Transcrevo na íntegra o excelente artigo "Por que tantas pregações tão ruins", de Carl Trueman e traduzido por Filipe Schulz, pois se trata de um texto muito pertinente para a discussão das "pregações ruins", objeto da Série deste blog intitulada "Por que devo me preocupar com as pregações ruins".
Leia o artigo, extraído com permissão* do site Reforma21.org:
"Por que tantas pregações tão ruins?"
Autor:
Carl Trueman/Tradutor: Filipe Schulz | Reforma21.org.
A
pregação é fundamental para o protestantismo. A proclamação da
palavra de Deus é o meio primário pelo qual o cristão encontra
Deus. Assim, a pergunta óbvia é: por que tantas pregações são
tão ruins?
Esse
não é um problema encontrado apenas em pequenas igrejas das quais
ninguém jamais ouviu. Alguns anos atrás eu estava em uma
conferência onde um grupo de pregadores estava sendo apontado como
modelos para serem seguidos. Um desses pregadores, de uma das maiores
e mais conhecidas igrejas evangélicas do universo dos novos
calvinistas fez um sermão cheio de belas anedotas pessoais. Ao fim,
ele havia enternecido meu coração em seu favor, como pessoa. Mas
como pregação, aquilo foi simplesmente terrível, funcionalmente
desconexo do texto bíblico que havia sido lido. Sinceramente, ele
poderia muito bem ter substituído a leitura bíblica por um
solilóquio de Rei Lear e não precisaria mudar uma sentença
sequer do sermão. Pode ter sido eloquente e emocionante; mas, como
pregação, foi uma completa catástrofe. E, infelizmente, foi uma
catástrofe apresentada para uma multidão de milhares como o modelo
do que se fazer no púlpito.
Afinal,
por que tanto das pregações, mesmo as das celebridades das
conferências, é tão ruim? É impossível responder essa questão
em apenas uma frase. Sermões podem ser ruins por uma variedade de
razões. Aqui estão oito que me parecer ser as mais significativas.
Eu as dividi em categorias: teológica, culturais e técnicas.
Teológica
Primeiro,
a razão teológica: para
pregar bem, o pregador precisar entender o que ele está fazendo.
Entender o que é uma tarefa é básico para fazer bem essa tarefa.
Se você pensa que pregação é apenas comunicar informações,
entreter ou fomentar uma discussão, isso vai moldar a forma com que
você prega. O maior perigo para os estudantes nos seminários é que
eles assumem que as aulas que eles ouvem são modelos para os sermões
que eles vão fazer nos púlpitos. E não são. Pregação é um ato
teológico. O pregador encontra seu correspondente não nos
auditórios ou salas de aula nem, na pior das opções, no circuito
de stand-up
comedy.
Ele o encontra nos profetas do Antigo Testamento, trazendo uma
palavra de confrontação do Senhor que explica a realidade e demanda
uma resposta.
Culturais
Em
segundo lugar,
há uma falha em prover um contexto apropriado para o treinamento dos
pregadores.
Os seminários tem um poder limitado; pregar três ou quatro vezes
para seus colegas de classe e ser filmado enquanto isso não é uma
preparação adequada para o púlpito. E a estranha prática de
desencorajar pessoas que não foram licenciadas para tal não ajuda.
Como alguém pode licenciar alguém para pregar a não ser que se
saiba se ele consegue pregar? E como alguém vai saber fazê-lo se
não tiver experiências reais em uma igreja real? A falta dos cultos
noturnos em muitas igrejas não é apenas um triste testemunho sobre
a perda do Dia do Senhor; também limita as oportunidades de pregação
para aqueles em treinamento. Igrejas precisam fazer um trabalho
melhor em encorajar aqueles que pensam que foram chamados para serem
pregadores para testarem seus dons, talvez em cultos noturnos ou em
outras situações. Basta pensar um pouco.
Em
terceiro, há
uma relativização da palavra pregada e o crescimento da ênfase no
aconselhamento pessoal.
Eu não estou negando a utilidade do aconselhamento pessoal, mas
estou dizendo que a maioria dos problemas que muitos de nós temos
deveriam ser lidados muito adequadamente por meio da proclamação
pública da palavra de Deus. O mundo ao nosso redor nos diz que somos
todos únicos e temos problemas igualmente únicos. Essa conversa
sobre exclusividade é bastante exagerada. Precisamos criar uma
cultura eclesiástica onde a exclusividade é relativizada e onde
pessoas vêm à igreja esperando que a palavra pregada irá lidar com
seus problemas particulares. Fico abismado com o fato de que, por
mais que Paulo faça algumas aplicações individuais bastante
pontuais, ele normalmente opera em um nível mais genérico.
Seminários deveriam fazer da pregação a prioridade em todos os
níveis; pregadores deveriam aprender a pregar com a confiança de
que irão impactar indivíduos para o bem ao falarem com todos eles
do púlpito.
Em
quarto, há,
às vezes, um
fracasso em estabelecer a própria voz.
Tendo sido convertido na década de 80, eu me lembro que não havia
nada mais vergonhoso do que ouvir mais um pregador britânico que
havia decidido que deveria soar exatamente como o Dr. Lloyd-Jones e
pregar por tanto tempo quanto o grande Galês pregava. Muitos sermões
brilhantes de meia hora eram implodidos pela necessidade do pregador
de esticá-los até a marca de cinquenta minutos.
Hoje,
talvez, o problema seja pior. Há alguns anos, questionei um grupo de
estudantes sobre quem eram seus modelos favoritos de pregação.
Nenhum deles mencionou qualquer dos pastores sob quem eles haviam
crescido. Os nomes todos pertenciam ao pequeno e limitado grupo do
circuito de pregação das megaconferências.
Isso
é desastroso por mais razões, mas não menos pelo fato de que essas
conferências apresentam consistentemente como normativo um espectro
muito limitado de vozes e estilos. Cada pregador precisa encontrar
sua própria voz; a tragédia é que a dinâmica de preencher cinco
ou dez mil assentos em um estádio significa que a única voz ouvida
é aquela daquele capaz de atrair tanta gente. Mas muitas dessas
vozes pastoreiam igrejas onde há pouco contato entre o pastor e o
povo. Eles podem encher estádios, mas não são as únicas vozes que
os aspirantes a pregadores deveriam ouvir. O tempo e o acaso podem
transformar homens em pastores de mega-igrejas. Muitos pregadores
muito melhores operam em igrejas menores e são eles que realmente
podem testemunhar sobre a importância de se encontrar a própria
voz.
Em
quinto, nos círculos presbiterianos, pelo menos, é
possível que se tenha uma imagem muito grande do ministério.
Isso é contra-intuitivo, particularmente vindo de um presbiteriano
que acredita que uma visão grande do ministério pastoral é um
aspecto importante de uma igreja saudável. O que eu quero dizer aqui
é: se a cultura da sua igreja projeta uma imagem tão alta do
ministério a ponto da congregação pensar que o ministério
ordenado é o único chamado digno para um homem cristão, a
consequência infeliz é que homens que não tem as habilidades
básicas para serem ministros irão, apesar disso, sentir a
necessidade de serem ministros, para poderem servir da melhor forma.
E homens, no ministério, que realmente não tem as habilidades
pessoais necessárias para pregar não irão pregar bem. Precisamos
de igrejas onde um entendimento saudável da vocação cristã é
ensinada e cultivada, para que os homens não sintam esse tipo de
pressão.
Técnicas
Há
muitos aspectos técnicos na pregação, mas aqui estão três das
mais comuns falhas técnicas que geram pregações ruins:
A
falha da falta de estrutura clara.
Minha impressão é que pregadores em treinamento muitas vezes
assumem que a estrutura do sermão que prepararam é tão clara para
a congregação quanto é para eles. E raramente é. Pregadores
experientes conseguem tornar a estrutura clara simplesmente por meio
de clareza de pensamento, progressão lógica e sentenças bem
conectadas. Até que se atinja esse nível, eu aconselho os
estudantes a esclarecerem logo no início qual é a estrutura. “Os
três pontos que eu quero que vocês vejam nessa passagem são…”
pode ser uma forma muito mecânica de começar a seção principal de
um sermão, mas pelo menos deixa claro quais são os objetivos do
pregador.
A
falha de não conhecer ou não entender a congregação.
Isso se manifesta de muitas formas. Normalmente, para estudantes e
pregadores recém ordenados, se manifesta em entupir o sermão com o
máximo possível de linguagem teológica especializada (conhecida na
sala de aula como “terminologia técnica” e no púlpito como
“conversa fiada”). O importante não é impressionar a
congregação com o seu conhecimento. É apontar as pessoas para
Cristo da forma mais clara e concisa possível.
A
falha de não saber o que deixar de fora.
Talvez, depois da falta de uma estrutura clara, essa é a falha mais
comum entre os pregadores em treinamento. Você já leu tudo que
poderia sobre a passagem; agora você quer dizer à congregação
tudo o que você aprendeu. Você não pode fazer isso. Não faça a
congregação beber de um hidrante. Pense com cuidado sobre quais são
as coisas mais importantes para essa congregação nesse
momento (o que requer, é claro, conhecer alguma coisa sobre a
congregação) e foque nisso. Todo aquele material fascinante
restante? Bom, use em outro sermão sobre a mesma passagem um dia.
*A permissão para reprodução consta do rodapé do texto, no site Reforma21.org (endereço: http://reforma21.org/artigos/por-que-tantas-pregacoes-tao-ruins.html).
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