segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O militar na Bíblia

Quando cheguei a Campo Grande/MS para trabalhar no Ministério Público Militar, vi que se tratava de uma cidade repleta de organizações militares, com um número expressivo de membros das Forças Armadas. Aliás, essa é a razão de termos aqui uma Procuradoria da Justiça Militar. Registre-se que não sou militar, assim como o Ministério Público Militar também não é militar, mas atua perante a Justiça Militar, da mesma forma que os demais ramos do Ministério Público sempre atuam perante um órgão do Poder Judiciário.
O fato é que, deparando com esse mundo castrense, como eles gostam de dizer, vi-me impelido a escrever algumas linhas acerca do militar na Bíblia, ou, mais apropriadamente, acerca de passagens bíblicas que fazem referência a militares ou a conceitos relacionados à defesa.
O tema é muito valioso e profícuo porque a Escritura está repleta de referências a soldados, oficiais, conflitos bélicos e estratégias militares.
Com efeito, enquanto literatura antiga e documento histórico, a Bíblia possui importância inquestionável para a pesquisa de variados aspectos militares da Antiguidade; e, como Palavra de Deus, fornece elementos interessantes de como esses aspectos servem aos conceitos teológicos.
O Antigo Testamento contém o registro de inúmeras guerras de conquista, não só com milícias de civis, mas também com forças armadas organizadas pelo rei. Nesses relatos há notícia do uso de estratégias de avanço e de ocupação, como acampamentos, espionagem e contra-espionagem.
Um exemplo de contra-espionagem, infelizmente usado contra Israel (Reino do Norte), se deu quando os assírios, ao destruir a capital Samaria, trouxeram pessoas de outras nações e os misturaram com o povo de Israel, com o objetivo de minar a identidade étnica, cultural e religiosa da nação eleita.
O Livro de Juízes narra vários conflitos entre Israel e seus dominadores, os quais se revezavam na opressão aos israelitas e periodicamente eram vencidos por libertadores, chamados “juízes”. Esses juízes não eram exatamente magistrados, mas chefes militares que surgiam para dirigir uma luta de libertação, e que eventualmente chegavam a governar e julgar.
Dentre os Salmos, muitos daqueles classificados como majestáticos e régios trazem ricas alusões ao rei como líder militar.
Nos Evangelhos encontramos várias passagens com destaque para figuras militares: o oficial que pediu a cura de seu criado; o centurião que, diante do Cristo crucificado, reconheceu ser Ele o Filho de Deus; a Guarda que prendeu Jesus no Getsêmani.
Quanto ao oficial que pediu a cura de seu criado, vale ressaltar em suas palavras os princípios de autoridade e hierarquia: a partir de seu contexto militar, o oficial disse a Jesus que, assim como ele mesmo ordenava a seus subordinados e era obedecido, Jesus poderia ordenar e ser acatado no que concerne a doenças, pois detém o poder em suas mãos. Nada mais apropriado! E, muito mais do que um exemplo de ilustração bem feita, o oficial demonstrou a lucidez de sua fé.
João Batista, ao ser procurado por soldados, aconselhou-os a não maltratar ninguém, não oferecer denúncia falsa e a se contentar com o seu soldo. É que os soldados de sua época eram como policiais, que faziam o serviço que hoje chamaríamos de segurança pública – daí a advertência contra a tortura e contra as denúncias infundadas. Esses mesmos soldados aprisionavam e tomavam conta das cadeias, ou seja, eram, grosso modo, um misto do que conhecemos como polícia ostensiva (primeiro caso) e polícia judiciária (segundo caso).
Paulo usou o soldado como exemplo de obediência e compromisso, como alguém que, uma vez alistado, “não se embaraça com negócios desta vida”. Também se baseou na armadura dos soldados romanos para ensinar sobre a armadura de Deus, cujos itens devem perfazer o caráter do cristão. Foi sob a supervisão de um soldado que Paulo ficou detido em sua própria casa durante dois anos. O apóstolo mantinha boas relações com um pessoal da Guarda Pretoriana, que eram “os da casa de César”, mas também soube reivindicar seus direitos de cidadão perante um oficial romano que o prendeu injustamente.
No Apocalipse, Jesus é mencionado, dentre tantas coisas, como Rei que virá para vencer e dominar.
Soldado é uma metáfora bíblica para o servo de Cristo, tanto pela obediência, disciplina e devoção exigidas, como pela sua participação na batalha da fé.
As guerras de conquista não mais fazem parte do conceito legítimo de guerra. Digo isso porque existem, sim, regras internacionais sobre o que pode e o que não deve ser feito numa guerra, e sobre o que justifica e o que não justifica uma declaração de guerra. As guerras de conquista estão banidas do Direito da Guerra.
A nova modalidade de “guerra contra o terror” é algo que demanda estudos e discussões, pois, além de muito recente, tem a característica peculiar de não se dirigir propriamente a um inimigo nacional definido, mas a grupos terroristas radicados em determinados países que os apóiam ou não. Essa pelo menos é a justificativa estabelecida pelos Estados Unidos e seus aliados, mas se sabe que, no caso do Iraque, não se comprovou absolutamente nada que justificasse uma declaração de guerra naquele momento, o que afasta a legitimidade do confronto.
Certo é que os Estados soberanos têm a prerrogativa de se defender de invasões externas, e para isso podem constituir forças armadas (como o Brasil), preparar a população civil para uma reação bélica (como Israel) ou simplesmente fazer alianças com outros Estados para se defender, mas sem possuir força própria (como o Japão). O fato é que nenhum Estado pode ser obrigado a aceitar uma invasão, o que decorre de sua soberania.
Existem seitas que não permitem a seus membros o alistamento militar, que em nosso país é uma obrigação. Entendem que estariam pecando se participassem das Forças Armadas.
Em nenhum momento a Bíblia oferece base para argumentos contrários à existência de forças armadas, mesmo porque não constitui um Livro de Política, mas a Revelação de Deus ao Homem com vistas à Salvação. O que a Escritura rechaça é o homicídio, a ira indevidamente aplicada, a disputa por bens materiais, o autoritarismo, a deslealdade, os maus-tratos, o excesso doloso ou culposo.
Observe-se que o não matarás não é transgredido quando a guerra é legítima, e que em Direito Penal o matar alguém deixa de ser crime se houver uma causa excludente da ilicitude, como, por exemplo, o estrito cumprimento do dever legal. No caso do soldado que atira no adversário, ele não está pecando nem cometendo um crime. Talvez os governantes estejam errados, talvez a guerra não seja legítima, porém o soldado não deve se martirizar por causa disso...
Contudo, estamos trabalhando em tese. Na prática, os soldados que discordam da guerra ficam muito angustiados, pois não vêem motivo para disparar tiros e bombas contra o oponente. O pior é que muitos civis inocentes são vitimados, não raro ainda na infância....
Bem, todas essas linhas são apenas um rascunho para reflexões sobre o militar na Bíblia. É que residir em Campo Grande/MS me atrai a pensar sobre esse glorioso e pouco conhecido mundo castrense.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom artigo!
Agradei-me muito dos comentários a respeito do oficial que demonstrou tão grande fé.
Entretanto, vale ressaltar que nem sempre a atividade castrense e o cristianismo andam de mãos dadas:
http://jornaldebordo.blogspot.com/2008/08/soldado-proibido-de-evangelizar.html
Deus te abençoe, irmão!
A Paz do Senhor!



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Na pecaminosidade do homem, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que pode salvá-lo.
Na necessidade absoluta do novo nascimento pela fé em Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o homem digno do Reino dos Céus.
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