Dentre as figuras de linguagem que a Bíblia emprega sobre a Igreja (e.g., ramos da videira, rebanho de ovelhas, casa espiritual, edifício de Deus, lavoura de Deus, corpo humano, esposa do Cordeiro), nenhuma delas se aproxima da imagem de auditório. Destaca-se, isto sim, a nutrição espiritual em Cristo (ramos da videira), a liderança, proteção e provisão de Cristo (rebanho de ovelhas), o sacerdócio universal dos crentes (casa espiritual), a edificação harmoniosa da coletividade em Cristo (edifício de Deus), a frutificação do trabalho de Cristo (lavoura de Deus), a utilidade e interdependência dos membros por causa dos dons (corpo humano), o caráter santo e a espera da parousia (esposa do Cordeiro).
Em nenhuma dessas figuras - e existem outras - a Igreja é retratada como simples espectadora de um líder ou grupo de líderes. A Igreja é atuante, participativa, sujeito, agente, e todos esses adjetivos e substantivos que se queira dar para referir uma condição que passa longe da inércia.
A Igreja é liderada por pastores, sim, mas eles são também ramos da Videira, ovelhas do Sumo Pastor e Bispo de nossas almas, sacerdotes, como todos os crentes, pedras que vivem, como todos os crentes, plantas na lavoura de Deus, como todos os crentes; exercem seus dons e ministérios em dependência de Cristo, a cabeça, e dos demais membros, porque os pastores também são membros do Corpo de Cristo; enfim, os pastores - ou quaisquer outros líderes com nomenclatura diversa - devem zelar pela santidade pessoal e aguardar a vinda de Cristo.
Os pastores são servos dos servos. Os pregadores, quando lançam mão do púlpito, têm sobre seus ombros grande responsabilidade, não deveriam usar o poder da palavra - refiro-me à oratória, ao talento natural - nem os dons espirituais da palavra - refiro-me a qualquer dom relacionado à pregação - repito, não deveriam usar esses talentos e dons para manipular a "platéia", dirigir o culto como se fossem animadores de auditório, apresentadores de programa de televisão ou show-men (uso a expressão inglesa no plural), enquanto o povo fica ali, às vezes deslumbrado, às vezes cantando e se emocionando, e às vezes sem paciência com reuniões intermináveis em que até a cadeira confortável e o ar-condicionado perdem o valor.
Tenho dificuldade com isso, não gosto de ficar sentado vendo e ouvindo apresentações musicais que podem servir muito para agradar aos cantores, mas que não edificam a Igreja ou que não trazem conteúdo cristão. Podem até trazer, mas o excesso de músicas num culto e a extrapolação do tempo regular, quando se tornam rotina, mostram que alguma coisa está errada, que o foco pode não ser o louvor a Deus.
As igrejas-auditório são um problema geral. Quem quer saber de Escola Dominical, em que o aluno precisa ouvir pelo menos 50 minutos de um ensino sistematizado da Bíblia? Quem quer saber do ensino, que pressupõe bilateralidade, raciocínio e reflexão? E mais: quais são os pregadores famosos ou aspirantes a famosos que se expõem a dar aula na Escola Dominical? Sim, senhores, coloquem um pregador de multidões diante de 15 ou 20 alunos de Escola Bíblica, e vejam se ele tem conteúdo, vejam como será o seu desempenho sem os gritos e performances, sem os pulos e frases-de-efeito, sem o clima de expectativa que o envolve.
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