quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Silas Malafaia volta aos bons tempos...

O amado leitor não vá se animando muito: o Pr. Silas Malafaia voltou aos bons e velhos tempos, mas não foi, ainda, um retorno à defesa da Fé Evangélica livre de distorções como a Teologia da Prosperidade e sua "lei da semeadura financeira". É que ele voltou à carga com seus dotes de debatedor no Programa do Ratinho, ontem, dia 24 de fevereiro, no SBT (transmitido ao vivo).
O tema do debate era o PLC 122/2006, que, modificando a Lei nº 7.776/89 (Lei do Racismo), a CLT e o Código Penal, incrimina opiniões contrárias ao homossexualismo.
Com seu jeito peculiar, Silas Malafaia foi logo presenteando uma funcionária da produção com um livro, e Ratinho, com uma Bíblia. Estava muito mais preparado que a outra debatedora, ninguém menos que a autora do projeto de lei, a ex-deputada federal Iara Bernardi (PT/SP). Ela chegou a sugerir que Malafaia estivesse nervoso, ao que ele respondeu que seu temperamento não estava em discussão, e, com presença de espírito, emendou: "Eu tenho o estilo do Ratinho: a gente gosta de expressar o que sente e pensa".
Silas Malafaia disse, por exemplo, que ninguém nasce homossexual, pois não há cromossomos que indiquem o homossexualismo; que o projeto de lei busca incriminar discriminações filosóficas; que a aprovação na Câmara se deu um dia antes do recesso parlamentar, com apenas trinta deputados; que os grupos homossexuais não gostam do debate democrático; que se trata de comportamento, e não de traço de origem, como a raça; e que, se alguém tem o direito de não contratar uma babá evangélica para que seus filhos não sejam por ela influenciados, assim também as pessoas podem deixar de contratar uma babá lésbica ante o receio de que seu comportamento possa trazer algum tipo de influência.
Gostei do debate. Aliás, gostei do quase-monólogo, pois a ex-deputada e professora Iara Bernardi deixou muito a desejar.
Quem dera Silas Malafaia voltasse a defender a doutrina como antes...Mas, por ora, fiquemos com o elogio à sua participação ali no programa popular do Ratinho, quando o pastor da Assembleia de Deus na Penha/RJ representou os evangélicos brasileiros.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Elton John, Jesus Cristo e a Igreja Anglicana

Elton John, numa declaração à revista Parade, abriu a boca para dizer que Jesus foi homossexual (19/02/2010). Ele disse: “Eu acho que Jesus era um homem super-inteligente, misericordioso e gay, que entendia os problemas humanos. Na cruz, ele perdoou as pessoas que o crucificaram. Jesus quer que nós sejamos amorosos e que nos perdoemos. Eu não sei o que faz as pessoas serem tão cruéis. Tente ser uma mulher gay no Oriente Médio – você está morto”.
Parece que, na concepção do cantor e compositor britânico, ser gay é algo que se aproxima da misericórdia, do perdão e do amor. Foi uma declaração irresponsável e sem compromisso de uma pessoa assumidamente homossexual que não entende absolutamente nada de teologia. Talvez tenha o objetivo de escandalizar ou simplesmente chamar a atenção, como fez John Lennon, seu patrício, ao afirmar que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo.
Desse súdito da Rainha da Inglaterra eu espero qualquer coisa. Mas o que me fez parar para pensar foi a resposta dada pela porta-voz da Igreja Anglicana, que é a igreja estatal daquele país: "As reflexões de Elton John, de que Jesus nos convoca a amar e perdoar, são compartilhadas por todos os cristãos. Mas as reflexões a respeito de aspectos de Jesus como personagem histórico talvez devam ficar restritas aos acadêmicos".
Eu entendi o que a senhora quis dizer: para ela, investigações sobre o Jesus Histórico devem ficar para os especialistas, enquanto as afirmações consideradas religiosas e evangélicas podem ficar para o senso comum. Todavia, o que se deve frisar não é a legitimidade ou ilegitimidade da pessoa que fala, mas o mérito de suas declarações.
Com efeito, o Jesus Histórico está à disposição de toda pessoa que quiser tratar dele, mas a única fonte confiável de consulta é a Bíblia. Especulações filosóficas e supostamente teológicas podem até fazer muito estardalhaço, mas, sem o crivo das Escrituras, não terão nenhum sentido. São meras palavras ao vento.
Ao afirmar que reflexões sobre o Jesus Histórico devem ser feitas pelos acadêmicos, a porta-voz da Igreja Anglicana passa a impressão de que haveria alguma coisa oculta, não digna de nota, mais palatável para doutores em teologia do que para os leigos. Certamente ela não quis dizer isso, mas a frase crua oferece essa hipótese - se foi mesmo isso o que ela disse!
Já escrevi em outro artigo deste blog que muitas pessoas se interessam mais sobre o que não está escrito na Bíblia do que sobre aquilo que está registrado. Isso porque não entendem a natureza das Escrituras, que têm o propósito de revelar a Salvação da Humanidade em Cristo.
É só.

Vi a notícia em http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL1497734-7084,00.html

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Organizações Globo fazem publicidade preconceituosa

As Organizações Globo têm veiculado na Internet a propaganda de uma promoção chamada Sua Casa é Brother. O mote da campanha publicitária é dar ao assinante da globo.com o direito de concorrer a "tudo o que você vê na casa" do Big Brother Brasil, ou seja, uma série de produtos eletrodomésticos. Mas, ao ouvirmos o locutor dizer que o assinante concorrerá a tudo o que há na casa, surge uma mulher sentada no colo do garoto-propaganda, para o locutor emendar: "Bem, quase tudo".
Quando vi a propaganda, imediatamente percebi o seu tom preconceituoso: para a peça publicitária da globo.com, a mulher é um entre vários prêmios ou objetos contidos na casa em que homens e mulheres desconhecidos exibem suas vidas e seus corpos para todo o Brasil. O assinante terá que se contentar em levar todos os produtos, menos a mulher bonita.
A Rede Globo, principal empresa das Organizações da família Marinho, gosta de se posicionar como politicamente correta, prestadora de serviços de utilidade pública e observadora dos direitos. Todavia, além de transmitir programas em que a mulher é mostrada como um pedaço de carne pronto para o sexo, agora tem numa simples propaganda a confissão expressa do desprezo que dá à condição da mulher.
Quem são os machistas? Quem contribui para o aviltamento da mulher? Quem pavimenta o caminho da indignidade humana, especialmente das minorias? Ora, essa...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Crentes coríntios

Na escola dominical da Assembleia de Deus, estamos estudando neste trimestre a Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios. Hoje falamos sobre II Co 6.11-7.16.
Uma das coisas que me chamaram a atenção foi a informação, colhida na BÍBLIA ANOTADA, de que o termo grego korintianizomai, que significa "viver como um coríntio", era o mesmo que "praticar fornicação". Vemos, pois, como a prática de relações sexuais ilícitas era ligada à população de Corinto - em pensar que ainda na Primeira Epístola à mesma igreja Paulo dizia que nem mesmo entre os gentios se via o relacionamento de um homem com a mulher de seu pai, algo encontrado entre os crentes coríntios!
Cidade da Acaia (Sul da Grécia), situada num istmo entre os mares Egeu e Adriático, Corinto era um porto marítimo de importância comercial. Seus jogos esportivos, os Jogos Ístmicos, só não eram mais importantes que os Jogos Olímpicos. Lá estava o Templo de Afrodite, com capacidade para 20 mil pessoas. Os habitantes de Corinto eram romanos, gregos e orientais. A mentalidade dos cidadãos era povoada de influências gnósticas, pagãs, filosóficas, e das novidades que os viajantes traziam. Havia relativização dos costumes e aquela dualidade gnóstica entre carne e espírito, fonte de muitos males.
É por isso que Paulo afirma em II Co 7.2 que os coríntios deveriam santificar a carne e o espírito - não se trata da existência de pecados da carne e pecados do espírito, mas da necessidade de entender que tanto a carne quanto o espírito devem estar purificados diante de Deus, e não apenas o espírito, como os gnósticos ensinavam.
Há dois movimentos decorrentes do Gnosticismo: ou o gnóstico lança seu corpo a todo tipo de pecado e descuido, já que a matéria, em sua concepção, é ruim; ou adota o ascetismo, com jejuns prolongados, isolamento social, abstenção do sexo e sacrifícios vários.
No livro O que estão fazendo com a Igreja, o Rev. Augustus Nicodemus Lopes diz, no capítulo A alma católica dos evangélicos no Brasil, que os crentes brasileiros são parecidos com os crentes coríntios quanto ao apego a coisas do passado pagão. Trata-se de conversão a Cristo, mas sem amadurecimento na Fé. Para os coríntios, isso significou o gosto por partidarismos, próprio da filosofia grega; a descrença na ressurreição do corpo, devido ao já citado dualismo gnóstico, e muitas outras coisas antigas que ainda ocupavam os corações daqueles nossos irmãos.
Como temos o que aprender com as Epístolas aos Coríntios! O que dizer do abuso dos dons espirituais, da exaltação de falsos apóstolos, da carnalidade de crentes imaturos? Não há nada disso na Igreja Brasileira?

Referências bibliográficas:

A BÍBLIA ANOTADA. The Ryrie Study Bible/ Texto Bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie. Sã o Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1994, 1835pp.


LOPES, Augustus Nicodemus. O que estão fazendo com a Igreja? São Paulo: Mundo Cristão, 2008, 201p).

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Quando ser louco é bom

Em determinada ocasião, os familiares de Jesus O consideraram "fora de si" pelo fato de receber multidões e ficar sem comer para atendê-las (Mc 3.21). Talvez enxergassem nisso algo parecido com megalomania, pois Aquele Seu parente, Seu igual, um simples carpinteiro de Nazaré, galileu como os demais - embora judeu de nascimento - aceitava ser procurado por tantas e tantas pessoas. Essa expressão "fora de si" é eufemismo para louco, alienado.
O apóstolo Paulo, ao discursar diante de Herodes Agripa e do procurador Festo, ouviu deste: "Estás louco, Paulo! As muitas letras te fazem delirar!" (At 26.24). Ele não entendia a profundidade da Verdade Evangélica, e, em sua concepção, aquele pregador só podia estar absolutamente louco. Festo imaginou que Paulo houvesse ficado doente por causa dos muitos estudos...
O mesmo Paulo deve ter sido acusado de loucura por opositores coríntios, já que, em II Co 5.13, ele diz: "...se enlouquecemos, é para Deus; e, se conservamos o juízo, é para vós outros". Ele pode ter experimentado algum êxtase não compreendido, a narrativa de sua experiência de conversão pode ter sido alvo de críticas (cf. At 9.1-9; 22.1-21; 26.1-26), ou qualquer outra coisa pode ter ocorrido em sua vida sem a compreensão de todos.
Em I Co 1.18-25 e 2, Paulo trata da loucura de Deus, que é mais sábia que a sabedoria dos homens (I Co 1.25). Ele diz que "o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura" (I Co 2.14). As coisas espirituais são comunicadas pelo Espírito Santo, não podendo ser alcançadas pela mente humana. Por isso precisamos da fé, um dom de Deus (Ef 2.8), a fim de recebermos a mente de Cristo (I Co 2.16).
As pessoas costumam chamar de loucura o que não entendem. Não raro, gênios são chamados de loucos, e comportamentos diferentes são classificados como "anormais". O que não tem explicação racional passa a ser loucura, alienação, sandice.
Vejamos bem: se o SENHOR Jesus e o apóstolo Paulo foram tidos como loucos, por que nos chatearíamos nós se a sociedade não nos entendesse? Somos diferentes, não somos? Pregamos uma Palavra que não se pode aceitar sem fé (cf. Hb 11.6).
Fico imaginando o que disseram os homens pré-diluvianos a respeito de Noé, construtor de uma suposta engenhoca sem propósito. Sua obediência certamente passou por loucura. Impressão semelhante alguém deve ter experimentado acerca de Elias e de João Batista, fiéis cumpridores de sua vocação, mas, aos olhos do mundo, andarilhos do deserto, desconectados com a realidade.
E o que dizem de nós, crentes evangélicos? Pregamos que Deus enviou Seu Filho para morrer pelos pecados da Humanidade, devido ao Seu amor incomparável e incompreensível. Pregamos que é necessário arrependimento pela fé para que os pecados sejam perdoados. Pregamos que Jesus voltará para buscar Seu povo, a fim de levá-lo aos Céus, onde estará sempre com o SENHOR. Pregamos que existem dois caminhos - o estreito e o largo -, o Céu e o Inferno, a bênção e a maldição, o pecado e a justiça, o bem e o mal, o fruto do Espírito e as obras da carne, a luz e as trevas, a presença de Deus e o vazio total, a Salvação Eterna e a Perdição Eterna. E alguns de nós ainda falam em línguas desconhecidas!
Portanto, existe um tipo de loucura que é muito positivo. Essa é a loucura de quem recebeu a fé em seu coração, e por isso entendeu, como o Paulo Cézar, do Grupo Logos, que "a razão está na fé".
Deus seja glorificado para sempre e sempre.





domingo, 14 de fevereiro de 2010

Ministério reativo

Preocupa-me a ideia de que muitos líderes cristãos, blogueiros entre eles, passem a maior parte de seu ministério reagindo a heresias e problemas...
Tudo bem, eu sei que a Teologia de Paulo, encartada em suas Epístolas, não é tão sistemática, mas produzida em resposta a problemas morais, espirituais e doutrinários das igrejas. Como diriam os penalistas, era uma teologia "fragmentária". De toda maneira, ele escreveu mais sistematicamente em Romanos e Gálatas, e eu estou para arriscar que Lucas, seu amigo, escreveu o Evangelho e Atos como que numa sistematização evangélica e histórica dos pensamentos paulinos. No mais, as Epístolas de Paulo fornecem boa doutrina e teologia profunda no contexto da problemática missionária e eclesiástica. Mesmo em sua teologia responsiva, Paulo não deixava de transmitir teologia.
E nós? Temos produzido boa teologia?
Enquanto nos açodamos a tratar de temas internos de nossas igrejas ou de heresias variadas, prossegue doutrinando o pessoal da Teologia da Prosperidade, da Confissão Positiva, do Movimento Judaizante, das seitas gnósticas, da angelolatria, do falso pentecostalismo. Eles criam doutrinas, produzem seus livros e músicas, inventam muitas coisas, e nós muitas vezes vamos estudar o que eles fizeram para depois criticar em nossos espaços, não raro para leitores e ouvintes que já concordam conosco!
É importante criticar comportamentos desviantes, mas há que se ter mais do que reação. Se essas heresias pululam e chamam a atenção do povo, por que isso acontece? Por que as igrejas heréticas são repletas de gente? Por que as igrejas sérias diminuem? Será esse o nosso chamado? Somos "pequenino rebanho" em número também? Temos que nos contentar com isso? É sinal dos tempos sermos profetas no deserto?
Será que a nossa teologia não precisa de uma renovação? Não me refiro a "novas revelações", pois defendo a tradição apostólica. Abomino essa tese de "nova unção", profecias para "esta geração", inovações absurdas. Defendo apenas a Palavra de Deus. Mas, como a Palavra é tão rica e maravilhosa, será que não devemos buscar uma renovação de nossas ideias para fazer novas perguntas, que, depois, demandarão novas respostas?
Já disse neste espaço que gosto de uma teologia que faz perguntas. Sim, precisamos ir além do lugar-comum. Temos o Movimento Pentecostal, temos o Pensamento Reformado, temos o Evangelicalismo, temos a Missão Integral, e de tudo isso podemos extrair coisas valiosíssimas. Entende o que digo?
Não é preciso reinventar a roda, mas examinar o que a Bíblia diz sobre temas polêmicos, importantes ou confusos, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo para garantia de direitos, o divórcio e segundo casamento entre cristãos, o tratamento eclesiástico de novas formas familiares (monoparental, por exemplo), os desafios das redes sociais e das novas tecnologias para a pregação cristã, a relação com as demais religiões, os atributos de Deus, a Trindade, a era pré-adâmica (por que não?), a relação do aquecimento global com a Escatologia, e tantas coisas mais.
Se eu estiver errado ou com uma visão parcial da situação, o (a) leitor (a) me corrija. Este texto, como seu autor, não está completo. Aceito sugestões e informações. Este texto não é mais que uma provocação.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Mais um discurso "religioso" que não pode passar em branco

O agora preso e afastado governador José Roberto Arruda (sem partido; ex-DEM) está abatido, dizem. Comeu arroz, feijão, batata e bife. Recebeu visitas. Passa o tempo lendo. Não teria conseguido dormir essa noite. Espera o julgamento do mérito do habeas corpus pelo STF, tendo sido negado o pedido liminar. Vai passar o Carnaval na cadeia - bem, não é exatamente uma cadeia a sala da Diretoria Técnico-Científica da Superintendência da Polícia Federal... Mas, nesse contexto político-penal que acompanhamos pelos jornais, o discurso religioso do governador é uma coisa interessante.
Já comentamos aqui, em outra postagem, a declaração de Arruda no sentido de que perdoara todos os seus inimigos, para que pudesse obter o perdão de seus pecados. Outro dia, vejam só, ele disse que um dia poderá afirmar, como o apóstolo Paulo: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé". Depois, foi preso, no que aparentemente se parece com Paulo. Mas há diferenças!
Paulo foi preso sob acusações infundadas de opositores judeus que não aceitavam a disseminação do Evangelho. Viam em Paulo um perigo para suas pretensões, embora ele jamais tenha cometido crimes - refiro-me ao período posterior ao encontro com Cristo. Já o governador Arruda, é certo que ainda não foi julgado, mas sua prisão preventiva se deve à necessidade de preservar a instrução penal, já que existem fortes elementos de que estaria tentando corromper uma testemunha, para o que há provas como bilhete de sua lavra, depoimento da testemunha, depoimento de um dos intermediários e um vídeo bombástico, depois de tantos vídeos mostrados pela Operação Caixa de Pandora.
Sempre que políticos em aperto com a Justiça usam palavras bíblicas eu fico pensando na questão da inconveniência. Eles conseguem mesmo fazer isso? Citar Paulo para quê? Para mostrar religiosidade?
Esse é um típico exemplo de coisa fora do lugar.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Para quem eles entregam a chave da cidade em que vivo?

Para mim e para muitas outras pessoas, esse período do ano é meio chato: na TV aberta quase nada se aproveita - o que não é incomum; as ruas ficam ainda mais inseguras, barulhentas, cheias de gente bêbada e sem compromisso com nada; tudo passa a girar em torno de uma festa. É claro que estou me referindo aos dias destinados às festas carnavalescas...
Aqui na Bahia, principalmente em Salvador, a coisa é muito pior. Além do ambiente festivo que dura o ano inteiro, vem o Carnaval como espécie de ápice de todas as festas, começando oficialmente na quinta-feira e terminando na quarta seguinte. Sei que se trata de uma indústria cultural, turística e musical em que inúmeras pessoas trabalham, mas a cidade para devido a uma festa promíscua, violenta e alcóolica, que afeta a todos irremediavelmente.
Não poderia deixar de ser assim, já que a chave da cidade de Salvador, por exemplo, é entregue ao Rei Momo, um homem geralmente obeso que representa o desvario dos dias de festa - e é dessa forma que começa o Carnaval.
Na verdade, essa figura inspira-se no Rei Momo da mitologia grega, em que o Momo era o deus da loucura e da zombaria. Com a entrega da chave ao "dono do Carnaval", é como se tudo ficasse liberado à desordem, às fantasias, à loucura, ao escárnio. É como se a cidade fosse dominada, nesses dias, pelo deus da bagunça.
Essa é a ideia do Carnaval: homens heterossexuais vestem-se de mulher; gente considerada séria faz extravagâncias; tudo fica liberado, como que justificado, até a quarta-feira em que as cinzas na testa, colocadas pelo padre, darão perdão aos pecadores "penitentes". Não é por acaso que o calendário católico tem no Carnaval o termo a quo (termo inicial) para a contagem do período de Quaresma, até a Páscoa, incluindo a chamada "Semana Santa". Nesse lapso temporal, os foliões irão se "purificar" dos pecados que em fevereiro, a cada ano, voltam a cometer. É mais ou menos isso.
Em Salvador somos dois milhões e novecentos mil habitantes disputando um dos territórios com maior densidade demográfica no Brasil. É pouco chão para tanta gente. E quantos pulam no Carnaval? Mais de dois milhões, entre baianos e turistas.
O que pessoas como eu, que detestam Carnaval, fazem nesses dias? Muitos vão a retiros programados por suas igrejas. Minha esposa alugou cinco filmes, já que estaremos praticamente impedidos de sair de casa!
Na televisão, não se fala em outra coisa. Pelo menos deu tempo de o governador José Roberto Arruda ser preso e deixar o governo do Distrito Federal antes do Carnaval começar - aqui em Salvador já estava para ter início oficial...
Fico pensando na situação do prefeito, que é evangélico e, mesmo assim, precisa, como dever de ofício, gerenciar essa festa. E, com certeza, não poderia se furtar a esse papel, já que chefia o Poder Executivo de uma cidade que se considera a melhor do mundo em termos de festa carnavalesca e que se orgulha imensamente de seus ritmos, circuitos, trios elétricos, bandas, folias.
Sinto-me um estrangeiro aqui. É como se a cidade, tão acolhedora, não me acolhesse. Não sou folião, não gosto dessa festa, e a cidade vive, respira e pede por festa e mais festa. Somos, eu e a cidade, muito diferentes. Mas isso é claro: se sua chave, Salvador, é entregue ao Rei Momo, como posso eu não me sentir um forasteiro?
P.S.: apesar disso, Salvador tem coisas maravilhosas, seja nas lindas paisagens, seja no riquíssimo patrimônio histórico e cultural, seja, ainda, na alegria do seu povo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

De piadas prontas

O José Simão, com seu personagem "Macaco Simão", da Folha de São Paulo e do UOL, brinca com a sua tese de que o Brasil é "o país da piada pronta". Às vezes a gente depara com situações em que essa tese parece se confirmar.
Certo dia, num supermercado, eu e minha esposa vimos o seguinte livro à venda: A Felicidade Conjugal seguido de O Diabo (Editora L&PM Pocket). É um livro com duas obras do escritor russo León Tolstói (1828-1910), autor de Guerra e Paz, trazendo A Felicidade Conjugal e O Diabo. Mas ficou estranho - felicidade conjugal seguida do Diabo? Nem mesmo a questão da concordância nominal (felicidade/seguido) impede essa observação imediata, devido ao que se diz dos casamentos infelizes, em que Deus não tem a primazia.
Referida editora ainda tem: O coronel Chabert seguido de A mulher abandonada (Balzac) - a mulher devia estar abandonada mesmo! Enquanto há a felicidade conjugal seguida pelo Diabo, há um coronel seguido por uma mulher abandonada...
Para muitos, pode ser assim mesmo: vem a felicidade dos enamorados seguida pelos problemas da rotina considerada chata, da perda do amor ou da quebra de confiança, coisas nada parecidas com as declarações iniciais dos nubentes.
Mas não foi só isso. Ontem à noite, pesquisando em sites de editoras, vi o título Como conviver bem com as pressões esgotado. Estava escrito assim mesmo, pois não havia nenhuma pontuação entre "pressões" e "esgotado". Na verdade, a obra, publicada pela Editora Betânia e de autoria de Richard A. Swenson, chama-se Como conviver com as pressões, e o "esgotado" quer dizer que a obra não tem mais exemplares à venda. Mas, do jeito que estava escrito, ficou engraçado - como conviver bem com as pressões se a pessoa está esgotada?
Dessa forma, seja num título bem escrito, porém pego pelas coincidências, seja por um pequeno e nada importante detalhe de ortografia num portal na internet, as coisas ficam engraçadas.
Sei lá, creio que eu e minha esposa somos muito observadores. Talvez haja muito mais piadas prontas do que imaginamos, a depender de quem olha e da área de interesse de cada um.
Não sei como concluir essa postagem. Está aí outra piada pronta: o camarada reúne duas informações e não sabe como arrematar o artigo...Mas o pior seria eu inventar aqui uma conclusão só para justificar a postagem, e, sinceramente, eu quis apenas referir essas coisas curiosas que vi.
Fica sem conclusão mesmo.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Estudos sobre Herodes (8) - A esposa piedosa do procurador de Herodes

Vemos em Lc 8.1-3 que "algumas mulheres" acompanhavam Jesus em Sua jornada evangelística por cidades e aldeias da Galileia, as quais "prestavam assistência com os seus bens". Uma dessas mulheres era Joana, "mulher de Cuza, procurador de Herodes". Outra era Suzana, e outra, ainda, era Maria, de Magdala, da qual haviam sido expelidos sete demônios.
Com a ajuda da BÍBLIA ANOTADA, fico sabendo que o cargo de "procurador de Herodes" era "uma posição elevada que envolvia a gerência das finanças do rei Herodes (p. 1823).
A BÍBLIA DE JERUSALÉM ressalta o fato de se tratar da "companhia feminina de Jesus", anotação colocada antes de Lc 8.1 (p. 1801).
Vê-se claramente que essas mulheres financiavam o trabalho de Jesus, como explicam os seguintes comentários:

"Estas mulheres ajudavam a financiar o ministério de Cristo" (A BÍBLIA ANOTADA, p. 1283).

"Lucas descreve um aspecto no ministério do Senhor, durante este período [de missão na Galileia], que não é mencionado em nenhuma outra parte. Ele e os doze formaram um grupo viajante, indo de um lugar para o outro com a mensagem do reino de Deus; outro grupo, composto por mulheres de bens, providenciavam o necessário para que eles fossem recebidos e mantidos (1-3). Esse grupo de mulheres seguiu a Jesus até a Cruz (vide 23:49)" (O Novo Comentário da Bíblia, p. 1038).

De fato, conta-nos Lucas (23.49) que "todos os conhecidos de Jesus e as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia permaneceram a contemplar de longe estas coisas [relacionadas à Sua morte]".
E mais:

"1 Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que haviam preparado.
2 E encontraram a pedra removida do sepulcro;
3 mas, ao entrarem, não acharam o corpo do Senhor Jesus.
4 Aconteceu que, perplexas a esse respeito, apareceram-lhes dois varões com vestes resplandecentes.
5 Estando elas possuídas de temor, baixando os olhos para o chão, eles lhes falaram: Por que buscais entre os mortos ao que vive?
6 Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galiléia,
7 quando disse: Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos de pecadores, e seja crucificado, e ressuscite no terceiro dia.
8 Então, se lembraram das suas palavras.
9 E, voltando do túmulo, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os mais que com eles estavam.
10 Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; também as demais que estavam com elas confirmaram estas coisas aos apóstolos.
11 Tais palavras lhes pareciam um como delírio, e não acreditaram nelas.
12 Pedro, porém, levantando-se, correu ao sepulcro. E, abaixando-se, nada mais viu, senão os lençóis de linho; e retirou-se para casa, maravilhado do que havia acontecido" (Lc 24.1-12).

Vê-se em Lc 24.10 menção expressa de Joana, esposa do procurador de Herodes, como uma das mulheres que a) testemunharam a morte de Jesus; b) viram onde o corpo de Jesus foi sepultado; c) prepararam aromas para o corpo de Jesus; d) guardaram o sábado; e) se dirigiram ao túmulo de Jesus para perfumar Seu corpo; f) viram o túmulo vazio; g) se assustaram com a presença dos dois anjos; h) lembraram das palavras de Jesus acerca dos eventos de Sua iminente morte e ressurreição; i) e foram contar tudo aos apóstolos e aos que com eles estavam reunidos.
Ora, a mulher do procurador de Herodes estava entre as servas de Jesus Cristo? Como pode? Não disse a Teologia da Libertação que Jesus fez a "opção pelos pobres"? Pode mesmo uma pessoa assim ser sincera em sua confissão de fé?
Essas perguntas podem parecer infantis, mas há pessoas que não acreditam na conversão de mulheres de procuradores. Pensam que o Evangelho é apenas para os pobres, para os descamisados, para os miseráveis, para os fracos e oprimidos. Com isso, afastam o Evangelho dos ricos, dos poderosos, dos dominadores, dos endinheirados deste mundo. E o Evangelho é para todos, ricos e pobres, homens e mulheres.
Na realidade, o Evangelho de Lucas é reconhecido por sua ênfase na Salvação de pessoas variadas: crianças, pobres, ricos, gentios, mulheres, samaritanos. Não é preciso ser judeu, nem pobre, nem sacerdote, nem homem.
Aquela senhora chamada Joana não se encaixaria no perfil médio dos evangélicos brasileiros: era rica, bem posicionada socialmente e ligada ao poder. Jesus não a rejeitou. Jesus não rejeita a ninguém, nem mesmo por ser ela a esposa de um alto funcionário de Herodes Antipas, a "raposa" que mataria João Batista.
Gosto de saber que Joana se converteu a Cristo. Que mulher! Ela conseguiu se desvencilhar do pensamento dominante e não se deixou levar pelo partido dos herodianos, bajuladores do rei (como vimos no estudo anterior). A senhora Joana foi liberta das trevas criadas pelo "deus deste século", que é Satanás (cf. II Co 4.4). Jesus a libertou, como faz todos os dias com mulheres e homens ao redor do mundo.
Amém.

Referências bibliográficas:


A BÍBLIA ANOTADA. The Ryrie Study Bible/ Texto Bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie. Sã o Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1994, 1835pp.


BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Bible de Jérusalem, edição de 1998, publicada sob a direção da "École biblique de Jérusalem". Edição em língua francesa. São Paulo: Paulus, 2002, 2206pp.

O NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA. SHEDD, Russell P. (editor em português). São Paulo: Edições Vida Nova, V. II, 1963, 1487pp.


Estudos sobre Herodes (7) - Os herodianos

"Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodianos, contra ele, em como lhe tirariam a vida".
(Mc 3.6)

Nos tempos de Jesus, havia diversos partidos e seitas entre os judeus: fariseus, saduceus, essênios, zelotes e...os herodianos. Estes últimos eram adeptos do poder político da Dinastia Herodiana e dela se beneficiavam.
Enquanto os demais partidos ou seitas se baseavam em argumentos religiosos, os herodianos eram apenas um grupo político. O que eles pretendiam era simplesmente aproveitar as benesses que Herodes lhes podia conceder. Tratava-se, pois, de um grupo de lobistas, por assim dizer.
No versículo em tela, os fariseus se uniram a seus inimigos herodianos a fim de se endenterem sobre a morte de Jesus porque Ele havia curado no sábado, o que, na concepção deles, constituía violação à Lei Mosaica.
Note-se que os fariseus não se davam com os herodianos. Fariseu (="separado") era o membro de um partido político-religioso de matiz nacionalista que surgira com o objetivo de manter os costumes judaicos isentos da contaminação helenística (=grega). Já os herodianos eram "entreguistas" (NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA, p. 993). Mas ambos os grupos estavam certos de que Jesus não podia viver.
Para os fariseus, Jesus não podia viver porque violava a Lei de Moisés. Para os herodianos, Jesus era uma ameaça ao status quo.
Vejamos outra passagem em que herodianos e fariseus se encontram, e que se acha em Mt 22.15-22, com paralelos em Mc 12.13-17 e Lc 20.20-26:

"15 Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma palavra.
16 E enviaram-lhe discípulos, juntamente com os herodianos, para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens.
17 Dize-nos, pois: que te parece? É lícito pagar tributo a César ou não?
18 Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas?

19 Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe um denário.
20 E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição?
21 Responderam: De César. Então, lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
22 Ouvindo isto, se admiraram e, deixando-o, foram-se".


Nesse episódio, nacionalistas e entreguistas usaram, não um motivo religioso, como o sábado, mas um tema eminentemente político para capturar Jesus em algum tropeço. Vejamos o que o NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA traz a esse respeito:

"Os herodianos (16). Membros do partido que favorecia à dinastia de Herodes e apoiava a autoridade romana. Seu interesse na religião era mínimo e geralmente eles se opunham amargamente aos fariseus. O recado deles, citado no vers. 16, era insincero, cheio de palavras hipócritas e lisongeiras (sic). A finalidade da pergunta no vers. 17 era embaraçar o senhor. Se ele respondesse afirmativamente, seria denunciado perante o povo como traidor. Respondendo negativamente, podia ser denunciado às autoridades romanas" (p. 975).

Confiram-se também as anotações da BÍBLIA DE JERUSALÉM acerca dos herodianos:

"Partidários da dinastia de Herodes (Mc 3,6+), expressamente escolhidos para que fossem transmitir à autoridade romana a declaração hostil a César que, como esperavam, Jesus devia pronunciar" (p. 1743).

"É preciso reconhecer aos herodianos algo mais do que simples funcionários; são judeus políticos, zelosos pela casa de Herodes Antipas, tetrarca da Galileia (cf. Lc 3,1+), e com influência junto a ele" (cf. Mt 22.16+).

Há, ainda, que se observar o que diz a BÍBLIA ANOTADA:

"...os herodianos. Um partido judaico que favorecia a dinastia dos herodianos, defendiam 'a paz a qualquer preço' e uma convivência pacífica com os romanos" (p. 1218).

De uma forma ou de outra, queriam eles pegar Jesus em falta, mas isso não foi possível, pois Jesus é Sábio e com Ele mora toda a Sabedoria. Jamais foi pego em qualquer palavra, porque jamais pecou com os lábios, nem tampouco disse alguma coisa sem pensar. Além disso, Jesus mostrava com Sua resposta que é possível obedecer a Deus e ao Estado desde que não haja interferências indevidas.
De fato, uma coisa é a obediência e submissão às autoridades constituídas, no sentido de ordem jurídico-política (cf. Rm 13.1-7; I Tm 3.1-3; I Pe 2.11-17). Outra coisa, bem diferente, é a conivência com pessoas investidas de autoridade, em busca de favorecimento pessoal - algo procurado pelos herodianos.
Frise-se bem: ao afirmar que se deve dar "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22.15-22; Mc 12.13-17 e Lc 20.20-26), Jesus declarou a separação entre a Religião e a Sociedade Política, fornecendo o princípio da laicidade do Estado. Jesus não avalizaria a construção de uma sociedade secularizada - que vive como se Deus não existisse. Mas aprova integralmente a distinção entre a órdem sócio-política e a esfera espiritual.
Quando o apóstolo Paulo afirma que devemos ser sujeitos às autoridades (Rm 13.1), ele não está se referindo à pessoa em si, mas ao princípio de autoridade, pois no contexto ele menciona a finalidade para a qual a autoridade existe: promoção do bem, castigo dos maus. Tem-se aqui o primado da impessoalidade da administração pública.
Os herodianos faziam política, sim, mas de maneira errada: eles eram clientelistas, politiqueiros, pragmáticos. Interessava-lhes o poder pelo poder, e não como elemento dotado de função social (promoção do bem de todos).
Quando, em nossos dias, a Igreja procura benefícios junto a políticos e grupos políticos sem atentar para os princípios da impessoalidade, laicidade e autoridade, ela está se aproximando do partido de Herodes. Quando a Igreja entrega seus caminhos ao SENHOR e se submete à ordem jurídica naquilo que não contraria a Lei de Deus (At 4.19,20), ela está sendo parecida com Jesus Cristo.
É curioso falar de fé e não esperar em Deus. Proclamar fé em Deus e procurar favores políticos é um pecado social.


Referências bibliográficas:

A BÍBLIA ANOTADA. The Ryrie Study Bible/ Texto Bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie. Sã o Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1994, 1835pp.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Bible de Jérusalem, edição de 1998, publicada sob a direção da "École biblique de Jérusalem". Edição em língua francesa. São Paulo: Paulus, 2002, 2206pp.

O NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA. SHEDD, Russell P. (editor em português). São Paulo: Edições Vida Nova, V. II, 1963, 1487pp.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Estudos sobre Herodes (6) - "Dizei àquela raposa"

Herodes, o Grande, matou criancinhas de dois anos para baixo. Seu filho Arquelau, por ser tão ruim, deu ensejo a que a família de Jesus fugisse para o Egito. Herodes Antipas, irmão de Arquelau, ordenou a prisão e a execução de João, o Batista. Vimos tudo isso nos estudos precedentes. Agora, mais uma vez surge Herodes Antipas, mencionado por alguns fariseus diante de Jesus de Nazaré.
Leiamos o texto de Lc 13.31-35:

"31 Naquela mesma hora, alguns fariseus vieram para dizer-lhe: Retira-te e vai-te daqui, porque Herodes quer matar-te. 32 Ele, porém, lhes respondeu: Ide dizer a essa raposa que, hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei. 33 Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém. 34 Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes! 35 Eis que a vossa casa vos ficará deserta. E em verdade vos digo que não mais me vereis até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!".

É bem possível que essa fala dos fariseus não fosse coisa boa. Podia ser um recado do próprio Herodes a fim de que Jesus deixasse aquelas terras da Galileia e não mais "atrapalhasse" os planos do tetrarca - vendo, quem sabe, em Jesus um agitador político.
Com efeito, "ao se completarem os dias em que devia ser assunto ao céu, [Jesus] manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém" (Lc 9.51). Por isso saiu da Galileia, passando por aldeias e cidades (Lc 13.22), dentre as quais, ainda na Galileia, estavam Betsaida, Corazim, Cafarnaum e Nazaré (veja Lc 10.13-16 e Mt 11.20-24).
Jesus não Se intimidava. De imediato, retornou o recado a Herodes, num estilo formidável: "Dizei àquela raposa". Gosto desse versículo. Jesus não Se iludia com a figura de Herodes. Era ele uma raposa, metáfora para pessoa traiçoeira, cheia de artimanhas, que não se revela. O que Herodes pretendia era se livrar do Homem que falava com autoridade, Homem de quem se dizia que operava milagres extraordinários. É claro que uma pessoa com esse perfil causa tremor nos poderosos. Herodes imaginava quão poderosa poderia ser a influência de Jesus sobre os súditos da tetrarquia.
E o recado de Jesus consistiu em dizer a Herodes que estava controlando as etapas de Sua missão: hoje expulso demônios, amanhã curo enfermos e ao terceiro dia tudo terminarei (consumarei). Há aqui um jogo de palavras: ao mesmo tempo em que afirma Sua total capacidade de controlar a missão, Jesus dá uma pista para a Ressurreição, que ocorreria ao terceiro dia.
Ora, quem disse que Jesus foi assassinado num acidente de percurso? Quem disse que Jesus foi um coitado incompreendido que tinha medo da morte? Quem disse que Jesus não deveria ter morrido nas circunstâncias em que morreu? Quem pensa assim, quem acredita que Jesus não deveria ter morrido, não entendeu absolutamente nada da mensagem evangélica!
Se Herodes tinha em mente que Jesus estava em suas mãos, o recado que deveria ouvir era no sentido oposto: Jesus controlava não só o tempo de Sua missão, mas também o lugar - tinha que ser em Jerusalém, onde muitos profetas tinham sido executados. Importava morrer em Jerusalém para morrer como Profeta de Deus.
Tempo, espaço e acontecimentos estavam sob o controle de Jesus, já que Ele mesmo citou o que os judeus diriam em Sua chegada a Jerusalém: "Bendito o que vem em nome do SENHOR" (Mt 21.1-11; Mc 11.1-11; Lc 19.28-40; Jo 12.12-15).
É isso aí.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Estudos sobre Herodes (5) - A execução de João, o Batista

Estou apreciando estudar a Dinastia de Herodes e as passagens bíblicas em que ela está de alguma forma envolvida. Tem sido um bom exercício teológico palmilhar as páginas das Escrituras usando como "pretexto" algumas de suas personagens.
Curiosamente, comecei esses estudos porque desejava tratar do Herodes que morreu sem dar glórias a Deus, mas me senti inseguro para tratar desse personagem. Com os estudos historiográficos, isso se tornou mais fácil e proveitoso.
Chegamos agora ao texto de Mt 14.1-12, que tem paralelos em Mc 6.14-29 e Lc 9.7-9. Vejamos o texto de Mt 14.1-12:

"1 Naquele tempo ouviu Herodes, o tetrarca, a fama de Jesus, 2 E disse aos seus criados: Este é João o Batista; ressuscitou dos mortos, e por isso estas maravilhas operam nele. 3 Porque Herodes tinha prendido João, e tinha-o maniatado e encerrado no cárcere, por causa de Herodias, mulher de seu irmão Filipe; 4 Porque João lhe dissera: Não te é lícito possuí-la. 5 E, querendo matá-lo, temia o povo; porque o tinham como profeta. 6 Festejando-se, porém, o dia natalício de Herodes, dançou a filha de Herodias diante dele, e agradou a Herodes. 7 Por isso prometeu, com juramento, dar-lhe tudo o que pedisse; 8 E ela, instruída previamente por sua mãe, disse: Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João o Batista. 9 E o rei afligiu-se, mas, por causa do juramento, e dos que estavam à mesa com ele, ordenou que se lhe desse. 10 E mandou degolar João no cárcere. 11 E a sua cabeça foi trazida num prato, e dada à jovem, e ela a levou a sua mãe. 12 E chegaram os seus discípulos, e levaram o corpo, e o sepultaram; e foram anunciá-lo a Jesus".

Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, e tetrarca da Galileia (e da Pereia) herdou de seu pai o caráter mau. Ao ver que Jesus de Nazaré operava maravilhas, acreditou que se tratava de João Batista ressuscitado, atribuindo, então, as suas "forças miraculosas" ao fato de ter ressurgido de entre os mortos. Digna de nota é a superstição do governante, aliada à segurança com que ele parece ter explicado os milagres de Jesus aos seus servidores. Em vez de investigar a origem do poder de Jesus, Herodes tinha sua tese própria.
Marcos e Lucas anotam que "alguns diziam" que João ressuscitara e que nele operavam "forças miraculosas". Para outros ainda, tratava-se de Elias ou de um profeta como todos os demais, um ou outro ressurgido dentre os mortos.
Percebe-se o grau de espiritualismo daquelas pessoas que assessoravam Herodes. João Batista? Elias? De onde eles tiravam aquelas conclusões a respeito de Jesus?
Mateus faz uma espécie de flashback para esclarecer como João morrera: Herodes havia mandado prender João por causa de Herodias, mulher com quem se relacionava, mas que era esposa de Herodes Filipe, um de seus irmãos - que não se pode confundir com Filipe, o tetrarca (veja o primeiro estudo desta série). Sendo assim, João não estava preso por causa de seu discurso genérico de arrependimento de pecados, mas pela afirmação particular de que não era lícito a Herodes relacionar-se com a mulher de seu irmão.
O objetivo de Herodes era mesmo matar João Batista, o que não fazia com medo de uma revolta popular, já que o povo tinha João como profeta. Marcos também afirma que o próprio Herodes sabia ser João "justo e santo", e que o escutava "de boa mente". Mas, como Herodias pretendia ver o profeta morto de qualquer jeito, aproveitou-se da situação descrita no texto, e, dessa forma, obteve a cabeça do profeta numa bandeja.
Sim, isso mesmo: Herodias havia planejado tudo. Com a dança - seguramente provocante - da sua filha, exatamente no aniversário de Herodes, Herodias conseguiu arrancar do tetrarca a promessa de dar tudo o que a moça quisesse. Essa foi a oportunidade que a perversa mulher esperava, pois o tetrarca não revogaria um juramento feito diante dos altos dignitários, de oficiais militares e dos principais da Galileia - figuras presentes à festa, de acordo com Lucas.
Deparamo-nos, portanto, com as seguintes personagens: um governante orgulhoso e adúltero, uma mulher adúltera e cruel, uma moça de comportamento sensual, controlada pela mãe, e um profeta de Deus.
Ao deparar com Herodias, recordo de outras mulheres terríveis mencionadas na Bíblia: a) a mulher de Potifar, que acusou José injustamente de sedução, por ele não ter cedido à sua provocação sexual; b) Dalila, que envolveu Sansão em seus enlaces sexuais; e c) Jezabel, que controlava o fraco marido Acabe e que preparou a execução de Nabote, além de perseguir os profetas do SENHOR.
A mulher de Potifar, Dalila, Jezabel e Herodias - que quarteto infernal! Mas não menos pecadores foram os homens por elas influenciados!
Com a morte de João Batista, o que poderiam os seus discípulos fazer? Humildemente, foram sepultar o seu corpo, depois do que o anunciaram a Jesus. Era a morte de um santo homem de Deus (veja nosso estudo "João Batista, o precursor de Cristo", neste blog).
Uma das coisas que mais me chamam a atenção neste texto é que a morte de João Batista foi ensejada por uma questão particular, e não por causa das suas pregações de âmbito geral. Diferentemente de Jesus, que foi acusado (falsamente) de querer destruir o Templo ou de incitar uma sedição, João foi assassinado por ter acusado o governante de adultério - especialmente agravado por se tratar de sua cunhada.
João Batista enfrentou as estruturas de poder de sua época. Herodes Antipas e Herodias pensaram ter vencido a voz de João por tê-lo decapitado. Não sabiam que a vitória verdadeira não se dá neste plano material.

Nota: A ilustração é de GUSTAVE DORÉ. Veja sua apresentação a seguir: "O artista francês Gustave Doré (1832-1883) produziu centenas de ilustrações de qualidade sobre histórias bíblicas em sua vida. Essas ilustrações eram usadas nas Bíblias em muitos idiomas na Europa do século 19 e depois nas Américas. Muitos mestres produziram obras artísticas como essas para ilustrar temas bíblicos, e Doré estava entre os mais famosos deles.
O estilo realista de Doré deu nova vida a essas histórias reais. Séculos de mosaicos, frescos e relevos em pedra, com sua iconografia precisa, juntamente com impressões em blocos de madeira (lembrando das auréolas sempre presentes em alguns objetos em particular) caricaturaram muitas histórias da Bíblia nas mentes dos crentes. Entretanto, os locais e pessoas retratadas por ele parecem reais. O trabalho de Gustave Doré (e sua licenciosidade artística) foram criticados por alguns em seus dias, mas essas ilustrações resistem ao tempo como boas representações físicas de eventos bíblicos importantes".




terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Estudos sobre Herodes (4) - Rei morto, rei posto

Vimos até agora uma introdução histórica à Dinastia de Herodes, o encontro de Herodes Magno com os sábios do Oriente e o genocídio determinado contra criancinhas indefesas. Deparamo-nos com o texto de Mt 2.19-23, como segue:

"19 Tendo Herodes morrido, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e disse-lhe: 20 Dispõe-te, toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que atentavam contra a vida do menino. 21 Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe e regressou para a terra de Israel. 22 Tendo, porém, ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; e, por divina advertência prevenido em sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia. 23 E foi habitar numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno".

Morto Herodes, o Grande - o que ocorreu em 4 a.C., sucedeu-lhe no trono seu filho Arquelau, filho de Maltace, a samaritana. O testamento de seu pai lhe deixou os territórios da Judeia, Samaria e Idumeia. Herodes queria que ele fosse rei, mas o Imperador Augusto lhe deu apenas o título de etnarca. Arquelau governou de 4 a.C. até 6 d.C., totalizando 10 anos. Era um homem cruel. Chegou a reprimir uma revolta em Jerusalém justamente na Páscoa, no ano 4 d.C. Mandou crucificar duas mil pessoas (veja o primeiro estudo desta série).
Era natural que José não quisesse retornar à Judeia. Avisado pelo anjo, mais uma vez em sonho, de que Herodes Magno havia morrido, José, em vez de rumar para a Judeia, preferiu ir para Nazaré, cidade da Galileia. Mateus vê nisso o cumprimento de profecias, que diziam: "Ele será chamado Nazareno".
Vejamos que dado interessante: em Is 53.3, o profeta diz a respeito do Servo do SENHOR: "Era desprezado". No Sl 22.6, Davi, também escrevendo sobre o Messias, diz: "eu sou verme e não homem; opróbrio dos homens e desprezado do povo". A palavra "desprezado" era a que Mateus tinha em mente para dizer que o Messias seria Nazareno, pois a raiz é a mesma. E, na realidade, os nazarenos eram desprezados por sua origem pobre, sendo habitantes da desfavorecida região da Galileia, à época governada por Herodes Antipas, irmão de Arquelau.
Para se ter uma ideia de como os galileus e especialmente os nazarenos eram desprezados, observemos:
a) quando Filipe falou a Natanael acerca do Messias como sendo "Jesus, o Nazareno, filho de José", Natanael perguntou retoricamente: "De Nazaré pode sair alguma coisa boa"? (veja Jo 1.43-46);
b) em Mt 4.12-16, o escritor bíblico anota o cumprimento de profecia dada por meio de Isaías, segundo a qual o povo que estava em trevas, na região da sombra da morte, na "Galileia dos gentios", viu uma grande luz - essa luz era a pregação das Boas Novas por Jesus, o Nazareno (veja Is 9.1,2);
c) Na Festa dos Tabernáculos, quando o líder Nicodemos defendeu Jesus, fariseus lhe afirmaram: "Examina, e verás que da Galileia não se levanta profeta" (Jo 7.52). Além do preconceito, os fariseus revelaram ignorância histórica, pois esqueceram de que o profeta Jonas, filho de Amitai, era galileu.
Mateus está ocupado em demonstrar duas coisas principais: a) Jesus é o Rei dos judeus;
b) Jesus cumpre em Sua vida as profecias da Tanach, como era conhecida pelos judeus a parte das Escrituras que chamamos de Antigo Testamento.`
Por isso, vimos até aqui menções aos profetas Miqueias (5.2), Jeremias (31.15), Oseias (11.1), e, agora, Isaías (53.3) e Davi (Sl 22.6).
A família de Jesus não escolheu Nazaré por acaso. Embora fossem de ascendência belemita, e, portanto, judeus, da Casa de Davi, ele e Maria eram habitantes de Nazaré (Lc 2.4; veja 1.16,26,27; 3.23,31,32). Jesus era judeu de nascimento e de linhagem, mas habitante de Nazaré da Galileia. Era descendente de Davi, mas sofredor como os Seus conterrâneos.
Incrustada no bojo desses textos se encontra a afirmação da concepção virginal de Maria. Explico: de acordo com comentário da BÍBLIA ANOTADA a Mt 1.11, o rei judeu Jeconias, ou Conias (Jr 22.24, 28; 37.1), que aparece na genealogia de Jesus, não poderia ser ascendente do Messias porque sobre si havia sido colocada a maldição de que jamais um de seus descendentes se assentaria no trono de Davi. Todavia, Maria também era descendente de Davi, de maneira que Jesus, ligado biologicamente a Maria, e não a José, pôde se tornar o Rei dos judeus - isso no aspecto escatológico, e não, histórico ou temporal. Por isso, esse é mais um elemento para afirmarmos que Jesus Cristo nasceu de uma virgem, como creem os cristãos conservadores, muitas vezes chamados de "fundamentalistas" pelos liberais teológicos.
Que Deus nos abençoe. Até o próximo estudo.

Nota: A BÍBLIA ANOTADA. The Ryrie Study Bible/ Texto Bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie. Sã o Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1994, 1835pp.



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Estudos sobre Herodes (3) - O infanticídio

Em nossa série de estudos a respeito dos Herodes, saímos do encontro de Herodes Magno com os sábios do Oriente que foram à Judeia visitar Jesus. Agora, prosseguimos na sequência do Texto Bíblico, donde extraímos o seguinte excerto, que se acha em Mt 2.13-18:

"13 Tendo eles partido, eis que apareceu um anjo do Senhor a José, em sonho, e disse: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar. 14 Dispondo-se ele, tomou de noite o menino e sua mãe e partiu para o Egito; 15 e lá ficou até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: Do Egito chamei o meu Filho. 16 Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme o tempo do qual com precisão se informara dos magos. 17 Então, se cumpriu o que fora dito por intermédio do profeta Jeremias: 18 Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto, [choro] e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem".

Mais uma vez em Mateus, o SENHOR intervém de modo sobrenatural em favor de Seu Plano de Redenção. Se antes foram os sábios do Oriente, agora é José quem tem um sonho de advertência, aparecendo-lhe "um anjo do SENHOR". Era para que ele, sua esposa e Jesus não retornassem à sua terra, mas fossem ao Egito, fugindo do assassino Herodes.
Atendendo ao seu estilo, Mateus vê nisso o cumprimento do texto que se encontra em Os 11.1: "...do Egito chamei o meu filho". Vale observar, por oportuno, que este é um exemplo do que chamaríamos no Direito de "interpretação autêntica": quando o próprio autor (legislador) oferece a interpretação da lei. Nesse caso, se fosse interpretar Os 11, eu não iria conseguir enxergar, pelo contexto, nenhuma menção ao Filho de Deus, vendo apenas uma referência profética ao fato de que Israel, "filho de Deus", fora liberto do Egito pela mão de Moisés. Ocorre que essa interpretação dada por Mateus ressalta o valor histórico-escatológico de alguns textos bíblicos, que podem conter aplicações históricas e ao mesmo tempo aplicações para os Últimos Dias. Seria a dupla aplicabilidade de profecias. De toda maneira, não me abalaria a fazer interpretações que fossem além dos critérios rígidos da Hermenêutica. Mais do que isso: a interpretação realizada por Mateus é muito mais que interpretação - é inspiração divina!
Voltando a Herodes, esse era um homem sem nenhum coração. Ele não tinha piedade. Um homem capaz de mandar estrangular os próprios filhos e de mandar executar a esposa não pode ser piedoso. Muitos crimes ele cometeu, como vimos no primeiro estudo desta série. Por isso, o anjo avisou a José de que deveria deixar o país com a sua família até segunda ordem.
De fato, ao perceber que havia sido iludido pelos sábios do Oriente - que, avisados em sonho, não voltaram a encontrá-lo - o rei se enfureceu muito. Sua primeira medida havia sido a de buscar informações, ouvir os sábios, pedir dados mais precisos, inquirir sobre a época em que a estrela aparecera. Mas, depois da saída inesperada dos sábios, Herodes toma a medida extrema: ordena um infanticídio, a morte de todas as crianças de dois anos para baixo, habitantes de Belém e arredores. Seguramente, pensava Herodes, o tal Rei dos judeus morreria, e seu reinado continuaria firme.
E assim foram assassinadas todas as crianças com aquela idade, para cumprir o que fora dito ao profeta Jeremias sobre a lamentação de Raquel, esposa de Jacó, e, portanto, ascendente dos israelitas (Jr 31.15).
Todavia, Herodes não conhecia o poder de Deus. Àquela altura, Jesus estava no Egito com a sua família. Curiosamente, esse mesmo Egito que um dia escravizara os hebreus também marcou a História da Redenção em três momentos, representando provisão e liberdade: quando Abrão, ancestral dos hebreus e nosso pai na fé, migrou para o Egito a fim de fugir da fome (Gn 12.10); quando José foi mandado como escravo, mas acabou se tornando governador, e, assim, concedendo sustento aos seus irmãos, dos quais procederiam as Tribos de Israel (Gn 45.7); e agora, com a fuga para escapar da espada de Herodes.
Deus opera de muitas maneiras insondáveis. O mesmo Egito da escravidão pode servir de livramento, saúde e vida. Sem saber, "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus" (Rm 8.28). A bênção derramada por Deus sobre os hebreus serviu de bênção para nós, os salvos em Cristo (Gn 12.3). No seu livramento, nós temos livramento.
A um frio observador dos dias atuais, se deparasse com a matança das criancinhas, poderia ser fácil a conclusão de que estariam pagando os pecados de seus pais, ou pecados de outras vidas, ou as duas coisas juntas. Mas não é assim. Todo assassínio sempre será um mal diante de Deus, e somente tem entrada neste mundo devido à Queda, ao pecado original (Gn 3). O que traz consequências ruins ao mundo é o pecado universal, não apenas os pecados pessoais, as atitudes, ações, sentimentos e omissões de cada um de nós. O problema crucial é a condição pecaminosa desse sistema de valores que impera desde a Queda. Por isso Jesus nasceu.
A História da Salvação é linda e profunda. Herodes é só um pretexto para refletirmos sobre essa maravilhosa História.

Nota: As ilustrações são de GUSTAVE DORÉ. Transcrevo sua apresentação a seguir:
"O artista francês Gustave Doré (1832-1883) produziu centenas de ilustrações de qualidade sobre histórias bíblicas em sua vida. Essas ilustrações eram usadas nas Bíblias em muitos idiomas na Europa do século 19 e depois nas Américas. Muitos mestres produziram obras artísticas como essas para ilustrar temas bíblicos, e Doré estava entre os mais famosos deles.

O estilo realista de Doré deu nova vida a essas histórias reais. Séculos de mosaicos, frescos e relevos em pedra, com sua iconografia precisa, juntamente com impressões em blocos de madeira (lembrando das auréolas sempre presentes em alguns objetos em particular) caricaturaram muitas histórias da Bíblia nas mentes dos crentes. Entretanto, os locais e pessoas retratadas por ele parecem reais. O trabalho de Gustave Doré (e sua licenciosidade artística) foram criticados por alguns em seus dias, mas essas ilustrações resistem ao tempo como boas representações físicas de eventos bíblicos importantes"
(http://www.creationism.org/images/DoreBibleIllus/dore_pt.htm).



Estudos sobre Herodes (2) - Herodes e os sábios do Oriente

Em Mt 2.1-12, lemos a respeito da procura de sábios do Oriente pelo menino que viria a ser o Rei dos judeus. Examinemos, primeiro, o texto:

"1 Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. 2 E perguntavam: Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo. 3 Tendo ouvido isso, alarmou-se o rei Herodes, e, com ele, toda a Jerusalém; 4 então, convocando todos os principais sacerdotes e escribas do povo, indagava deles onde o Cristo deveria nascer. 5 Em Belém da Judéia, responderam eles, porque assim está escrito por intermédio do profeta: 6 E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a meu povo, Israel. 7 Com isto, Herodes, tendo chamado secretamente os magos, inquiriu deles com precisão quanto ao tempo em que a estrela aparecera. 8 E, enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide informar-vos cuidadosamente a respeito do menino; e, quando o tiverdes encontrado, avisai-me, para eu também ir adorá-lo. 9 ¶ Depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no Oriente os precedia, até que, chegando, parou sobre onde estava o menino. 10 E, vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo. 11 Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra. 12 Sendo por divina advertência prevenidos em sonho para não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho a sua terra".

Esse episódio se passou nos tempos do rei Herodes, o Grande (73 a 4 a.C.), que reinou de 37 até sua morte. Era um homem sanguinário e ambicioso, que mandava matar filhos, esposa, inimigos, tudo por causa de sua sede de poder. Idumeu, não tinha, portanto, ascendência judaica, nem cultivava a fé dos judeus. Era um político da pior espécie, capaz de construir coisas magníficas para obter o favor do povo, mas também de passar por cima de seus adversários.
Ocorreu, no entanto, que esse Herodes foi contemporâneo de um dos maiores e mais importantes eventos da História humana, a saber, o nascimento do Salvador, o Rei dos judeus, conforme predição das Escrituras. Naquela época, difundira-se o dogma teológico de que o Messias libertaria Israel do domínio político, que então era representado pelo Império Romano, e, na Palestina, pelo rei Herodes. Em sua interpretação das Escrituras, os judeus esperavam um Messias político, um libertador nacional. Essa era a ideia amplamente aceita e ensinada pelos líderes judeus. A esperança escatológica confundia-se com as aspirações temporais, num típico exemplo de eisegese, que difere da exegese*.
Diferentemente de Herodes, uns magos ou sábios do Oriente creram na predição a respeito do Messias. De alguma forma que não sabemos explicar, Deus falou com aqueles homens por meio dos conhecimentos astrológicos (ou astronômicos?) que eles possuíam. O fato de serem chamados de "magos" não significa que fossem adivinhos ou feiticeiros, pois na Antiguidade, por não haver clara distinção entre os ramos do conhecimento, as ciências eram confundidas com a Religião. Vemos o mesmo fenômeno em Êxodo e em Daniel.
O certo é que aqueles sábios não eram judeus, mas gentios. E que foram guiados por uma estrela para terem contato com o recém-nascido Rei dos judeus, isso por uma providência divina.
Embora a tradição católica afirme que eram três "reis-magos" (Belchior, Gaspar e Baltazar), a Bíblia não diz que eram reis nem que eram três. Apenas os presentes oferecidos ao menino eram três: ouro, incenso e mirra. Mas isso não induz necessariamente à dedução de que eram três pessoas. Nota-se, aliás, que sua chegada chamou não só a atenção de Herodes, mas de toda a cidade de Jerusalém. Certamente não foram escondidos nem buscando anonimato. Sua aparição foi facilmente percebida.
Observe-se que já nesse episódio Deus mostrava Seu interesse pelas nações, de um modo geral. Não só os judeus seriam salvos, mas todos quantos buscassem o Rei dos judeus.
Com efeito, o que procuravam aqueles homens vindos de fora? Buscavam adorar ao Rei dos judeus. Isso preocupou Herodes, que, mesmo sem fé, indagou aos escribas e principais sacerdotes onde deveria nascer "o Cristo".
É curioso que um incrédulo como Herodes ainda parasse para investigar nas Escrituras uma informação na qual pudesse acreditar. Se ele não tinha parte com a Palavra de Deus, por que, então, lhe dava crédito a fim de tomar providências? Isso é para mim um desafio, que a princípio somente pode ser explicado pela cegueira imposta ao rei pelo desejo de se manter no poder. Ou, em meio à sua incredulidade, Herodes poderia imaginar que, levados pela fé nas Escrituras, os judeus um dia fariam do menino o seu Rei, indepentemente do poder e dos desígnios de Deus.
Diante da informação de que o Cristo nasceria em Belém de Judá, conforme Mq 5.2, Herodes convocou os sábios e, cinicamente, lhes pediu que o mantivessem informado para que ele mesmo pudesse adorar o Cristo! Antes, os inquiriu sobre o tempo preciso em que lhes aparecera a estrela. De fato, Herodes não queria perder a oportunidade de impedir a ascensão do Rei dos judeus.
O próprio Herodes enviou os sábios a Belém, e foram eles guiados pela estrela até o lugar onde a família de Jesus se encontrava. Ali visitaram o menino e deixaram seus presentes. Houve grande alegria.
Advertidos por Deus, em sonho, os sábios não retornaram a Herodes, mas seguiram para sua terra por outro caminho.
Sendo assim, seja por meio de uma estrela, seja por meio de um sonho, Deus falou com aqueles homens de fora, gentios, estrangeiros para os quais o Messias nasceu. E, conquanto tivesse contato com a História e com o povo de Deus, Herodes, o Grande, se mantinha incrédulo, impassível, inerte, frio. Que mistério esse da fé!
Cremos num Deus que fala aos homens (Hb 1.1-3), que procura adoradores (Jo 4.23,24), que deseja que todos se salvem. Esse é o Deus que ainda hoje fala e procura adoradores, o Deus que deseja que todos se salvem, e que a todo instante manifesta a Sua Palavra e a Sua Providência em todo o mundo e de diversas formas.
Herodes não deu crédito às profecias? Não foi por defeito da Palavra. Os estrangeiros creram. Deus sabe de todas as coisas. Ninguém jamais poderá perscrutar o coração humano e saber como se processa a fé.

*Na exegese, o intérprete retira do texto aplicações possíveis. Na eisegese, ocorre o inverso: o intérprete tenta inserir no texto ideias pré-concebidas.

Nota: A ilustração é de GUSTAVE DORÉ. Segue a apresentação dele:
"O artista francês Gustave Doré (1832-1883) produziu centenas de ilustrações de qualidade sobre histórias bíblicas em sua vida. Essas ilustrações eram usadas nas Bíblias em muitos idiomas na Europa do século 19 e depois nas Américas. Muitos mestres produziram obras artísticas como essas para ilustrar temas bíblicos, e Doré estava entre os mais famosos deles.
O estilo realista de Doré deu nova vida a essas histórias reais. Séculos de mosaicos, frescos e relevos em pedra, com sua iconografia precisa, juntamente com impressões em blocos de madeira (lembrando das auréolas sempre presentes em alguns objetos em particular) caricaturaram muitas histórias da Bíblia nas mentes dos crentes. Entretanto, os locais e pessoas retratadas por ele parecem reais. O trabalho de Gustave Doré (e sua licenciosidade artística) foram criticados por alguns em seus dias, mas essas ilustrações resistem ao tempo como boas representações físicas de eventos bíblicos importantes" (http://www.creationism.org/images/DoreBibleIllus/dore_pt.htm).





Estudos sobre Herodes (1) - A Dinastia Herodiana

INTRODUÇÃO.
O Novo Testamento menciona alguns governantes que ostentavam o título de "Herodes". O senso comum talvez se recorde do Herodes que mandou matar as criancinhas e do Herodes que viu a cabeça de João Batista sobre uma bandeja. Todavia, há confusão quanto a essas figuras porque houve, não apenas um, mas uma série de homens com esse título ou sem o título mas pertencentes à mesma dinastia, e com diferentes jurisdições. Era a chamada "Casa de Herodes".
Assim como "fariseu" passou para a posteridade como sinônimo de gente hipócrita, "herodes" acabou assumindo um sentido negativo, por tudo o que veremos daqui por diante quanto a esses personagens.
Por meio de um conjunto de estudos, gostaria de tratar teologicamente dessas figuras, fornecendo informações históricas e costurando aplicações pessoais. Há muito o que aprendermos desse importante período de Israel.
Ao longo dos estudos, poderemos perceber como é rica a investigação bíblica e histórica, o que nos anima a continuar estudando.


FORMAÇÃO DA DINASTIA HERODIANA.
A antecedente Dinastia dos Hasmoneus e a projeção política de Herodes, o Grande.
Para entendermos o processo de formação da Dinastia Herodiana, é necessário reportarmo-nos à Dinastia antecedente dos Macabeus (Dinastia dos Hasmoneus ou Dinastia Asmoneia).
Para isso, vamos contar com a preciosa ajuda da BÍBLIA DE JERUSALÉM (1), da qual extraímos várias informações. Vejamos:
O sacerdote Matatias (166 a.C.), que se revoltou contra o domínio helênico sobre Israel (estendido de 333 a 63 a.C.) tinha três filhos: Judas Macabeu (166 a 160 a.C.), Jônatas (160 a 143 a.C.) e Simão (143 a 134 a.C.). 
João Hircano I, filho de Simão, sucedeu seu pai e governou de 134 a 104 a.C.
Os Livros apócrifos de I e II Macabeus - chamados pela Igreja Romana de "Deuterocanônicos" - narram a história dessa família que conquistou o governo da chamada "Palestina" por meio da luta armada. Têm real valor histórico, embora desprovidos de inspiração divina.
João Hircano I teve dois filhos, Aristóbulo I (104 a 103 a.C.), que usou o título de rei, e Alexandre Janeu (103 a 76 a.C.). Este casou-se com a rainha Alexandra (76 a 67 a.C.). Da união nasceram Hircano II (sumo-sacerdote entre 76 e 67 a.C. e 63 a 40) e Aristóbulo II.
Com a morte da mãe, Hircano II assumiu o governo, mas logo perdeu o poder para seu irmão mais novo, Aristóbulo II, que se tornou rei e sumo-sacerdote (67 a 63 a.C.).
Em 65 a.C., Hircano II e o rei Aretas III cercaram Jerusalém, recuando, porém, com a chegada do romano Pompeu. Depois, Hircano II e Aretas III foram vencidos por Aristóbulo II.
Em 63 a.C., Antípater, pai de Herodes, o Grande, era ministro de Hircano II, mas, com a conquista de Jerusalém por Pompeu, se tornou governante de fato da Judeia. Houve revolta dos últimos Hasmoneus.
Nessas circunstâncias, Aristóbulo II foi mandado para Roma junto com seu filho Antígono, enquanto Hircano II foi feito sumo-sacerdote.
Em 47 a.C., o Imperador César nomeou Hircano II etnarca (47 a 41 a.C.). Herodes, o Grande, foi nomeado "estratego da Galileia", e nessa função repeliu a revolta de certo Ezequias.
O pai de Herodes, Antípater, morreu envenenado em 43 a.C. Antônio, esposo da famosa Cleópatra, nomeou Herodes e seu irmão Fasael como tetrarcas em 41 a.C.
Com a nomeação, pelos partos, de Antígono como seu rei e sumo-sacerdote em 40 a.C., Herodes fugiu para Roma, e Hircano II foi mutilado. Entre 39 e 37 a.C., Herodes lutou contra Antígono.
No começo de 37 a.C., Herodes se casou com Mariana I, neta de Aristóbulo II e de Hircano II. Nesse mesmo ano conquistou Jerusalém, junto com Sósio. Com efeito, Aristóbulo II gerara a Antígono e Alexandre. Do casamento deste Alexandre com Alexandra, nasceu Mariana I. Dessa forma, essa esposa de Herodes, o Grande, era tataraneta de João Hircano I, e, assim, descendente dos Macabeus.
Herodes, o Grande tornou-se rei da Judeia de 37 a.C. até sua morte, em 4 d.C.. Como não era judeu, não tinha a aceitação do povo. Por isso, tentou se aproximar politicamente dos judeus casando-se com Mariana I.
Em 29, Herodes, o Grande, tornou-se "rei aliado" de Roma. Em 23, recebeu as regiões de Traconítide, Bataneia e Auranítide, e, em 20, a região de Paneias.
Assim teve início a Dinastia Herodiana.

Depois dessas considerações iniciais, passemos ao exame de cada Herodes em particular:




HERODES, O GRANDE.
Herodes, um idumeu.
Herodes, o Grande nasceu por volta de 73 a.C e morreu em 4 a.C. Era filho do idumeu Antípater e da princesa árabe Cypros, da bela cidade de Petra (capital dos Nabateus), ao sul de Judá (2).
Idumeu era a designação do natural da Idumeia, território dos descendentes de Edom (Esaú). Portanto, não eram eles judeus, mas edomitas, filhos do irmão gêmeo de Jacó, e que, à semelhança da hostilidade de seu ancestral, viveram em constante conflito com Israel.
O Livro de Obadias trata exatamente do juízo divino contra os edomitas por causa de sua rivalidade com o povo de Deus.
A menção de Obadias às "fendas das rochas" (v. 3) pode ser uma alusão à configuração geológica de Petra.

Crimes de Herodes, o Grande.
Em 30 a.C., Herodes mandou executar Hircano II, e em 29, sua própria esposa Mariana I.
Por volta de 7, mandou estrangular dois de seus filhos, Alexandre e Aristóbulo, que tivera com Mariana I.
Em 4, foi executado seu filho mais velho, Antípater.
Também exterminou quase todos os membros do Sinédrio (3).
A matança dos inocentes ocorreu sob o reinado de Herodes, o Grande, que, com isso, esperava exterminar Aquele de Quem se dizia ser o Rei de Israel.

Obras de Herodes, o Grande.
Em 29 a.C. Herodes construiu a Antônia, e, em 23, o Palácio da cidade alta. Também construiu ou reconstruiu Antipátrida, Fasélida, Samaria (Sebaste), o Herodion e Cesareia.
De 20 a 19, começou a reconstrução do Templo de Jerusalém. Foi nessa época que surgiram as escolas farisaicas rivais dos rabinos Hillel e Shammai.
Mandou reformar o Templo de Jerusalém, medida de natureza política, para angariar a adesão pacífica dos judeus a seu reinado.

Casamentos e filhos.
Herodes, o Grande, teve muitas esposas e filhos. Citam-se os seguintes:
(1) Uma esposa foi Dóris, de quem nasceu Antípater, mesmo nome do pai de Herodes, e seu filho mais velho (2).
(2) Outra esposa foi Cleópatra de Jerusalém, que deu à luz Filipe, o tetrarca.
(3) Com Maltace, a Samaritana, Herodes, o Grande, teve como filhos Herodes Antipas, Arquelau e Olímpias.
(4) Com a judia Mariana I, lhe nasceram: Aristóbulo, Alexandre, Herodes Filipe, Salimpsio, que se casou com Phaesal, e Cypros, que, como se vê, trazia o nome da mãe de Herodes, a princesa árabe de Petra. Esta se casou com Antípater, filho de José e Salomé.
(5) Houve ainda outro casamento de Herodes, o Grande, em 23 d.C., desta vez com Mariana II, filha do sumo-sacerdote Simão, filho de Boetos. De acordo com MORIN (4), este foi elevado a sumo-sacerdote por sua relação com Herodes. Era ele um herodiano: herodianos eram os israelitas que se beneficiavam da Dinastia de Herodes.


Morte de Herodes, o Grande.
Herodes, o Grande, morreu entre março e abril do ano 4 a.C. na cidade de Jericó. Seu filho Arquelau trasladou seu corpo para o Herodion.

Testamento de Herodes, o Grande.
Em sua disposição de última vontade, Herodes dividiu o território entre seus filhos tidos com Maltace, a samaritana (Arquelau e Herodes Antipas) e Cleópatra de Jerusalém (Filipe, o tetrarca). Deixou de lado Herodes Filipe, tido com Mariana II.
Arquelau ficou com a Judeia, incluindo Samaria e a Idumeia, regiões que governou de 4 a.C. até 6 d.C.
Herodes Antipas ficou com a Galileia, incluindo a Pereia, que governou de 4 a.C. até 39 d.C.
Filipe ficou com Traconítide, Auranítide, Gaulanítide, Bataneia e Itureia (distrito de Paneias), territórios sob seu governo de 4 a.C. até 34 d.C.
O Imperador Augusto concordou com o testamento, mas não concedeu a Arquelau o título de rei. Este ficou sendo etnarca da Judeia e Samaria (4 a.C. a 6 d.C.). Herodes Antipas e Filipe receberam o título de tetrarca.

Casamentos dos descendentes.
Aristóbulo IV teve os filhos Herodias (Herodíades), Herodes de Cálcis e Herodes Agripa I.
Herodes Agripa I foi pai de Herodes Agripa II. Também gerou as mulheres Berenice e Drusila. Esta Berenice é a mesma que se casou com o tio Herodes de Cálcis. Drusila foi mulher de Aziz, rei de Emesa, e do procurador romano Félix, que manteve o apóstolo Paulo detido por algum tempo sem julgar seu processo (At 24).
Herodias, neta de Herodes, o Grande, casou-se com o tio Filipe, o tetrarca, e sua filha chamou-se Salomé. Mas acabou se envolvendo num relacionamento adulterino com o tio e cunhado Herodes Antipas, que, por sua vez, se divorciou de Fasaelia, filha do rei árabe Aretas IV.

ARQUELAU.
Filho de Herodes, o Grande, com Maltace, a samaritana, Arquelau reprimiu uma revolta em Jerusalém na Páscoa do ano 4 d.C., precisamente em 11 de abril. Depois, foi a Roma receber a investidura, como etnarca, por parte do Imperador Augusto. Houve muitos distúrbios no período de seu governo. Pode ser que a revolta de Judas, o Galileu (At 5.37), tenha ocorrido nessa época. Duas mil pessoas foram crucificadas.

HERODES ANTIPAS.
Herodes Antipas era filho de Herodes, o Grande, com Maltace, a samaritana. Portanto, era irmão de Arquelau também por parte de mãe.
No testamento de seu pai, recebeu a Galileia e a Pereia.
Fundou Tiberíades entre 17 e 20 d.C. - o nome é uma homenagem ao Imperador Tibério César. Foi nesse período que Lisânias se tornou tetrarca de Abilene, como citado em Lc 3.1.
Antipas foi o Herodes do tempo do julgamento de Jesus. Embora não tivesse jurisdição sobre a Judeia, mas sobre a Galileia, recebeu Jesus em audiência por envio de Pôncio Pilatos, governador da Judeia, que buscava uma forma de não se envolver na questão de um inocente, e usou o pretexto de que Jesus era galileu para todos os efeitos - embora fosse, na verdade, judeu. Pilatos aproveitou-se do fato de que Herodes Antipas se encontrava ali em Jerusalém.
Antes disso, Herodes Antipas mandara prender João Batista, mas não queria matá-lo porque temia o povo. Porém, como João pregara contra o adultério por ele cometido com sua cunhada e sobrinha Herodias, esta armou uma cilada e conseguiu, enfim, a execução do Batista.
Jesus referiu-se a esse Herodes como sendo "aquela raposa".


FELIPE, O TETRARCA.
Embora não tenha ostentado o título de Herodes, Filipe era tetrarca e recebeu esse título conforme o testamento deixado por Herodes, o Grande.
Ele construiu Júlias (cidade de Betsaida). Embelezou Paneias (Panion), a que chamou "Cesareia", em homenagem a Augusto, o Imperador.
Filipe, o tetrarca, não deve ser confundido com seu meio-irmão Herodes Filipe.
Morreu sem herdeiro.

HERODES FILIPE.
Conquanto carregasse esse nome, não herdou nenhum território quando do testamento deixado por seu pai. Foi completamente esquecido. Foi traído por sua esposa Herodias, que dele se separou e se casou com Herodes Antipas.

HERODES AGRIPA I.
Herodes Agripa I, filho de Aristóbulo, reinou de 37 a 44 d.C. Recebeu as tetrarquias de Filipe e Lisânias. Também recebeu a tetrarquia de Herodes Antipas, desterrado por Calígula para os Pirineus em 40 d.C.
Contribuiu para a chegada de Cláudio ao poder (41 a 54). Deste recebeu Judeia e Samaria.
Seu irmão Herodes se tornou rei de Cálcis (41-48) e se casou com Berenice, filha de Agripa.
Sob seu governo, o reino de seu avô Herodes, o Grande, foi reconstituído.
Foi ele quem mandou decapitar Tiago, irmão de João (At 12.2), prendeu o apóstolo Pedro (At 12.3) e, assim, perseguiu a Igreja (At 12.1).
Morreu comido de vermes após ter se deixado glorificar por um público que ouviu seu discurso e disse que sua voz era de Deus e não de homem. Não deu glória a Deus (At 12.20-23). Segundo JOSEFO, foram cinco dias de sofrimento depois do discurso (5).

HERODES AGRIPA II.
Herodes Agripa II é o que surge em Atos dos Apóstolos com a designação de "rei Agripa". Era filho de Agripa I e reinou de 48 a 95 d.C. Foi rei de Cálcis de 48 a 53 d.C. Em 49, foi nomeado inspetor do Templo, com direito de nomear o sumo-sacerdote.
Agripa II surge em At 25.13-26.32, quando, por sugestão do procurador romano Festo, ouve o apóstolo Paulo em audiência. Tinha ele uma relação incestuosa com sua irmã Berenice, citada no referido texto.
Em troca de Cálcis, Cláudio dá a Agripa II as tetrarquias de Filipe e Lisânias (53-95) e uma região no norte do Líbano.

HERODES DE CÁLCIS.
Herodes de Cálcis não aparece nas Escrituras. Era filho de Aristóbulo. Casou-se com Berenice, mas foi por ela traído - ela cometeu incesto com seu irmão Herodes Agripa II.
Foi nomeado inspetor do Templo, com direito de designar o sumo-sacerdote. Foi ele quem nomeou Ananias, filho de Nebedeu, que aparece em At 23 e 24.

CONCLUSÃO.
A família de Herodes merece ser estudada porque teve participação especial no período em que Jesus nasceu e nos primeiros anos da História da Igreja.
De acordo com o que vimos dos dados biográficos desses governantes, poderíamos dizer, com acerto, que "nenhum deles se salva" de um julgamento histórico. Todos foram personagens maléficos, seja por seus assassinatos, seja por adultérios e incestos, seja, ainda, pela perseguição a Jesus ou à Igreja.
Digno de observação é que a Dinastia Herodiana praticava medidas do que chamaríamos hoje de "politicagem": casamentos políticos, construções com interesses políticos, bajulação a superiores.
Depois dessas informações históricas, teremos maiores condições de estudar as passagens bíblicas em que os Herodes aparecem.
Que Deus nos abençoe.


Notas:
(1) A BÍBLIA DE JERUSALÉM traz um excelente Quadro Cronológico entre as páginas 2170 e 2188, sendo que para este estudo me debrucei sobre parte do conteúdo das pp. 2179 a 2185, além da árvore genealógica das Dinastias Asmoneia e Herodiana à p. 2189.
(2) Utilizo algumas informações de http://pt.wikipedia.org/wiki/Herodes,_o_Grande, por citar expressamente FLÁVIO JOSEFO. Essas informações estão em vermelho.
(3) MORIN, p. 103.
(4 Idem, p. 109.
(5) BÍBLIA ANOTADA, p. 1379.

Referências bibliográficas:

A BÍBLIA ANOTADA. The Ryrie Study Bible/ Texto Bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie. Sã o Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1994, 1835pp.


BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Bible de Jérusalem, edição de 1998, publicada sob a direção da "École biblique de Jérusalem". Edição em língua francesa. São Paulo: Paulus, 2002, 2206pp.

MORIN, E. Jesus e as estruturas de seu tempo. Tradução de Vicente Ferreira de Souza. Revisão de H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1988, 56pp.


 


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