O Supremo Tribunal Federal tem discutido, em audiências públicas, o sistema de cotas para negros nas universidades federais e estaduais. Trata-se da ação de um estudante contra as cotas implantadas na UFRGS e da ação do Democratas contra o sistema criado na UNB (onde tudo nasceu). Para formar seu convencimento, os Ministros do STF ouvem dezenas de representantes das duas correntes.
Como já fiz neste espaço, quero registrar, agora com outros argumentos, a minha total discordância em relação às cotas raciais. Segue:
1) Biologicamente, não existem raças. O que existe é a Humanidade, que se manifesta em diferentes etnias. Qualquer pessoa do mundo, seja de que etnia for, pode manter relações com um ser humano do sexo oposto e seu filho será um humano também. Se forem de etnias distintas, o filho será "mestiço", com uma carga genética que manifesta influência das duas etnias. Disso decorre que esse descendente poderá ter características físicas predominantes de uma etnia, de maneira que, a olho nu, não se aproxime da etnia de um dos genitores. Enquanto a etnia está ligada à expressão fenotípica (os traços físicos), a "raça" estaria ligada a diferenças genéticas muito importantes, coisa que não há entre os seres humanos.
2) O problema no Brasil é social, e não racial. Pode-se dizer que nos Estados Unidos e na África do Sul houve uma discriminação tal que negros e brancos tinham que frequentar lugares distintos, porque, na concepção das elites brancas, o mal estaria na miscigenação, na mistura de "raças". No Brasil, embora haja certo preconceito "de cor", não há apartheid, de maneira que um negro não deixa de ascender socialmente se reúne as condições para isso.
3) É necessário melhorar a educação para todos. É muito mais fácil para o Governo brasileiro adotar o sistema de cotas do que melhorar a educação. Se tiver que investir na educação, lançará mão de dinheiro público, mas parece muito mais interessante tirar do estudante "branco" alguns pontos e entregar para o estudante que "se declara negro" ou que é "reconhecido como negro" por uma comissão universitária. Assim, a educação continua ruim, mas o Brasil oferece a impressão de que cuida dos negros, satisfazendo movimentos de esquerda.
4) A alegação de que o sistema de cotas é bom, e só depende do método, é falaciosa. Explico: os defensores de cotas dizem que é preciso fazer compensações, reparações aos negros, e que as cotas são o melhor sistema, ainda que seja preciso depender da declaração unilateral de um estudante ou confiar numa comissão que dirá se a pessoa é negra ou não. Ora, não se trata de simples questão metodológica, mas do fato de que o sistema em si mesmo é equivocado, seja qual for o método empregado, porque não há como determinar se uma pessoa é negra, e, se houver, dando crédito ao componente genético, haverá de se perguntar: se foi preciso detectar a negritude geneticamente, por que isso teria gerado discriminação? Se foi preciso recorrer ao cientista, como os leigos conseguiram discriminar o indivíduo?
5) Classificar pessoas pela "raça" é coisa do Nazismo. Alguém já pensou nisso? Eu sei que já: em 2002, o então candidato à Presidência, Ciro Gomes, disse num debate televisivo que não concordava com a determinação da "raça" por métodos científicos porque isso seria um ato inimaginável numa democracia (não lembro as palavras, mas foi nesse sentido). Interessa aos racistas que a raça seja indicada para que o indivíduo possa ser respeitado ou ultrajado. Isso não interessa a democracias.
6) Os defensores das cotas usam erroneamente a frase de Aristóteles, citada por Rui Barbosa, de que "igualdade é tratar com desigualdade os desiguais, na medida de suas desigualdades". A frase é corretíssima, mas a aplicação é errada. Eu sei quem é mulher, quem é criança, quem é deficiente físico, quem é idoso, quem é pobre (mesmo que branco de olhos azuis), e sei que essas condições trazem dificuldades naturais ou impostas pela sociedade, mas isso não se dá claramente no caso dos negros. Para eu tratar com desigualdade os desiguais, na medida de suas desigualdades, eu devo saber exatamente quem são os desiguais, e qual a medida de suas diferenças. Quanto à mulher, ao pobre, à criança, ao idoso e ao deficiente físico, isso é possível fazer. Mas, quanto ao negro, não, devido à questão histórica: somente sua condição individual nos dirá o que lhe aconteceu para não ter obtido oportunidades na vida.
7) As cotas criam discriminação entre estudantes. Essa tese é do professor Demétrio Magnoli, árduo defensor da extinção das cotas. Segundo ele, as tais "ações afirmativas" fazem distinção entre estudantes de tal modo que um filho do Ministro Joaquim Barbosa, que é negro, mas bem-sucedido, pode ser beneficiado pelas cotas, em detrimento de um estudante branco e pobre.
8) No caso daqueles estudantes que não tiveram chances, por serem pobres, o Governo deveria fomentar políticas de inclusão educacional. Por que o Governo não incentiva a criação de cursos pré-vestibulares gratuitos para estudantes pobres? Por que não se preocupa mais com cotas para pobres? Por que a alternativa tem que se basear num conceito inventado pelos racistas, pelos paladinos da execrável tese da "superioridade racial"? Com medidas de transição, como os cursos para estudantes pobres, pode-se tentar resolver problemas desse público de transição, enquanto a educação não melhora.
9) O sistema de cotas é racista. É racista todo sistema político que discrimina as pessoas com base num conceito racial. Assim, são discriminados os que se reconhecem como "brancos", e elevados, sem isonomia, os que se reconhecem "negros".
Eu tenho a pele clara, cabelos lisos e traços finos, mas há parentes meus da etnia negra e também indígena. Então, o que eu sou? E o que meus filhos são, já que descendentes de um homem "branco", casado com uma moça de origem japonesa (geneticamente sem mestiçagem), e com parentes negros e índios? Quem são meus filhos? Têm eles direito a cotas para negros, para índios ou para o quê?
Minha irmã faz Letras numa universidade baiana, onde se fala muito, mas muito mesmo, de cotas, de identidade e cultura negra, essas coisas. Um dia, ela me pediu para lhe fornecer um material sobre cotas, e eu lhe dei vários textos da Folha de São Paulo, contrários e favoráveis às cotas. Vi que, em sua faculdade, todos são favoráveis ao sistema de cotas e o professor só defende um lado, sem mencionar os pontos defendidos pelos que combatem o sistema de cotas. Ora, onde está o debate? Onde está a universitas? Onde está a democracia? As universidades públicas acabam sendo redutos de uma esquerda que pretende induzir estudantes a uma ideologia definida.
Não concordo com nenhuma medida que venha a discriminar pessoas. Sou um humanista, um admirador da Humanidade como criação de Deus. Defendo a inclusão social e educacional, não o apartheid social, étnico e cultural que querem impor ao meu País, belo justamente pela mistura.
Que Deus nos livre dessa terrível discriminação "racial" que querem institucionalizar. É isso, por enquanto.
2 comentários:
Primeiro - parabéns por expor tão bem o assunto, principalmente levando-se em conta que você mora na Bahia... Gostei muito dos argumentos, principalmente o de nº 7 (que cita o hipotético filho de Joaquim Barbosa). Sempre achei interessante que, no Brasil, toda essa questão de raça sempre foi uma imposição - enfiam-nos goela abaixo o que deve ser. Engraçado é que nós, evangélicos, é que somos bitolados, dinossáuricos etc... Lembro-me de ter lido que determinada pessoa pública no Brasil (a estas alturas não tenho mais a menor ideia de quem tenha sido) que era filha de um branco com um negro, queixava-se de ser cobrada à exaustão para se dizer negra. Ora, dizia, isso seria jogar fora metade da minha carga genética! O Ronaldinho (não o gaúcho, o carioca) se diz branco e é criticado por isso. Que ele tem sangue negro, é inegável. Que ele tem mais características externas de branco, também - falo do fenótipo. No Brasil, se houver 1% de sangue negro, o cidadão é obrigado a se dizer negro, sob pena de ser racista.
João Armando,
Obrigado pelas boas palavras.
Como você viu, eu sou radicalmente contra essa medida discriminatória das cotas. Quanto mais ouço os argumentos favoráveis às cotas, mais me convenço de que elas constituem uma injustiça.
Um abraço.
Alex.
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