Em 1910, na pequena cidade mineira de São João Del Rey, nascia Tancredo de Almeida Neves, que se tornaria um dos mais importantes políticos brasileiros do Séc. XX. Advogado, foi ministro da Justiça no governo de Getúlio Vargas, cargo que ocupava quando este se suicidou. Foi primeiro-ministro na aventura parlamentarista brasileira, arranjada para evitar que forças militares impedissem a posse de João Goulart depois da renúncia de Jânio Quadros. Foi também vereador, deputado e governador de Minas.
Mas foi a participação de Tancredo Neves na transição democrática que colocou seu nome na história política do nosso País. Líder no MDB (Movimento Democrático Brasileiro), operou, junto com Ulysses Guimarães, a negociação para a abertura do regime. A proposta de eleições diretas não passou no Congresso (Emenda Dante de Oliveira), mas a transição para a democracia estava a caminho. Em 1985, Tancredo derrotou Paulo Maluf na eleição indireta para Presidente da República.
Um dia antes da posse, Tancredo sofreu uma crise de diverticulite aguda, nome estranho para uma doença que o submeteria a sete cirurgias em 38 dias! Nesse período, tomou posse José Sarney, candidato a vice, oligarca do pobre Maranhão e egresso das fileiras que sustentaram a ditadura - o interessante é que, pelo que sei, deveria ter ocorrido outra eleição indireta, porque, se o titular não tinha sido empossado, o candidato a vice também não poderia. Mas acredito que empossar Sarney foi uma daquelas escolhas políticas baseadas no bom senso - por incrível que pareça -, já que uma eventual segunda eleição poderia nos dar Maluf como presidente...
A agonia do presidente eleito foi longa, assim como a expectativa da Nação. Até que em 21 de abril, mesma data da morte do mineiro Tiradentes, Antonio Britto, o porta-voz de Tancredo, anunciou a morte dele.
Eu tinha 08 anos de idade naqueles dias, mas lembro de muitas coisas. Eu, mesmo criança, acompanhava as notícias pela televisão. Assistia frequentemente o Bom-Dia Brasil, da TV Globo, e gostava muito da parte do café-da-manhã. Fiz até uma espécie de brincadeira em casa, em que cada um de nós era um personagem da história contada na TV, e eu, olhem só, era o Tancredo...
Hoje, quase 25 anos depois do falecimento de Tancredo Neves, e cem anos depois de seu nascimento, é bom lembrar de um homem que pode ser mencionado em homenagens públicas com sinceridade, assim como podemos lembrar com orgulho de homens como Ulysses Guimarães, Darcy Ribeiro e Jefferson Péres - bem, essa é a minha opinião, não sei quanto aos leitores.
Num País em que política é sinônimo de corrupção e inépcia, em que o Congresso é tido como um bando de picaretas, em que o presidente governa quase que por decreto, em que muitas autoridades perdem a cada dia uma parcela de sua legitimidade moral, podemos lembrar de um político que trabalhou pela democracia, um conciliador, alguém cuja biografia não tem manchas.
Os políticos mineiros são conhecidos por sua capacidade de negociação que beira à hesitação. Eu morei em Minas por cerca de onze anos, sei que essa característica é bem marcante, há mineiros que se orgulham da "mineiridade". Tancredo foi um exemplo típico do político mineiro, que, em vez de atacar, conversa; em vez de concorrer, conclama; em vez de espalhar, reúne; em vez de gritar, fala baixinho para ser ouvido. Para o político mineiro, não há adversários: todos podem ser aliados. Se não hoje, amanhã. Para eles, não existe "sempre" nem "nunca". Há o "quem sabe", "pode ser", "talvez", "vamos ver".
Não sei se Tancredo Neves seria um bom presidente. Tenho motivos para achar que não seria muito diferente de Sarney quanto à política econômica e alianças, já que o País vivia um problema sério de inflação, e o maranhense, se eu não estiver enganado, manteve os ministros escolhidos por Tancredo. Mas a obra de um homem não pode ser colhida pelo tempo de exercício de um cargo. Grandes líderes sociais não exerceram cargos, a exemplo de Gandhi e Martin Luther King Jr. Tancredo foi um político e exerceu cargos, mas sua maior empreitada foi a de emprestar seu nome para a chapa que venceria a eleição do primeiro presidente civil depois do regime de 1964-1985.
Quem dera tivéssemos mais políticos dessa estirpe. Mas, de quem nos orgulharemos daqui a 25 anos? De quem?
Um comentário:
Eu era um pouquinho mais velho à época... e também seguia com interesse tudo o que acontecia. Não me parece que o governo Tancredo seria bom, pelo contrário - acredito que seria péssimo, tal como foi o do Sarney. Afirmo-o por um motivo simples - basta ver quem compôs seu elenco de ministros. Os mesmos que foram mantidos pelo Sarney - não me lembro de todos, mas era um saco de gatos, com gente dos dois lados. Lembro-me que havia, lá, Antônio Carlos Magalhães. Precisa dizer mais? O Tancredo ficou com aquela imagem de santinho porque não teve a oportunidade de fazer suas estripulias. Lembro-me do provérbio popular português: "Queres conhecer o vilão? Põe-lhe a vara na mão." Ele morreu antes disso.
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