Muita gente pensa que Jesus é aquele rapaz bonzinho que passa a mão pela cabeça de pecadores não arrependidos em nome de uma graça qualquer, que os teólogos chamam de "graça barata". Mas Jesus proferiu algumas palavras muito duras, como a seguinte: "quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus (Lc 9.62)" e "quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele" (Mc 10.15).
Isso mesmo: há condições para tomar posse da Vida Eterna, e todas essas condições só podem ser implementadas com a intercessão de Cristo, Único Mediador entre Deus e os homens (I Tm 2.5; cf. Jo 14.6).
Gostaria, pois, de pedir permissão ao (à) leitor (a) para fazer uma paráfrase das palavras de Jesus e dizer que aquele que não passar por uma crise não é apto para o Reino de Deus.
Digo isso porque a regeneração (justificação, redenção) é uma crise, na medida em que conduz a uma transformação radical do ser. Entendo o nascer de novo como nada menos do que o que a própria expressão indica: a pessoa morre para dar lugar a uma nova criatura, uma nova pessoa (II Co 5.17). É uma ação espiritual, não apenas uma mudança de comportamento que se dá na esfera moral. Espírito e alma se transformam pela ação do Espírito Santo. Menos que isso é pura religiosidade sem vida, audiência da Palavra sem vivência da Palavra.
Morrer e ressuscitar, ser sepultado (no batismo) e nascer de novo, passar por uma metanoia (mudança da mente, em grego) - essas figuras ilustrativas da Salvação individual deveriam estar bem marcadas em nossos corações, porque constituem o fundamento da Fé Cristã. E todas elas implicam numa crise, uma mudança de rumo e de prumo. Nada há mais radical que isso.
Penso nos cristãos que eventualmente não viveram essa crise e questiono qual terá sido a sua experiência de conversão a Deus. Não julgo as motivações do coração humano, porque isso não me é dado fazer. Mas penso em tese, pois sei que há milhares, talvez milhões de cristãos nominais, que professam as bases de Fé mas não passaram pela experiência do nascer de novo, nunca tiveram uma crise.
Ou será que despojar-se do "velho homem" e se revestir do "novo homem" (Cl 3.9,10) não configura uma crise e tanto? Dir-me-á, porventura, alguém que ser regenerado é a coisa mais simples do mundo? Deixar as trevas espirituais e passar a enxergar com a luz de Deus (Sl 119.105; Cl 1.13) é, por acaso, algo banal e sem marcas?
É certo que alguns sofrerão maiores crises que outros. Os mais simples sofrerão menos. Aqueles que tiverem maior conhecimento e experiências terão, quem sabe, sucessivas crises, com algum intervalo de alento, porque ninguém pode sofrer tantas tempestades ininterruptas. Mas todos os nascidos de novo terão ao menos uma crise em todo o curso de sua existência. É necessário que a crise apareça.
Ó, cristãos sem crise, cristãos "certinhos", cristãos amadurecidos antes do tempo! Como ousam disparar contra os "fracos" em crise o seu ódio hipócrita? Deixemos que cada um, em seu timing, passe pelo que tiver que passar. Apenas os ajudemos em suas fraquezas, como nós temos as nossas. Afinal, Igreja é para socorrer os cansados ou receber em sua membresia somente os homens de boa índole, qualificados, como fazem certos grupos de ritual secreto?
Um comentário:
"Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, senhor, porventura não profetizamos em teu nome, e expelimos demônios, e fizemos muitos milagres... Então lhes direi explicitamente: Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade". Palavras mais duras que essas não conheço. Que terrível será aquele dia! Que o Senhor tenha misericórdia desses "muitos" que se enganam, pensando que são dele mas que praticam a iniquidade. Eis aí um bom motivo para o temor do Senhor, o princípio da sabedoria.
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