sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Artigo sobre o ofício de presbítero

CONSTITUIÇÃO E FINALIDADE DO OFÍCIO DE PRESBÍTERO
A PARTIR DE ATOS 20.28


Introdução. Ao se despedir dos presbíteros da igreja de Éfeso, o apóstolo Paulo fez um discurso muito tocante, registrado em At 20.18-35. Gostaria de destacar apenas o conteúdo do versículo 28, a seguir transcrito:

“Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue”.

Trata-se de uma das passagens fundamentais da Teologia Pastoral, também chamada de Poimênica, que por sua vez se relaciona intimamente com a Hiperetologia ou Teologia do Serviço. Neste ensaio, nossa proposta é analisar o teor do versículo, confrontando-o com textos pertinentes, dos quais se extraem lições atinentes ao conceito, nomeação e propósito do cargo de presbítero.
O presbítero e sua disciplina espiritual. De início, observa-se que aqueles presbíteros deveriam cuidar de si mesmos, antes de pensar em cuidar de outras pessoas. Cuidar de si mesmo implica no exercício de uma vida devocional (oração e leitura da Bíblia) e na fuga das tentações, por meio da vigilância. Com efeito, não se deve estudar a Palavra de Deus somente para pregar ou ensinar, tampouco se deve ler um texto bíblico sempre tendo em mente um sermão. É necessário que o presbítero pense em suas limitações na esfera intelectual, moral, emocional e espiritual, para que não caia (I Co 10.12).
Quem não guarda em depósito não tem para oferecer (II Tm 1.14): por mais que haja talento, conhecimento ou dons espirituais, em determinado momento isso não vai ser suficiente se a piedade for deixada de lado. Demais disto, há o perigo do pecado e dos escândalos. Dada a sua importância, essa mesma exortação à piedade foi dada por Paulo ao pastor Timóteo em I Tm 4.6,7 e 16, justamente àquele que, por um período, foi constituído como líder da igreja de Éfeso (I Tm 1.3).
O presbítero, um vocacionado. Voltando a At 20.28, vemos que não foi Paulo nem qualquer outro apóstolo quem chamou aqueles presbíteros, mas o Espírito Santo, que é Deus. Aliás, é possível perceber a atuação da Trindade nesse processo de chamamento do presbítero: o Espírito o constitui para a Igreja que pertence a Deus e que foi comprada com o sangue de Cristo – o que está implícito na cláusula “com o seu sangue”[1], além de revelar, em consonância com o restante das Escrituras, que Cristo é Deus. Dessa forma, o vocacionado é alguém que a Trindade chama para o ministério da Palavra, constituindo-o para a igreja, instituição espiritual e depois social.
O próprio Paulo, junto com Barnabé, foi separado pelo Espírito Santo à obra de evangelização de gentios, o que foi precedido de serviço ao SENHOR e jejum, e seguido de oração, jejum, imposição de mãos e envio (At 13.1-4). O Espírito tanto chamou como enviou, enquanto da igreja orava, jejuava, cultuava a Deus.
Logo na primeira viagem missionária, Paulo e Barnabé promoveram a eleição de presbíteros (At 14.23). Note-se que eles não indicaram unilateralmente os que seriam presbíteros, mas estabeleceram o processo decisório. Estavam certos de que a vocação é divina e o reconhecimento é da igreja, por meio de outros presbíteros, como o mesmo Paulo deixaria registrado em I Tm 4.14.
Por oportuno, e tomando de empréstimo uma premissa aplicada aos sacerdotes, digamos com a Carta aos Hebreus que “ninguém (...) toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus” (Hb 5.4). No entanto, quem deseja ser presbítero – ou bispo, de acordo com I Tm 3.1 – está pretendendo “excelente obra”, e, a princípio, nada há de errado em desejar o episcopado.
Ao mesmo tempo em que são denominados “presbíteros”, os líderes também são “bispos”, dois vocábulos originados do grego, o primeiro significando “anciãos”, e o segundo, “supervisores”[2]. Não se cogita absolutamente de cargos diferentes, mas de aspectos do mesmo cargo, tanto que em Tt 1.5,7 os termos são utilizados indistintamente.
À semelhança dos anciãos de Israel, autoridades em assuntos morais e civis, os líderes da Igreja devem ser dotados de experiência e autoridade moral. Isso não significa que o presbítero deva ser necessariamente um idoso – o que não deve ser é neófito (I Tm 3.6). Outrossim, na condição de bispos, os líderes estão sobre o rebanho, no sentido de guiá-lo (cf. Hb 13.6,17, 24). Pode-se afirmar, portanto, que “presbítero” e “bispo” são nomes para um mesmo cargo ou ocupação.
O presbítero e sua função. Por outro lado, aqueles mesmos presbíteros ou bispos foram constituídos pelo Espírito Santo para pastorearem a igreja de Deus. Assim, enquanto “presbítero” e “bispo” são nomes de um cargo, “pastor” é designação de uma função. Dito de outro modo, não existe biblicamente uma hierarquia entre bispos, presbíteros e pastores, que grupos eclesiásticos inventaram, criando até um sistema de promoções em que um presbítero é alçado ao status de pastor, ou os bispos são superiores aos pastores. Tudo isso acaba sendo um regime de títulos e carreiras, e se caracteriza como uma distorção dos ofícios eclesiásticos, tomando-se nomes diferentes como se designassem coisas diferentes – caso de bispo e presbítero – e adotando arbitrariamente um significado para as palavras.
De fato, pastor é quem pastoreia. Se o indivíduo é intitulado pastor, mas não pastoreia, algo está errado. Na essência, não existe pastor sem rebanho, o que seria, na verdade, uma contradição em termos, como dizer que alguém é comandante, mas não tem a quem comandar. Essa distorção configura-se quando se consagram pastores visando à sua premiação por serviços prestados, como que “pelo conjunto da obra”; ou quando se conferem simples títulos de pastor a quem não foi chamado (por Deus) a pastorear.
O presbítero e suas atribuições. Embora chamado ao presbitério, pode alguém não ser constituído sozinho sobre uma igreja local, como seu líder. Isso não está errado, pois, em nosso texto-base, vemos que aqueles presbíteros serviam na mesma comunidade, na cidade de Éfeso, e todos eram pastores. O que não pode ocorrer é a consagração de pastores para não pastorear, como prêmio ou título, ou quem sabe para formar uma “base aliada” na congregação, um grupo de bajuladores e interesseiros, que afagam o “pastor-chefe” enquanto cultivam o sonho de, um dia, eventualmente assumir o seu lugar, e assim ganhar todas as honrarias que hoje lhe reconhecem.
Uma das atribuições de presbítero pode ser a presidência da igreja, porque há os que “presidem bem” (I Tm 5.17). Outro papel é o de pregar e ensinar (idem). Há a necessidade de administrar recursos financeiros (At 11.30). Todos os presbíteros devem zelar pela “palavra fiel que é segundo a doutrina”, seja pela exortação no âmbito do ensino, seja pelo convencimento de contradizentes (Tt 1.9). São auxiliados por diáconos, “cooperadores e obreiros” (I At 6.1-7; I Tm 3.8-13; I Co 16.16), e se lhes deve dirigir submissão e honra (I Ts 5.12; Hb 13.17, 24).
Não há que se esquecer, ainda, que há diversas maneiras de pastorear, e que os pastores possuem dons distintos, o que pode produzir uma grande variedade de estilos de ministérios. Isso é bíblico, importante e verificável na prática. Uns podem ser pastores que presidem (cf. Rm 12.8), outros, pastores que aconselham (I Ts 5.12), outros, ainda, pastores que também têm o dom de evangelista (Ef 4.11), outros, pastores que ensinam (I Tm 5.17) – e como estes pastores-mestres são necessários atualmente! As manifestações carismáticas não são estanques.
Por fim, cumpre consignar que, além da vocação, eleição e atribuições, há os requisitos do presbitério (I Tm 3.1-7, Tt 1.6-9) e uma série de posturas recomendadas (como em Tt 2.1,7,8; I Pe 5.1-4).
Conclusão. Muito mais do que uma questão de palavras, cuida-se aqui da doutrina pastoral, com o intuito de contribuir com uma reflexão a respeito da liderança evangélica brasileira dos dias atuais. Repito: não se cuida aqui de mera nomenclatura, pois, na verdade, revela-se que a falta de conhecimento dos ofícios eclesiásticos produz a confusão terminológica, e não o contrário. É por isso que há pessoas sendo ordenadas a “evangelistas” ou “pastores”, mas sem o dom de evangelizar ou sem a vocação para o ministério pastoral.
[1] A Bíblia Anotada traz, à p. 1393, a informação de que, literalmente, a expressão é “com o sangue do Seu Filho”.
[2] Bíblia Anotada, p. 1518.

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