O júri do casal acusado de matar a menina Isabella Nardoni movimentou a imprensa de uma forma sem precedentes em nossa história. Desde 29 de março de 2008, quando a garotinha de cinco anos foi morta, as emissoras de TV começaram uma acirrada disputa por furos de reportagem e pelas melhores imagens. Mas antes do assassinato de Isabella havia sido sacrificada a missionária católica Dorothy Stang em Anapu/PA, aos 73 anos, no dia 12 de fevereiro de 2005 - uma mulher ameaçada de morte por sua luta contra a grilagem naquelas terras sem lei. O fazendeiro acusado de encomendar a morte da missionária - Vitalmiro Bastos de Moura - teve que ser julgado por júri popular em três ocasiões distintas, lá no distante Pará, e a repercussão na mídia não foi aquela que o caso demandava. Nem se sabe os nomes do promotor e do advogado de defesa. Não se tem notícia detalhada da investigação, do processo, das sessões do júri e dos recursos. No caso Isabella, até mesmo uma jurada foi entrevistada pelo Paulo Henrique Amorim, da Record, algo que nunca vi na vida!
Agora, com o aparecimento do suspeito de matar e abusar sexualmente de seis jovens em Luziânia/GO, a sociedade discute ou fica perplexa diante de Adimar de Jesus, um provável psicopata-pedófilo que não deveria ter sido solto mas foi, depois de cumprir parte de uma pena que talvez devesse ter sido uma medida de segurança em manicômio judiciário. Só que a sociedade fica com raiva do "monstro", e, mais uma vez, o que o povo pede é justiçamento, em vez de entender que o indivíduo, doente que provavelmente é, poderia não ter matado seis jovens se desde o primeiro abuso contra duas crianças, em 2005, fosse aplicada a medida de segurança, que, diga-se de passagem, está prevista no Código Penal. É certo que para os crimes hediondos se tem discutido a necessidade de cumprimento de prazo maior em regime fechado, mas ali, ao que tudo indica, se tem um doente, alguém dotado de periculosidade, e que, solto nas ruas, irá matar de novo. Imaginemos qual será a cobertura da imprensa sobre a sessão do júri quando esse caso for julgado...
Todavia, o que pode haver de comum entre os casos Isabella, Dorothy Stang e Luziânia? Na verdade, o que faz com que a sociedade trate esses casos de maneira diferente? Por que a freira norte-americana não merece tamanho sentimento de justiça, como ocorreu no caso Isabella e já se mostra no caso dos meninos goianos? Será porque era uma senhora maior de 70 anos? Será porque não havia crime sexual envolvido? Será porque não há no crime contra ela cometido um psicopata apontando friamente o local onde enterrou os corpos? Será porque a causa que ela defendia só interessa aos necessitados amazônidas do campo ou, ideologicamente, a supostos trabalhadores rurais sem-terra de movimentos sociais de esquerda? Digam-me: por que Dorothy Stang não merece maior atenção?
Não adianta ficar com raiva de Alexandre Nardoni, Anna Carolina Trota Peixoto Jatobá, Champinha, Bandido da Luz Vermelha, Chico Picadinho, Francisco de Assis Pereira (ou Maníaco do Parque), Adimar de Jesus, Mohammed D'Ali dos Santos (que esquartejou a namorada em Goiás e tentou matar colega de cela). Nem mesmo raiva de Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", vai adiantar.
É preciso acordar para a podridão de nossa sociedade, bem representada por um congresso que espelha nossa omissão, ética de conveniência, hipocrisia, "jeitinho", desamor, displicência, materialismo, preguiça de pensar, Parlamento que não discute com seriedade os problemas da maioridade penal, medidas de segurança, sistema prisional, reformas nos Códigos Penal e de Processo Penal, combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, sistematização das penalidades da legislação penal esparsa, e toda uma gama de questões que surgem e ressurgem em momentos como este, em que seis meninos desaparecem porque um psicopata andava solto e não podia conter sua sede de matar.
Não adianta mesmo ficar gritando contra as mazelas do Brasil e no dia seguinte rir com as besteiras e superficialidades de um Big Brother que só existe para dar dinheiro à Rede Globo e exibir pessoas sem passado que pretendem posar nuas em revistas ou ganhar fama sem nenhum talento. Não adianta ter sentimentos tão profundos e atitudes tão rasas, como a de um presidente que não se constrange ao dizer que caixa-dois se faz "sistematicamente no Brasil". É como dizia o profeta da "Geração Coca-cola" Renato Russo: "Que país é esse"?
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