Chegamos ao liminar de mais uma eleição presidencial. Lembro que em 2002, ao fazer as considerações finais no último debate antes das eleições, na TV Globo, o candidato José Serra disse: "Temos aqui um metalúrgico, um professor, um nordestino e um radialista. Isso é muito auspicioso".
O metalúrgico-sindicalista-migrante era Luiz Inácio Lula da Silva, que viria a ganhar a eleição. O nordestino (nascido, porém, em Pindamonhangaba/SP) era Ciro Gomes, que fez sua vida no Ceará. O radialista era Anthony Garotinho - para mim ficaria melhor ele ter dito que Garotinho era o primeiro evangélico candidato a presidente da República no Brasil, mas radialista foi o que ele quis mencionar. O professor era o Serra. Aliás, não apenas professor, mas ex-líder estudantil.
Daqui a alguns meses sairá o metalúrgico e um novo presidente levará sua coorte para o Planalto. O nordestino Ciro tenta se firmar, sem muitas alianças, sem muito tempo de TV e sem muito empenho, talvez, de seu próprio PSB. Queria ser a alternativa à polarização PT-PSDB. Queria discutir o Brasil pós-Lula. Queria firmar uma posição de homem público que pensa o Brasil, progressista, chateado com o fisiologismo do PMDB, mas sem a força partidária de outros candidatos. E sem novidade.
Surge, nesse cenário, a senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, sucessora de Chico Mendes na luta acriana, mulher amazônida, evangélica que não faz disso uma plataforma. Admiro a postura de Marina Silva que, mesmo sendo membro da Assembleia de Deus, não aproveita essa condição para tentar arrebanhar os votos de milhões de evangélicos. Garanto que a maioria dos assembleianos não sabe que Marina Silva é da mesma igreja. Na verdade, eles sequer a conhecem. Mas ela surge com o seu projeto de desenvolvimento sustentável, com sua biografia limpa, com sua crítica inteligente, com sua experiência, com sua bonita história de quem aprendeu a ler com 16 anos para depois se graduar e se pós-graduar. Se Lula acha que sua história é a mais bela de todas as que surgiram "neste país" - expressão de seu gosto -, é bom atentar para o diferencial dessa senhora: ela estudou. Queria eu uma perífrase para a senadora Marina Silva, mas não vou chamá-la de seringueira, nem de assembleiana: chamá-la-ei de "moça da Amazônia".
Agora, os mais destacados candidatos são José Serra e Dilma Rousseff. Serra é o professor, o líder estudantil que precisou se exilar no Chile e depois estudou nos Estados Unidos. É o administrador público, o economista, o planejador. É o homem frio que consegue não ser candidato em sendo candidato. É o cérebro.
De outro lado nessa polarização à brasileira, temos a ex-guerrilheira com fama de técnica rigorosa. Sua história de militância extremista deve ser lida pelos eleitores. Ela queria derrubar o poder pela força. Para que? Para implantar a democracia? Não sei...Hoje é candidata à presidência pela vontade do popular presidente Lula da Silva. Ela nunca disputou eleições, mas é candidata ao cargo mais importante da República. A gerente passaria a ser chefe política. A ex-guerrilheira comandaria as Forças Armadas. A segunda pessoa do presidente seria a primeira pessoa do país.
Estamos assim: de um lado, a ex-guerrilheira estatizante; de outro, não menos esquerdista, o estudante. Não que a esquerda seja ruim, amados leitores. Mas essa polarização à brasileira é engraçada: os dois lados são ligeiramente diferentes, pois em José Serra não parece haver aquele empenho privatista que lhe querem imprimir. Ele ainda é, para mim, um esquerdista, com alguma inclinação ao centro.
De qualquer maneira, todos esses candidatos são os melhores que pudemos produzir, certo? A guerrilheira, o estudante, a moça da Amazônia...e a alternativa inominada chamada Ciro Gomes. Acho que é um grande progresso. Não há entre eles nenhum filho da ditadura, nenhum gangster, nenhum coronel do meu nordeste, nenhum deputado federal paulista procurado pela polícia internacional. Não há também nenhum político caindo de para-quedas contra tudo e todos, nenhum messias, nenhum candidato que surge do nada para produzir retrocessos.
Nada me faz proferir o meu voto. Não digo de jeito nenhum. Mas o leitor poderá escolher entre o estudante, a guerrilheira, a moça da Amazônia e a alternativa inominada Ciro Gomes. Ou entre os candidatos de partidos sem tempo de TV, alguns desejosos de aplicar uma política não respaldada na Constituição.
Sou, porém, um eterno pessimista com a política. É melhor ser pessimista, para ser surpreendido com o bem, do que ser cabo eleitoral para depois curtir frustrações. Pelo menos para mim.
Um comentário:
O Ciro não é inominado, é inominável... E hoje ousarei discordar. A esquerda é ruim mesmo. Não só ruim, mas burra, anacrônica, desastrosa, i... Ah, deixa prá lá!
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