Texto bíblico: I Sm 22.1-5[1].
Davi estava passando por uma fase muito difícil de sua vida. Apesar de rei ungido, não era rei de fato, e sofria perseguição da parte do invejoso e perverso rei Saul. Em sua fuga, ao chegar à terra dos filisteus, em Gate, não pôde ficar ali por muito tempo, porque os servos do rei Aquis logo o alertaram quanto aos feitos de Davi. Assim, depois de se passar por louco, mais uma vez Davi teve que fugir, agora para a Caverna de Adulão.
Já na Caverna, Davi teve uma surpresa. Sem que os chamasse, “ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens” (v. 2).
Observemos as características dos homens que foram se reunir a Davi: eles estavam “em aperto”, ou seja, com problemas variados; eles estavam com dívidas, o que em si já é ruim, mas que na Antiguidade implicava em sérias restrições sociais; eles estavam emocionalmente abalados, e por isso a expressão “amargurados de espírito”. Em suma: aqueles homens não se encaixavam no padrão geral de vida, e a Caverna de Adulão seria um escape.
A Caverna de Adulão simboliza o refúgio dos marginalizados da sociedade; é o lugar dos excluídos, daqueles que não se identificaram nem se ajustaram a nenhum grupo convencional; daqueles que precisam de auxílio, de atenção, de esperança, de uma palavra nova, sem as conveniências e acomodações da estrutura social.
Toda sociedade civil é organizada a partir de regras, que são jurídicas, políticas, religiosas ou culturais. Essas regras servem para a harmonização do convívio, mas também funcionam, inevitavelmente, como instrumentos de inclusão e exclusão, conforme a sujeição ou não-sujeição a essas mesmas regras.
As regras jurídicas e políticas são fundamentais para o estabelecimento da ordem. Já algumas regras culturais podem ser fruto do preconceito, de costumes arraigados, de formas arcaicas do pensar. Dessa maneira, constantemente estamos incluindo e excluindo pessoas, com base em regras pré-estabelecidas pela cultura, e reproduzidas por nós no cotidiano.
Por isso, excluímos o viciado em drogas, o mendigo, o homossexual, o alcoólatra, a prostituta, o ex-presidiário, enfim, o “diferente”, dependendo de nossas convicções ou experiências pessoais.
Voltando ao texto bíblico, devemos dizer que Davi não era, originalmente, um excluído, mas passou por uma crise que o fez se sentir na condição de excluído. Como fugitivo, tornou-se uma espécie de “persona non grata”, porque seu adversário era ninguém menos que o rei de Israel, e os reis, naquela época, eram a personificação do poder. É como se Davi fosse um perseguido político, um inimigo público número um. Não foi à toa que ele se refugiou na Caverna de Adulão!
De algum modo, os marginalizados viram em Davi um líder, talvez um porto-seguro. Ele fora vocacionado para a liderança, e isso Saul não lhe podia tirar. Mesmo numa caverna, o verdadeiro líder não o deixa de ser. Prova disso é que os apertados, endividados e amargurados tomaram a iniciativa de se ajuntar a Davi, que se tornou seu chefe.
Interessante é que a Caverna de Adulão foi, para aqueles cerca quatrocentos homens, uma sociedade dentro de outra, um reino à parte, certamente com suas regras paralelas. A figura de Davi foi um estímulo especial, que lhes forneceu motivação para uma nova vida, até mesmo para o despertar de talentos escondidos.
O próprio texto chama a Caverna de Adulão de “lugar seguro” (vv. 4,5). “Seguro” em termos de proteção contra os ataques de Saul. Mas, sem forçar o texto, podemos enxergar um outro tipo de segurança – a segurança emocional. Ora, Davi e os seus quatrocentos homens também precisavam de um lugar seguro.
Acontece, porém, que há momento para entrar no lugar seguro e há momento para sair dele. Com efeito, foi o profeta Gade quem orientou Davi a sair da Caverna e entrar na terra de Judá. Sim, Davi saiu da Caverna e foi para um outro lugar, o bosque de Herete (v. 5).
Da caverna para o bosque. Quão necessário é fazer esse trajeto!
Imagino agora os que estão bem quietinhos dentro de uma caverna emocional, lá no cantinho onde ninguém pode ver, no quente e confortável cantinho mais profundo da caverna. Não há barulho, não há contratempos, não há chateações...somente o silêncio e as lembranças.
No entanto, é preciso sair da caverna. Davi não ficou lá para sempre: ouvindo o profeta, foi ao bosque. Quanto a seus companheiros, eles acharam um sentido para viver. A caverna foi um período, representou um tempo, um recorte que não resumiu a existência. A vida estava lá fora, do mesmo jeito, mas eles não eram os mesmos. Alguma coisa havia mudado definitivamente.
Trazendo essa reflexão para os dias atuais, creio que podemos tratar a Igreja como uma Caverna de Adulão. Aliás, existe uma denominação evangélica com esse nome, e muito oportuno, por sinal...
A Igreja de Cristo não deve (ria) reproduzir os preconceitos sociais, a falsa moral-social, os mecanismos escusos de exercício do poder, a injustiça e as desigualdades. A Igreja deve (ria) ser um lugar seguro, um lugar de refúgio, a fim de que os apertados, endividados e amargurados de espírito encontrassem apoio; um lugar para que os líderes perseguidos, como Davi, reencontrassem sua vocação e pudessem respirar um pouco.
[1] ARA.
Davi estava passando por uma fase muito difícil de sua vida. Apesar de rei ungido, não era rei de fato, e sofria perseguição da parte do invejoso e perverso rei Saul. Em sua fuga, ao chegar à terra dos filisteus, em Gate, não pôde ficar ali por muito tempo, porque os servos do rei Aquis logo o alertaram quanto aos feitos de Davi. Assim, depois de se passar por louco, mais uma vez Davi teve que fugir, agora para a Caverna de Adulão.
Já na Caverna, Davi teve uma surpresa. Sem que os chamasse, “ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens” (v. 2).
Observemos as características dos homens que foram se reunir a Davi: eles estavam “em aperto”, ou seja, com problemas variados; eles estavam com dívidas, o que em si já é ruim, mas que na Antiguidade implicava em sérias restrições sociais; eles estavam emocionalmente abalados, e por isso a expressão “amargurados de espírito”. Em suma: aqueles homens não se encaixavam no padrão geral de vida, e a Caverna de Adulão seria um escape.
A Caverna de Adulão simboliza o refúgio dos marginalizados da sociedade; é o lugar dos excluídos, daqueles que não se identificaram nem se ajustaram a nenhum grupo convencional; daqueles que precisam de auxílio, de atenção, de esperança, de uma palavra nova, sem as conveniências e acomodações da estrutura social.
Toda sociedade civil é organizada a partir de regras, que são jurídicas, políticas, religiosas ou culturais. Essas regras servem para a harmonização do convívio, mas também funcionam, inevitavelmente, como instrumentos de inclusão e exclusão, conforme a sujeição ou não-sujeição a essas mesmas regras.
As regras jurídicas e políticas são fundamentais para o estabelecimento da ordem. Já algumas regras culturais podem ser fruto do preconceito, de costumes arraigados, de formas arcaicas do pensar. Dessa maneira, constantemente estamos incluindo e excluindo pessoas, com base em regras pré-estabelecidas pela cultura, e reproduzidas por nós no cotidiano.
Por isso, excluímos o viciado em drogas, o mendigo, o homossexual, o alcoólatra, a prostituta, o ex-presidiário, enfim, o “diferente”, dependendo de nossas convicções ou experiências pessoais.
Voltando ao texto bíblico, devemos dizer que Davi não era, originalmente, um excluído, mas passou por uma crise que o fez se sentir na condição de excluído. Como fugitivo, tornou-se uma espécie de “persona non grata”, porque seu adversário era ninguém menos que o rei de Israel, e os reis, naquela época, eram a personificação do poder. É como se Davi fosse um perseguido político, um inimigo público número um. Não foi à toa que ele se refugiou na Caverna de Adulão!
De algum modo, os marginalizados viram em Davi um líder, talvez um porto-seguro. Ele fora vocacionado para a liderança, e isso Saul não lhe podia tirar. Mesmo numa caverna, o verdadeiro líder não o deixa de ser. Prova disso é que os apertados, endividados e amargurados tomaram a iniciativa de se ajuntar a Davi, que se tornou seu chefe.
Interessante é que a Caverna de Adulão foi, para aqueles cerca quatrocentos homens, uma sociedade dentro de outra, um reino à parte, certamente com suas regras paralelas. A figura de Davi foi um estímulo especial, que lhes forneceu motivação para uma nova vida, até mesmo para o despertar de talentos escondidos.
O próprio texto chama a Caverna de Adulão de “lugar seguro” (vv. 4,5). “Seguro” em termos de proteção contra os ataques de Saul. Mas, sem forçar o texto, podemos enxergar um outro tipo de segurança – a segurança emocional. Ora, Davi e os seus quatrocentos homens também precisavam de um lugar seguro.
Acontece, porém, que há momento para entrar no lugar seguro e há momento para sair dele. Com efeito, foi o profeta Gade quem orientou Davi a sair da Caverna e entrar na terra de Judá. Sim, Davi saiu da Caverna e foi para um outro lugar, o bosque de Herete (v. 5).
Da caverna para o bosque. Quão necessário é fazer esse trajeto!
Imagino agora os que estão bem quietinhos dentro de uma caverna emocional, lá no cantinho onde ninguém pode ver, no quente e confortável cantinho mais profundo da caverna. Não há barulho, não há contratempos, não há chateações...somente o silêncio e as lembranças.
No entanto, é preciso sair da caverna. Davi não ficou lá para sempre: ouvindo o profeta, foi ao bosque. Quanto a seus companheiros, eles acharam um sentido para viver. A caverna foi um período, representou um tempo, um recorte que não resumiu a existência. A vida estava lá fora, do mesmo jeito, mas eles não eram os mesmos. Alguma coisa havia mudado definitivamente.
Trazendo essa reflexão para os dias atuais, creio que podemos tratar a Igreja como uma Caverna de Adulão. Aliás, existe uma denominação evangélica com esse nome, e muito oportuno, por sinal...
A Igreja de Cristo não deve (ria) reproduzir os preconceitos sociais, a falsa moral-social, os mecanismos escusos de exercício do poder, a injustiça e as desigualdades. A Igreja deve (ria) ser um lugar seguro, um lugar de refúgio, a fim de que os apertados, endividados e amargurados de espírito encontrassem apoio; um lugar para que os líderes perseguidos, como Davi, reencontrassem sua vocação e pudessem respirar um pouco.
[1] ARA.
Um comentário:
muito bom e revelador.Todo pregador deveria ler .
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