um texto poético, que não se presta à função de estabelecer doutrina, muito menos se estiver sozinho. Ali o salmista toma de empréstimo a figura do rei que volta vitorioso de uma batalha, e que adentra aos portais de sua cidade, sob os aplausos do povo e com o anúncio de um atalaia. No Sl 24, a indagação "Quem é o Rei da Glória?" é uma pergunta retórica, ou seja, uma pergunta de quem já sabe a resposta.
A Cristologia pode ser encontrada em Filipenses, Colossenses, Efésios, Hebreus, Apocalipse.
No texto cristológico de Fp 2.5-11, está escrito que Cristo subsistia "em forma de Deus", mas que "não julgou por usurpação o ser igual a Deus" (v. 6). Cristo nunca esteve dentro de Deus, mas vive eternamente em forma de Deus e é igual a Deus.
O texto de Cl 1.13-23 é claríssimo: Cristo é "a imagem do Deus invisível" (v. 15); "nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele" (v. 16); "Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste" (v. 17).
Ef 1.3-14 é outro texto de leitura obrigatória sobre a excelência, divindade e supremacia de Cristo, assim como Hb 1.1-4 e Ap 1.9-20.
Não sei se fui suficientemente claro até agora. Poderia escrever um livro extenso com as muitas referências bíblicas à divindade de Cristo, à economia da Redenção, à Trindade. Penso, todavia, que o texto já vai longo, e que o que escrevi refuta os dois erros fundamentais que apontei.
Nada tenho contra a pessoa do referido pregador, que sequer conheço. No entanto, tenho percebido a infiltração, na Assembleia de Deus, de ensinos heterodoxos como se fossem ortodoxos, e grande confusão sobre temas essenciais. Quando se trata de Teologia da Prosperidade, Triunfalismo, Batalha Espiritual ou meninices do meio pentecostal, esse é um material que frequentemente nos assalta, mas que estamos mais acostumados a combater, e que não ataca os alicerces da Fé Cristã. Quando se cuida, porém, de dizer que Deus não era digno de alguma coisa, ou que Cristo vivera dentro de Deus, um sinal amarelo deve acender em nossas mentes, e devemos perguntar: "De onde vem esse ensino e como posso combatê-lo urgentemente"?
Tenho receio de que muitos pregadores sem conhecimento estejam disseminando pelas igrejas informações simplesmente extraídas de fontes não confiáveis, como páginas da internet, sem conferir a procedência e, o que é pior, sem ter discernimento para tanto. Não sei se esse é o caso do referido pregador.
A Assembleia de Deus deixou de preparar seus obreiros ao longo de muitas décadas, e estamos pagando um preço alto por isso. Mas esse é um outro capítulo.
*Considero a possibilidade de que o Anjo do SENHOR falasse como sendo o próprio SENHOR por ser seu representante. Essa hipótese é mencionada pelo Rev. Augustus Nicodemus Lopes na exposição "O Ministério dos Anjos Hoje", disponível no blog www.tempora-mores.blogspot.com.br, que recomendo firmemente.
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