A religião traz respostas, enquanto a filosofia faz perguntas. Mas acredito numa teologia que sabe perguntar, em vez de ficar dando respostas prontas, sem reflexão.
Explico: na condição de conhecimento sistematizado, a teologia não pode se contentar com preconceitos, mitos e costumes. Ela precisa questionar, empregar linguagem técnica, utilizar métodos, firmar princípios e critérios, superar o dogmatismo e as paixões. Não coloco a teologia entre as ciências porque ela cuida de campo metafísico, nem a enxergo como filosofia porque esta não se baseia na Revelação - embora pergunte também sobre Deus, a filosofia não acredita necessariamente na Bíblia.
Teologia é teologia e pronto. Como tal, deve ser reconhecida em seus contornos específicos.
Podemos usar o método científico, sem, no entanto, enaltecê-lo acima da Revelação. Aliás, não foi à Razão que apelaram os Reformadores? O que é a Hermenêutica, senão uma técnica utilizada por outros ramos do saber, como, por exemplo, o Direito? E o que seria da doutrina dos textos-prova, tão caros à doutrina do Sola Scriptura, se não fosse o apreço à Razão dada por Deus?
De acordo com o método científico, de Descartes, é necessário partir das perguntas: o quê? como? por quê? quando? quem? É preciso "entrar em crise", ser curioso, observar. Jamais um teólogo pode deixar de ser curioso, como não existem cientistas conformados com o que já lhe disseram.
Veja Isaac Newton - que era cristão: ele descobriu a Lei da Gravitação Universal ao reparar que uma maçã caía da árvore ao chão, em vez de ir para o lado ou subir. Era uma coisa óbvia, pensariam muitos. Mas, se observarmos bem, veremos que as grandes descobertas sempre surgem a partir de coisas óbvias, que todo mundo sabia, mas não haviam sido alvo de investigação. E, assim, estabeleceu-se uma das famosas Leis de Newton, afirmando que a Terra atrai os corpos, e por isso eles tendem a cair quando soltos no ar.
Infelizmente, muito do que se diz ou pensa no evangelicalismo brasileiro remonta a um tipo de pensamento do período medieval, em que a Igreja Romana dizia, e assim tinha que ser. Bem por isso, era a Idade das Trevas, em que pouco se avançou em termos científicos, tecnológicos, econômicos, políticos e sociais. Em lugar do método indutivo, usa-se muito o método dedutivo: isto é, em lugar de fazermos exegese do texto para depois essa exegese nos induzir a uma conclusão lógica e consentânea com o bojo das Escrituras, fazemos o caminho inverso, ou seja, temos uma "conclusão" transmitida pelo tradicionalismo e depois tentamos, por meio da eisegese, ajustar textos bíblicos para comprovarem o que já pensávamos. Isso não é científico, mas também anda longe de ser teológico.
Citar os bereanos aqui pode ser lugar-comum, mas me perdoe, eles são citação necessária. Veja em At 17.11 que eles, não resignados em ouvir o apóstolo Paulo, iam consultar nas Escrituras (nosso Antigo Testamento) para ver se as coisas que ele dizia eram verdadeiras. Que nobres eram os bereanos! Na Antiguidade, muito antes do Iluminismo e da Reforma, já faziam livre exame da Palavra de Deus!
Examinando o Novo Testamento, veremos Paulo convencendo muitas pessoas de que Jesus é o Cristo, não só com discursos, mas também por meio de suas Epístolas. Apolo, de cujo nome vem o termo "apologia", defendia a tese de que Jesus é o Cristo. Lucas, "o médico amado" (Cl 4.14), escreveu de maneira coordenada, com base em pesquisa histórica, fatos que testemunhas oculares da Obra de Jesus lhe contaram detalhadamente (Lc 1.1-4). De um modo geral, a Bíblia é um Livro de convencimento. Paulo exorta a que façamos oração "com entendimento", e não apenas "com o espírito" (I Co 14.14,15). Hebreus é um tratado muito racional de aplicação do Levítico à Obra de Jesus Cristo. O próprio Paulo escreveu que conhecemos em parte, e vemos como que por espelho, em enigma (I Co 13.12), significando nosso conhecimento parcial das realidades espirituais.
Portanto, o valor racional da teologia requer uma postura mais humilde do teólogo, tornando-o uma pessoa que sabe fazer perguntas que nem sempre ele mesmo poderá responder. A resposta definitiva pertence exclusivamente a Deus.
3 comentários:
É pena ver que muitos, hoje, desprezam a teologia como se fosse necessariamente árida, desnecessária, provocadora de divisões - sem reconhecer que todos os cristãos têm, querendo ou não, alguma teologia. Algo parecido com os que dizem que odeiam a política, sem perceberem que isso já é uma atitude política. Nas cartas de Paulo há muitas instruções práticas sobre a vida cristã, mas muita teologia mesmo - leia-se, por exemplo, os primeiros capítulos de Romanos.
Caro Alex Esteves
Seu blog é como um oásis em meio à aridez de tantas puerilidades e mediocridades reinantes na blogosfera.
Extremamente pertinente, seu post coloca questões muito importantes - principalmente para as mentes que acreditam que as "teologias" (todas elas, sem exceção) caíram do céu. Para estes, parece até que elas (as teologias) são parte da Escritura e que não foram produzidas por homens (leia-se, falíveis, até pelos efeitos noéticos da Queda).
Algumas pessoas não conseguem entender a verdade de que toda reflexão sobre a Escritura (revelação) é passível de erro. Infelizmente, o pensamento unilateral acredita piamente que a sua verdade é a única. Assim, para estes, muitas vezes é preferível mutilar textos e modificá-los, em vez de revisar o sistema teológico pelo qual se está lendo as Escrituras.
Já incluí seu blog em minha lista, pois penso que é possível mantermos um diálogo sadio em muitas questões (mesmo que discordemos um do outro).
Um grande abraço
Prezado Pr. César Moisés:
Seja bem-vindo a este blog. Agradeço-lhe imensamente pelas boas palavras. Fico-lhe grato pelo incentivo. Quanto à proposta de diálogo, estamos à disposição, e com alegria.
Grande abraço.
Alex.
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