Em Mt 20.20-28 e Mc 10.35-45, lemos uma passagem de elevado interesse espiritual, moral, relacional e social: trata-se do momento em que Tiago e João, filhos de Zebedeu, em conjunto com sua mãe, pedem a Jesus que lhes conceda assentar-se com Ele na glória, um à direita e outro à esquerda.
Enquanto Mateus menciona a participação da mãe dos dois discípulos nesse pedido, Marcos cita apenas os dois irmãos. Mateus diz expressamente que a mulher adorou a Jesus e "pediu-lhe um favor" (Mt 20.20). Era mesmo uma solicitação em família, algo que a mãe considerou importante para seus queridos filhos. Ela estava, sem dúvida, pensando no futuro deles, mas o fez demonstrando total desconhecimento das lições ensinadas pelo Mestre no que toca à humildade e serviço, bem como à natureza do Reino de Deus e de Sua glória.
Sabiamente, Jesus disse que eles não sabiam o que estavam pedindo; que poderiam beber do cálice que Ele beberia, e passar pelo batismo com que seria Ele batizado (sofrimento e morte pela Causa de Cristo), mas caberia somente ao Pai decidir quem se assentaria ao lado de Jesus (Mt 20.22,23 e Mc 10.39,40).
Quanto aos dez outros discípulos, ficaram "indignados" com a atitude daquela família (Mt 20.24 e Mc 10.41). Para ser bem sincero, eu ficaria indignado também. Onde já se viu uma coisa dessas? O que Tiago e João pensaram de si mesmos e dos outros? Eram eles melhores do que alguém neste mundo?
Com muita paciência, Jesus aproveitou a oportunidade para ensinar que no mundo os povos têm seus dominadores, seus maioriais que exercem autoridade sobre os gentios, mas que entre os discípulos - quer dizer, na Igreja de Cristo - não pode existir essa relação de poder. Quem quiser tornar-se grande e primeiro será servo de todos, assim como o Filho do Homem [Jesus Cristo] não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate por muitos (Mt 20.26-28; Mc 10.42-45).
Jesus ensinou, portanto, que na Igreja, até então em estado embrionário, as relações não devem ser estabalecidas em função do poder. Essa relação de dominador-dominado é para a política, o Estado, as organizações meramente humanas. Na Igreja, o exercício do poder deve ser dirigido ao serviço comum. Creio ser nesse sentido que Jesus diz que aquele que quiser ser grande e primeiro deverá servir, revelando, assim, que a finalidade do poder é o serviço, e pronto, nada tendo a ver com glória e reconhecimento humano.
O curioso é que esse pedido feito a Jesus é repetido todos os dias em muitos corações, talvez não de maneira tão explícita, mas quando se busca reconhecimento, fama, prestígio, poder, glória, o galardão desta Terra; e quando se erigem formas de governo eclesiástico em que um homem ou poucos homens dominam sobre rebanhos inteiros, encastelando-se numa esfera de poder absoluto, sobre o pretexto de que os crentes lhes devem ser submissos em tudo.
Não foi assim que Pedro ensinou. Com sabedoria, ele disse que os bispos não devem se portar como "dominadores dos que vos foram confiados" (I Pe 5.3). Ele ainda mostra que a relação entre líderes e liderados na Igreja deve ser estabelecida à base de "modelo" (I Pe 5.3), como Paulo também diz ao pastor Timóteo para ser "o exemplo dos fiéis" (I Tm 4.12), e ao pastor Tito para ser "exemplo de boas obras" em todas as coisas (Tt 2.7).
Receio que as palavras de Jesus, de Pedro e de Paulo estejam sendo esquecidas por nós hoje. Não pensamos em termos de modelo e exemplo, mas dominadores do rebanho, grandes, primeiros, "honrados", poderosos. Queremos, sim, sentar ao lado de Jesus na glória. Por isso, devemos aprender muito com a passagem aqui analisada, porque Tiago e João simplesmente verbalizaram o que muitos de nós praticam diariamente, em sua sede pelo poder.
A igreja local deve (ria) ser um refúgio contra essas impiedosas relações de poder que imperam no mundo. Mas, ao contrário, nota-se que até mesmo nossa terminologia imita os valores mundanos, quando, por exemplo, chamamos o pastor de "chefe", ou tratamos a igreja como empresa. Em vez de usarmos desse refúgio em nosso benefício, e como demonstração de que o mundo está errado em sua ânsia pelo poder, acabamos comprovando, aos olhos das pessoas, que o sistema secular é o único, o que dá certo, o que prevalece.
Eu, porém, tenho esperança. As relações interpessoais podem ser sadias em comunidades menores, fundadas no amor, na Palavra de Deus, sem os enchimentos que nós colocamos, e sem a impessoalidade de uma ortodoxia sem alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário