Numa discussão acerca da melhor interpretação de textos bíblicos, o interlocutor literalista irá dizer: "De minha parte, prefiro ficar com a Bíblia". Na verdade, essa frase significa que ele prefere a interpretação literal da Bíblia, o que é bem diferente de "ficar com a Bíblia".
De fato, o critério da interpretação gramatical é apenas o primeiro, a porta de entrada do exame textual. Depois vêm os critérios da interpretação contextual, sistemática, teleológica (olha a finalidade do texto), histórica, lógica (considera o bom senso).
Tenho para mim que, ao dizer que "a letra mata e o espírito vivifica" (II Co 3.6), Paulo estava se referindo ao espírito do texto, ao sentido, ao fundamento, à sua razão de ser. Observe que "espírito" vem traduzido em algumas versões com letra minúscula (ARA, ARC, por exemplo) - isso deve nos dizer alguma coisa, embora a própria tradução também dependa de interpretação, daquilo que vai na mente do tradutor.
Em minha concepção, "espírito", nesse texto, é o que em Direito nós chamamos de "ratio essendi", e que Montesquieu denominou "o espírito das leis".
Creio até que, culto como era, Paulo pode ter usado seu conhecimento, quem sabe, jus-filosófico para dizer isso, que as pessoas distorcem tanto, achando que ele estava rejeitando o estudo e privilegiando o analfabetismo cristão. Nada mais tacanho!
Um texto não diz só com as palavras. Ele traz consigo o cenário, o contexto histórico, cultural, político, a situação geográfica, a forma literária, a autoria, a data, a ocasião da escrita, os motivos determinantes da redação. Tudo isso importa na interpretação e aplicação textual.
Quem pensar diferente tem que deixar de lado as enciclopédias, os manuais, comentários e dicionários bíblicos, os mapas e atlas, as concordâncias, os programas de informática que auxiliam o leitor da Palavra. É contraditório ser literalista e ao mesmo tempo usar recursos adicionais.
Não estou dizendo que devemos ir além da Palavra de Deus, mas que o estudo da Palavra de Deus exige que ultrapassemos os limites dos meros sinais gráficos, e possamos compreender o sentido e o alcance do texto pelo que ele mesmo oferece. Longe de ir além do texto, mas respeitá-lo, não ficar além nem aquém.
Falaremos disso um pouco mais, se Deus quiser.
Nenhum comentário:
Postar um comentário