Depois de dizer que está escrevendo uma revelação e profecia, João passa a se dirigir a sete igrejas da Ásia (atual Turquia) na forma de carta. Ele usa a fórmula encontrada em outras Cartas do Novo Testamento: "João, às sete igrejas que se encontram na Ásia, graça e paz a vós outros..." (v.4).
O apóstolo continua em sua saudação: "...da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono, e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos Reis da terra..." (v. 4,5). Temos aqui uma menção à Trindade: Jesus Cristo recebe referência explícita, com atributos relacionados à Salvação por Ele operada; os sete Espíritos não se referem a sete seres espirituais, mas ao Espírito Santo, Terceira Pessoa Divina, pois o número sete indica perfeição. Assim, e em conformidade com o contexto escriturístico, não se trata de sete Espíritos no sentido literal, mas de um só e mesmo Espírito perfeito e distinto de Jesus Cristo e do Pai. Em 4.5, diz o texto que "diante do trono, ardem sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus". É a mesma figura de linguagem, o mesmo número indicando a mesma idéia - a perfeição do Espírito de Deus.
Quanto àquele que é, que era e que há de vir, trata-se de Deus Pai, pois vem citado em paralelo a Jesus Cristo e aos sete Espíritos que estão "diante do seu trono". Esse mesmo Deus apresentou-Se a Moisés como o EU SOU. Deus é, portanto, Eterno e Perfeito. Esse texto de Apocalipse é um dos fundamentos da existência da Trindade, embora a palavra "trindade" não apareça na Bíblia.
A obra salvífica de Cristo é enfatizada. Ele é a Fiel Testemunha, é a própria verdade (Jo 14.6), é o Logos Encarnado (Jo 1.1-14). Cristo é a personificação da vontade divina, é a Pessoa que cumpriu todo o desígnio de Deus, é o tema principal, fundamento e o objetivo da Escritura. A Bíblia foi escrita por causa d'Ele.
Em outro Livro, precisamente em sua Primeira Carta (1.1-4), o apóstolo João escreveu sobre o fato de ter sido testemunha pessoal do Verbo da Vida, "que era desde o princípio" (Gn 1.1; Jo 1.1). João viu, ouviu, contemplou, apalpou. Ele viu a vida eterna manifesta em Jesus de Nazaré. Ele deu testemunho dessa vida eterna e a anunciou como sendo a vida ofertada por Deus Pai. A comunhão espiritual e bíblica advém do conhecimento do Pai e do Filho. Jesus, o Filho de Deus, é a Testemunha Fiel dos desígnios de Deus Pai.
Jesus Cristo é ainda o Primogênito dos mortos. Isso significa que Jesus foi o primeiro a ressuscitar para não mais morrer, assumindo desde então um corpo transformado, glorificado. Com isso, os salvos têm garantia de que ressuscitarão também para a glorificação.
Jesus é o Soberano dos reis da terra. João retoma aquela noção vetero-testamentária do rei-messias, algo presente nos Salmos, mas que não foi bem compreendido pelo Judaísmo, que entendeu tratar-se de um reinado político. Por causa de uma escatologia errada, os fariseus mataram Jesus, já que Ele veio dizendo que Seu reino não era deste mundo, tendo-Se apresentado como um pobre filho de carpinteiro, da região mais desprezada, que era a Galiléia, onde fora criado. Agora João traz de volta aquela idéia do Soberano Rei, dizendo que Jesus é esse Rei, nada obstante Ele ter morrido na Cruz, nada obstante haver perseguição contra a Igreja.
Aqui segue uma doxologia: "Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!" (5,6).
O rei soberano foi o mesmo que morreu pelos nossos pecados. Nisso não há nenhuma contradição. Ele é Rei e Salvador. No Salmo 89.27, estão unidas as noções de primogênito e o mais elevado dos reis da terra - João trabalha essas duas realidades a que Etã, contemporâneo de Davi, havia se referido. O apóstolo ajuda-nos a compreender que o Salmo é messiânico, ainda que o salmista tivesse eventualmente em mira o próprio rei Davi. Isso é realmente maravilhoso!
Mas não termina aí. Jesus libertou-nos dos nossos pecados e nos constituiu reis e sacerdotes, assim como era Israel um "reino de sacerdotes" (Ex 19.6). A afirmação é repetida no Cântico de 5.9,10. Pedro diz que a Igreja é "sacerdócio real" (I Pe 2.9), o que equivale a "sacerdócio régio".
O plano de Deus sempre foi salvar um povo para ser sacerdócio real. Esse plano passou por Israel, a fim de que o Messias nascesse num ambiente provido da instrução divina, e sabemos que Israel falhou. No entanto, a Igreja não é uma espécie de plano B: Deus sempre quis que a Igreja fosse Seu povo, o qual foi escolhido, eleito, chamado, predestinado desde antes da fundação do mundo.
Somos, enquanto salvos, sacerdotes de Deus porque Lhe oferecemos sacrifícios de louvor, intercedemos pelas pessoas e O representamos na Terra. Somos reis porque reinamos com Cristo sobre o pecado, a morte e o mal. Jesus reina, e reinamos com Ele em alegria, justiça e paz no Espírito Santo (Rm 14.17).
Jesus Cristo nos constituiu reino de sacerdotes "para o seu Deus e Pai". E nós glorificamos a Jesus Cristo e Lhe reconhecemos "o domínio pelos séculos dos séculos". A isso dizemos "Amém!" com o coração alegre e convicto de que Jesus Cristo é o fundamento de nossas vidas.
Portanto, o Apocalipse começa enaltecendo a Pessoa e a Obra de Jesus, sendo Ele Deus Eterno e Perfeito, a Fiel Testemunha, o Rei Soberano, o Primogênito dentre os mortos, o Salvador, o Libertador e o instituidor do sacerdócio real - que é a Igreja.
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