Agora que o casal Nardoni foi condenado em primeira instância pelo homicídio triplamente qualificado e pela fraude processual, sinto maiores condições de me manifestar acerca do caso, quando, antes, havia escrito posts sobre o caráter substitutivo do processo e sobre a diferença entre justiça e justiçamento. Ainda assim, não gosto de me pronunciar publicamente sobre casos dessa natureza, mas tratarei de nuances não-processuais.
Notemos o comportamento de alguns atores nesse processo: o juiz Maurício Fossen, sempre demonstrando a serenidade e sobriedade que se espera dos juízes, não apareceu na TV, não permitiu que filmassem o julgamento, não deu opiniões pessoais sobre o caso e depois se recolheu à sua vida normal. O promotor Francisco Cembranelli demonstrou firmeza, objetividade e clareza de raciocínio, sabendo utilizar os meios de comunicação para dar satisfação à sociedade a respeito do seu entendimento do que havia ocorrido. O advogado Roberto Podval, cumprindo o que a Constituição denomina "função essencial à Justiça", colocou-se ao lado dos réus, necessitados de apoio, de conversa, de ouvido, de amparo jurídico. Esse tripé juiz-promotor-advogado andou bem. É assim que deve ser.
Entre os operadores do Direito, é comum dizer-se que ao juiz cabe a serenidade, o recato, o desapego à vaidade. Aos promotores cabe a indignação, a combatividade, o anseio pela justiça. Aos advogados fica bem a moderação, a capacidade de ponderar a versão dada pelo Ministério Público. É muito bom que cada um desses atores faça o melhor possível. Diss resulta o devido processo legal.
Nota-se que aquelas pessoas enfurecidas do lado de fora do prédio do Fórum de Santana ficaram satisfeitas com a pena de mais de 31 anos para Alexandre e de 26 anos para Anna Jatobá. Se queriam o linchamento, contentaram-se com a privação de liberdade. O juiz Maurício Fossen foi sensível à necessidade de resguardar a credibilidade da Justiça, e por isso manteve a prisão cautelar. Homem sábio. Também se pôde constatar ali como um juiz deve prolatar a sentença: sem fúria, sem parcialidade, sopesando a pena, apresentando os fundamentos, dando os artigos do Código Penal e de outras leis, mostrando, enfim, por que disse o direito daquela maneira e não de outra.
Quanto à mídia, houve excessos, mas, de um modo geral, a cobertura não foi ruim. O caso em si causava clamor público, sem nenhuma dúvida. Como é que um pai é acusado de defenestrar sua filha pequena do 6º andar do edifício, com a ajuda da madrasta? Causa clamor mesmo, surpresa, perplexidade, e por isso a imprensa deve estar preparada. Não posso criticar demasiadamente a cobertura "minuto a minuto" porque seria hipocrisia de minha parte, logo eu que, quando posso, entro nos sites, leio a Folha de S. Paulo, sigo o blog do G1, assisto aos programas de TV, tudo para ficar por dentro dos fatos. Até cheguei a ouvir, ao vivo, a leitura da sentença, o que para mim foi salutar porque, entre outras coisas, estava ali a Justiça dando satisfação à sociedade. Depois do crime e do julgamento, vem o juiz, com serenidade, dizer o direito (jurisdictio), em vez de nos reportarmos à força bruta.
É claro que eu gostaria de que muitos outros crimes fossem apurados como esse foi. Nunca vi um trabalho pericial tão divulgado, não me lembro. E é certo que nem todo crime recebe o devido tratamento pericial e policial. Mas aí chegamos ao problema social. Como diz minha esposa, a questão não é jurídica, mas social. Se todo mundo tivesse advogado e poder aquisitivo, as coisas seriam mais céleres e mais claras.
De tudo o que vi, entendo que nesse caso a Justiça foi feita. O Tribunal do Júri deu o seu veredicto. Assim deve ser o Estado de Direito. Que possamos aprender com esse episódio - que, aliás, só começou.
2 comentários:
E eu, que pouco entendo de direito, só me indigno ao pensar que o cidadão só vai passar uns 10 ou 11 anos na cadeia - se tanto. A vida humana tem pouco valor no Brasil, e por aqui segue-se à risca o que já foi chamado de "primeiro mandamento das esquerdas" - qual seja, "Não punirás o malfeitor". De 31 anos e 8 meses para pouco mais de dez anos... Isso foi o que ouvi de diversos especialistas em direito penal que foram entrevistados.
João:
Concordo com você. Os benefícios como a progressão de regime trazem sensação de impunidade e falta de lógica. É preciso discutir isso.
Alex.
Postar um comentário