sábado, 1 de maio de 2010

Somos melhores que os fundamentalistas "sectários"?

Nos tempos do rei judeu Jeoaquim, filho de Josias, havia um grupo étnico-religioso em Jerusalém chamado "recabitas". Eram eles filhos de Recabe e seguidores dos ensinos de Jonadabe, que vivera cerca de 250 anos antes, quando a dinastia de Acabe perdia o poder e a vida em Israel.
De acordo com as doutrinas de Jonadabe, não se podia plantar vinhas nem trigo, morar em casas nem beber vinho. Era o "ideal nômade", segundo o qual Israel vivia melhor com o seu Deus quando ainda estava no deserto, sem nada que o fixasse ao solo.
Jonadabe era tão reconhecido por seu radicalismo que Jeú, ao se encaminhar para destruir a Casa de Acabe, o convidou para testemunhar o seu "zelo". Matar o pessoal de Acabe seria uma prova de sua religiosidade.
As doutrinas estabelecidas por Jonadabe foram assimiladas pelo grupo e transmitidas durante séculos como regras fundamentais, a que não se podia escapar. Eram, portanto, fundamentalistas ou "puritanos". Só estavam em Jerusalém na época de Jeoaquim porque Nabucodonosor, da Babilônia, constituía um perigo para quem estivesse no deserto. Depois, como sabemos, nem mesmo a cidade foi refúgio contra suas tropas.
Estando, pois, os recabitas em Jerusalém, Deus deu a seguinte missão a Jeremias, o profeta: atraí-los ao Templo e lhes oferecer vinho. Feito isso, os recabitas não aceitaram e explicaram seus motivos: tinham como razão as lições sectárias de seu fundador. Mas a lição não era para os fundamentalistas, e sim para os outros javistas judeus, que se achavam fiéis ao SENHOR: deveriam eles tomar como exemplo a fidelidade dos recabitas a seu líder, e, assim, passar a obedecer a Deus.
Como recompensa por sua fidelidade, os recabitas teriam sempre um representante na Casa do SENHOR. Sim, eles eram adoradores de Javé, apenas tinham algumas concepções estranhas, isoladas e sem fundamento escriturístico. Sua interpretação da Torah estava errada. O ideal nômade não correspondia à realidade. Mas eram fiéis a Deus.
Essa história encontra-se em Jr 35 e constitui um dos textos que mais me chamam a atenção dentre os do Antigo Testamento. Na Faculdade de Teologia, quando estudava a matéria Profetas, com o querido professor Pr. Fernando Sabra, fiz um trabalho sobre os recabitas e apontei justamente para essa questão dos fundamentalistas e "sectários". O que quero dizer com isso?
Há na Igreja grupos que consideramos estranhos, isolados e com ensinos não totalmente fundamentados na Bíblia. Os teólogos ortodoxos consideram-nos verdadeiras "seitas". Nos seminários, faculdades e lições de escola bíblica, há orientações sobre "seitas e heresias", e lá se encontram recomendações quanto a esses grupos cristãos isolacionistas.
Entendo a necessidade e pertinência desses estudos, mas há que se discernir os aspectos fundamentais dos secundários. E compreender que o só fato de um grupo eclesiástico ser diferente, obtuso e exclusivista não significa que seus membros não possam ser salvos por Cristo. Quem salva é Jesus, e não o corpo de doutrinas.
Tenho dificuldade com classificações de seitas que não leve em consideração todas as características de um grupo sectário. Para ser seita - e, assim, não ser Igreja - o grupo deve conter em si os seguintes elementos:
a) questionar a Doutrina de Deus, a Doutrina de Cristo, a Doutrina do Espírito Santo ou a Doutrina da Trindade;
b) definir-se como o único povo de Deus, fora do qual não há Salvação;
c) basear-se em livros ou revelações estranhas à Bíblia;
d) guiar-se por um líder em especial;
e) ensinar um meio de Salvação que pretende ser complementar ou substituto da morte de Cristo.
É assim que entendo a definição de uma seita. Se uma igreja cristã acredita nas doutrinas fundamentais da Ortodoxia, mas, por algum legalismo ou interpretação literalista das Escrituras, adota costumes "puritanos", nem por isso deverá ser considerada uma seita. Se há entre esses crentes algum tipo de exclusivismo, talvez isso decorra de sua ignorância da essência da Palavra de Deus. Poderão ser considerados tacanhos, mas dizer que são propagadores de heresias já me parece um rigor demasiado.
Devemos ter muito apreço pela Sã Doutrina, é evidente. Todavia, se os crentes se baseiam nas doutrinas fundamentais e desconsideram coisas secundárias, ou criam coisas secundárias, não se pode acusá-los de heterodoxia. Tudo depende do caso concreto. Neste texto temos apenas algumas balizas.
Os recabitas eram crentes. Tinham suas "esquisitices", mas eram crentes. Deus os reconheceu.
Há "recabitas" entre nós ou ao nosso lado. Tenhamos paciência com eles.

Um comentário:

João Armando disse...

Bem-vindo de volta à atividade literária!
Também sempre fui fascinado pelos recabnitas. O texto é bom, pois alerta para o erro de rotular os outros por parte do que fazem, não pelo todo.
Chama-me também a atenção a estranha ordem de Deus ao seu profeta - que os chamasse e lhes oferecesse vinho. Não bebo, não por motivos religiosos - nunca consegui ler, nas Escrituras, uma proibição total "fundamentalista" ao álcool, somente ao mau uso do álcool - mas jamais me veria na situação em que Deus pôs Jeremias - mandou-o "tentar" aquele grupo. Um observador externo poderia exortar o profeta - que é isso que fazes? Mas Deus sabia que eles não trairiam seus ideais, e usou tudo aquilo para ilustrar o ensino, para melhor transmitir sua vontade. Concluo que devemos, sim, ter muito cuidado ao criticar atitudes estranhas - tanto de recabitas quanto de Jeremias (no plural). Deus tem seu propósitos, e muitas vezes só os conhecemos depois.



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Um dos terríveis problemas da Igreja evangélica brasileira é a falta de conhecimento da Bíblia como um sistema coerente de princípios, promessas e relatos que apontam para Cristo como Criador, Sustentador e Salvador. Em vez disso, prega-se um "jesus" diminuído, porque criado à imagem de seus idealizadores, e que faz uso de textos bíblicos isolados, como se fossem amuletos, peças mágicas a serem usadas ao bel-talante do indivíduo.

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Em um só Deus e na Trindade.
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Na concepção virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória, em sua ressurreição corporal e sua ascensão aos céus.
Na pecaminosidade do homem, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que pode salvá-lo.
Na necessidade absoluta do novo nascimento pela fé em Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o homem digno do Reino dos Céus.
No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna justificação da alma recebidos gratuitamente de Deus pela fé no sacrifício efetuado por Jesus Cristo em nosso favor.
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No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis.
E na vida eterna para os fiéis e morte eterna para os infiéis.