sábado, 20 de setembro de 2008

Ativismo versus Cristocentrismo

Há muito de Marta e pouco de Maria na Igreja brasileira. Do que estou tratando? Refiro-me à passagem de Lc 10.38-42, que o eventual leitor conhece. Temos uma teologia prática que anda mais com Marta do que com Maria, aquelas irmãs de Betânia que hospedaram Jesus numa de Suas viagens.
Nota-se que Marta toma a iniciativa, pois, embora residisse com Maria, o texto revela que foi Marta quem hospedou o Mestre. Ela parece uma pessoa disposta, ativa, determinada. Isso, por si só, não é ruim, mas pode ser mal empregado.
Veja-se que, enquanto Maria "quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos", Marta "agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços" (vv.39,40). O texto é bem claro, e facilita o ofício do intérprete ou do pregador: Marta representa os crentes ativistas; Maria, os crentes que ouvem Jesus falar.
Marta, com sua personalidade forte, achou-se no direito de exigir de Jesus uma repreensão a Maria, pelo fato de permitir que esta não fosse ajudá-la. No entanto, em vez de repreender Maria, Jesus dá uma importante lição à agitada Marta: "Marta, Marta! andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma só cousa; Maria, pois, escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada" (vv.41,42).
Analisemos isso. Por mais difícil que seja extrair traços comportamentais de pessoas que viveram há 20 séculos, e cujas caractetísticas vêm descritas em poucas palavras, é possível fazer aplicações para hoje porque o texto se presta exatamente a essa função. De fato, Lucas não o registrou por acaso.
Com efeito, Marta representa o ativismo evangélico que herdamos dos norte-americanos. Maria simboliza os crentes que reconhecem a centralidade de Jesus, deixando que Ele diga o que quer dizer. Meu professor IVAN GONÇALVES chamou isso de Teologia de Servo numa de nossas aulas.
Somos ativistas, aprendemos isso com os missionários estadunidendes. Achamos que ser cristão resume-se a "servir a Deus". Pensamos em todo crente como um "obreiro". Medimos a espiritualidade pela frequencia aos "trabalhos da igreja", às atividades, pelo engajamento "na obra de Deus". Ora, tudo isso é importante, mas a vida cristã não se resume a servir, trabalhar, frequentar, atuar. A vida cristã passa antes pelo estar com Jesus, ouvir Jesus, ficar aos pés de Jesus, exercer comunhão com Jesus.
Amado leitor, eu critico a Igreja brasileira porque amo a Igreja brasileira. Eu não a criticaria se não a amasse. Justamente por isso, tenho repulsa aos que se apossam dela, e fomentam uma atitude conformista ou triunfalista nos crentes. No caso deste texto, critico o ativismo, que não deixa de ser uma distorção que nos afasta de Jesus. E, mesmo honrando a herança dos nossos missionários, não posso aceitar tudo sem um juízo crítico, sem um filtro.
Voltando a Marta e Maria, observe bem: quantas vezes dizemos que somos "servos de Deus"? Muitas vezes, não? Mas, quantas vezes reconhecemos que somos "filhos", "amigos", "herdeiros"?
Pelo amor de Deus, não pense que sou daqueles que usam a frase "sou filho do Rei" para arrogar para si direitos materialistas sobre o SENHOR. Aliás, o que Deus nos concede não é por direito, mas por Graça. Nada podemos reivindicar, exigir, cobrar, nada há que tenhamos dado ao SENHOR para que Ele tenha que nos restituir (Rm 11.35). Pelo contrário, a fé bíblica consiste em confiar nas promessas e obedecer às prescrições de Deus. Isso é fé, bem diferente de um conceito de legalidade sobre Deus que alguns têm ensinado em igrejas pós-modernas.
Quando me refiro à nossa condição de amigos, filhos ou herdeiros de Deus, quero chamar a atenção para outras metáforas bíblicas que não a do servo. Na verdade, muito de nossa teologia guarda elementos culturais dos povos. Esse comportamento "faça você mesmo" é típico dos norte-americanos, porque eles são práticos, vêem a vida em função da utilidade, da ação, da finalidade, do resultado - isso em linhas gerais, por favor!
Qual deve ser, pois, a nossa teologia? Abandonaremos o estilo Marta e nos aferraremos ao perfil de Maria? Creio que essa deve ser a minha sugestão. "Ora - alguém perguntará - e quanto ao equilíbrio? Não deveríamos ser um pouco Marta e um pouco Maria"? Digo que não porque o que Jesus disse foi bem claro: uma só coisa é necessária, e foi Maria quem a escolheu. Dito de outro modo, é como um reflexo daquela frase de que sem Jesus nada podemos fazer (Jo 15.5).
Como nos comportaríamos hoje se Jesus aparecesse em nossa aldeia? Mas a questão, amado, é que Ele está em nosso meio Se apresentando a cada reunião cristã. Entretanto, quantos são os que, como Maria, ficam atentos à Sua doce voz? Quanto ficam parados a ouvi-lo? Quantos conseguem refletir sobre o que está sendo ensinado? E mais: o que está sendo ensinado? É Jesus mesmo que está falando? E onde estão os crentes? Estão querendo ouvir a voz de Cristo ou se atabalhoando em muitos trabalhos?
Como assembleiano, sei do que estou tratando. Fomos evangelizados por um pessoal que tinha essa maravilhosa cultura do "ganhar almas", o que é muito bom. Todavia, com o passar do tempo, vejo que nossas igrejas têm sido caracterizadas por um ativismo notável: festas, cruzadas, comemorações, congressos, grandes aglomerações, calendário repleto de eventos para todas as idades. Eu aprovaria tudo isso se o povo fosse ensinado em termos cristocêntricos, mas não é isso o que ocorre. O que percebo é uma inanição das ovelhas, que, à falta de pão do Céu, iludem-se com as relvas esbranquiçadas do ativismo, do Triunfalismo e da Teologia da Prosperidade.
Não, eventual leitor, eu não sou mal-amado: se alguém tivesse falado certas coisas desde o início, a Igreja Romana não se teria tornado o que se tornou: um sistema pútrido de heresias, hipocrisia e promiscuidade política.
Portanto, continuo crendo que devemos olhar mais para Jesus, entender qual a suma do Evangelho, qual a essência do viver cristão. Quem sabe se a simples atitude de Maria não nos tornaria um pouco mais sensíveis à Palavra de Deus?

Um comentário:

Alice disse...

Demais !!
adorei !!!
te linkei aos meus favoritos !
Cara mandou bem mesmo !
Parabens!

abraços em Cristo



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Um dos terríveis problemas da Igreja evangélica brasileira é a falta de conhecimento da Bíblia como um sistema coerente de princípios, promessas e relatos que apontam para Cristo como Criador, Sustentador e Salvador. Em vez disso, prega-se um "jesus" diminuído, porque criado à imagem de seus idealizadores, e que faz uso de textos bíblicos isolados, como se fossem amuletos, peças mágicas a serem usadas ao bel-talante do indivíduo.

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Na pecaminosidade do homem, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que pode salvá-lo.
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