É triste verificar que o Livro de Malaquias só é lembrado quando queremos falar de dízimos e ofertas ou da predição acerca de João Batista. Trata-se de um Livro riquíssimo, que vai além desses importantes temas, e, como Palavra inspirada por Deus, tem uma mensagem atual, espiritual e profunda. É um convite à reflexão sobre religiosidade e moralidade.
Malaquias gira em torno de seis grandes questões, quais sejam: a prova do amor de Deus (1.1); o culto negligente a Deus (1.6); a importância da fidelidade no casamento (2.14); a justiça de Deus (2.17); a mordomia (3.8) e a religiosidade utilitarista (3.13,14).
De um modo geral, o profeta dedica-se ao fato de que os judeus de seu tempo buscavam vantagens em troca da prática religiosa, mas eram infiéis e não adoravam ao SENHOR com sinceridade e zelo. Sua espiritualidade era formalista, vazia.
Primeiro, o povo suspeita de que Deus não o ama, e Deus responde que Seu amor se comprova pela Eleição, mediante a Graça. Em vez de Esaú, o primogênito, Deus escolheu a Jacó. O SENHOR amou aquele povo desprezível (1.1-5).
Segundo, os sacerdotes se mostram negligentes para com o serviço sagrado, oferecendo sobre o altar animais cegos, coxos, enfermos e dilacerados. Ao entregar animais desprezíveis, sinalizam a noção de que as coisas do SENHOR são desprezíveis em si. O profeta atenta para a forma, não para o formalismo. A forma do culto reflete a "teologia" de quem presta o culto. Quem despreza as coisas de Deus oferece coisas desprezíveis a Deus (1.6-14). A repreensão contra os sacerdotes é dura porque, além do culto negligente, eles deixaram de ensinar o povo conforme a Lei de Deus. Achando que o culto a Deus é desprezível, tornaram-se, eles mesmos, desprezíveis (2.1-9).
Terceiro, os homens estavam assumindo compromissos com outras mulheres que não suas esposas, e faziam isso com mulheres de outras nações, adoradoras de deuses esranhos. Havia infidelidade a Deus e ao pacto nupcial, associado, porém, a ofertas religiosas e aparência de piedade. Deus odeia o divórcio, diz o texto (2.10-16).
Quarto, o povo achava que Deus não era justo. Em resposta, o SENHOR anuncia o futuro juízo contra os feiticeiros, os adúlteros, os que juram falsamente, os que defraudam o salário do trabalhador, os que oprimem o órfão e a viúva, os que torcem o direito do estrangeiro, e não temem o Seu nome. A justiça de Deus seria revelada pela aparição do Anjo da Aliança (2.17-3.5), que, sabemos, é Jesus Cristo.
Quinto, o povo roubava a Deus, não contribuindo para a manutenção das coisas sagradas. Não havia respeito à mordomia, que é a administração dos bens concedidos por Deus. Eles queriam usar os bens para seu proveito próprio, sem se preocupar com as necessidades da Casa do SENHOR. Vale dizer que a promessa divina de bênção sem medida, pelo abrir das janelas do céu, tem que ver com chuvas abundantes, necessárias para a obtenção de boas colheitas. Não se pode esquecer que se trata de uma economia agropastoril, e que Israel recebera promessas de cunho material, que agora Deus repete e confirma no seu trato com o remanescente Judá (3.6-12).
Sexto, o povo era utilitarista em sua religião, acreditava que tinha sido inútil servir a Deus, chegando mesmo a perguntar "Que nos aproveitou termos cuidado em guardar os seus preceitos e em andar de luto [em atitude de piedade] diante do SENHOR dos Exércitos"? Eles achavam que felizes e prósperos eram os ímpios e soberbos, porque, segundo eles, tentavam ao SENHOR e escapavam (3.13-15).
Em suma, Deus rechaça o utilitarismo religioso, que é necessariamente desprovido de espiritualidade autêntica e de moralidade sadia.
Fico assustado com o fato de muitos usarem Ml 3.10ss para justificar o método da barganha com Deus, quando o texto apela justamente para o altruísmo, a mordomia, a fidelidade, a confiança na providência do SENHOR! Será disfunção cognitiva ou má-fé?
De certo modo, Malaquias aproxima-se de nós quanto ao contexto porque o tempo era de espera...
Com o templo reconstruído, com os avivamentos sendo coisa do passado, com a frustração de falsas expectativas em torno de Zorobabel como o prometido Filho de Davi, com a idéia de que a glória predita por Ageu não havia se cumprido...o povo tinha "apenas" o cotidiano religioso, as ofertas e sacrifícios, o ensino por meio dos sacerdotes, a vida normal, enfim. Eles precisavam de fé, amor e esperança, algo que demonstraram não ter.
Deveríamos, já pelo contexto vital do Livro (a chamada "sitzenlaben"), aprender que Malaquias tem muito a dizer a nós, cristãos brasileiros do início do Séc. XXI.
Talvez os pentecostais históricos - e esse grupo não é muito diversificado - deveríamos repensar para onde vai nosso Movimento, que, recordando avivamentos pretéritos, não poderia, por outro lado, descuidar do combate ao utilitarismo religioso que insiste em dominar nossos púlpitos, congressos, festas. Mas essa preocupação deve ser de todas as igrejas, uma vez que o triunfalismo é realidade assustadora ao nosso redor.
Por fim, temo que o Antigo Testamento, onde Malaquias se encontra, seja utilizado tão mal pelos novos segmentos judaizantes que surgem no Brasil. O Antigo Testamento é riquíssimo, e, em seu exame, só teremos a perder se não o enxergarmos com a sinceridade e zelo do profetas Malaquias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário