segunda-feira, 14 de julho de 2008

Entre números e genealogias (II) - Quando Deus peleja por nós

Continuando a série Entre números e genealogias, gostaria, primeiro, de observar o seguinte: sei que é bastante delicado fazermos aplicações devocionais de determinadas passagens do Antigo Testamento, e para isso contribuem alguns fatores: a) a nossa falta de conhecimento de uma teologia bíblica do Antigo Testamento; b) as dificuldades apresentadas por certos textos "obscuros"; c) o medo de parecer "judaizante"; d) a ênfase natural que se dá ao Novo Testamento - já que a Igreja é neotestamentária -, sem que se faça um estudo mais profundo do Antigo; e) o perigo de alegorizar e dizer mais do que o texto diz.
Esses são fatores consideráveis. Em contrapartida, quero continuar esses estudos devocionais em I Crônicas porque a) o Antigo Testamento é também a Palavra de Deus; b) o Antigo Testamento é refletido no Novo Testamento; c) o Antigo Testamento fornece princípios do caráter de Deus e de Sua relação com os Homens; d) a incompreensão do Antigo Testamento favorece os judaizantes, porque são estes que depurpam figuras e episódios sumamente israelitas ou judaicos e querem aplicar à Igreja.
Até para combater a heresia judaizante, que cresce no Brasil, precisamos entender o Antigo Testamento e aproveitar seus ensinos, dentre os quais estão elementos de cunho devocional. Se fizermos isso com cautela, sem alegorias resultantes de nossa imaginação, haveremos de extrair preciosas lições acerca do caráter imutável de Deus.
Estamos agora diante do texto de I Cr 5.18-26, que transcrevo a seguir:

"Dos filhos de Rúben, dos gaditas e da meia tribo de Manassés, homens valentes, que traziam escudo e espada, entesavam o arco e eram destros na guerra, houve quarenta e quatro mil setecentos e sessenta, capazes de sair ao combate.

Fizeram guerra aos hagarenos, como a Jetur, a Nafis e a Nodabe.

Foram ajudados contra eles, e os hagarenos e todos quantos estavam com eles foram entregues nas suas mãos; porque, na peleja, clamaram a Deus, que lhes deu ouvidos, porquanto confiaram nele.

Levaram o gado deles: cinqüenta mil camelos, duzentas e cinqüenta mil ovelhas, dois mil jumentos; e cem mil pessoas.

Porque muitos caíram feridos à espada, pois de Deus era a peleja; e habitaram no lugar deles até ao exílio.

Os filhos da meia tribo de Manassés habitaram aquela terra de Basã até Baal-Hermom, e Senir, e o monte Hermon; e eram numerosos.

Estes foram cabeças de suas famílias, a saber: Éfer, Isi, Eliel, Azriel, Jeremias, Hodavias e Jadiel, guerreiros valentes, homens famosos, cabeças de suas famílias.

Porém cometeram transgressões contra o Deus de seus pais e se prostituíram, seguindo os deuses do povo da terra, os quais Deus destruíra de diante deles.

Pelo que o Deus de Israel suscitou o espírito de Pul, rei da Assíria, e o espírito de Tiglate-Pileser, rei da Assíria, que os levou cativos, a saber: os rubenitas, os gaditas e a meia tribo de Manassés, e os trouxe para Hala, Habor e Hara e para o rio Gozã, onde permanecem até ao dia de hoje" [grifei].

O cronista intercepta a seqüência genealógica para mais uma narrativa sucinta. Como no caso (anteriormente referido) de Jabez (I Cr 4.9,10), o narrador oferece explicações teológicas para o sucesso ou o fracasso de determinadas pessoas ou grupos de pessoas. Agora, ele tem em mente as tribos de Gade, Rúben e Manassés em certo período histórico. Vale dizer que muito tempo separa o evento do registro, e que o cronista viveu depois do povo judeu ter ido cativo para a Babilônica (I Cr 9.1).
As tribos de Gade, Manassés e Rúben faziam parte do Reino do Norte, cuja capital, Samaria, veio a ser invadida pelos assírios em 722 a.C. O cerco a Jerusalém, capital do Reino do Sul (Judá e a meia tribo de Benjamim), deu-se a partir de 605 a.C., com a deportação de judeus começando em 586 a.C.
Israel, Reino do Norte, caiu primeiro (lembre-se que a contagem do tempo antes de Cristo é decrescente ou "de trás para frente"). Os rubenitas, gaditas e os da meia tribo de Manassés têm aqui, conforme a pena do cronista, um registro mais detalhado de como as coisas lhes sucederam até a queda (vv.25,26).
Mas o início do texto revela um povo que confiava em Deus. De fato, embora fossem "homens valentes" e soubessem guerrear, manuseando escudo, arco e espada, sendo "capazes de ir ao combate", eles decidiram clamar a Deus e confiar n'Ele. Entre os da meia tribo de Manassés havia até mesmo "homens famosos". No entanto, não obstante a sua força bélica, eles entenderam que confiar no SENHOR seria melhor. E esse foi o motivo de seu êxito sobre os hagarenos e outros que os acompanhavam.
Por que Deus tomou a peleja para si? Simplesmente porque houve confiança n'Ele.
É importante recordar que as guerras de conquista eram consideradas legítimas na Antiguidade, quando povos migravam para outras terras e buscavam tomar propriedades pelo uso da força. Hoje essas guerras são consideradas injustas, de maneira que as guerras de conquista parecem estranhas a nós, indivíduos do Séc. XXI. Mas é necessário entendermos o contexto, pois esse era o modo natural de as nações estabelecerem seus domínios.
De toda sorte, a guerra entregue a Deus mediante a fé ilustra para nós a necessidade de depositarmos no SENHOR toda a nossa confiança. Deus aprecia a confiança n'Ele depositada, como dissemos no caso de Jabez, que foi mais ilustre do que seus irmãos porque confiou em Deus (I Cr 4.9,10).
Entretanto, o pecado atrapalha essa relação. O pecado sempre atrapalha. Ele é como um vírus, uma doença, uma infecção - Deus não compactua com o pecado. Essa é uma regra absoluta.
Justamente por isso, Deus não foi favorável aos gaditas, rubenitas e à meia tribo de Manassés depois que eles se prostituíram, seguindo outros deuses. Essa prostituição pode ser entendida como a idolatria, no sentido de infidelidade a Deus; e como o uso da prostituição cultual, muito difundida por vizinhos de Israel e que acabou contribuindo para a queda desse Reino no período do rei Oséias.
Quando o texto diz que Deus suscitou o espírito do rei da Assíria para levar israelitas ao cativeiro, isso indica a intervenção de Deus na História, mas não nos autoriza a ficar interpretando os acontecimentos históricos a partir de supostas explicações teológicas. Essa tarefa coube ao Espírito Santo ao inspirar, em geral, profetas e apóstolos, como fez também neste caso com o cronista. Precisamos somente atender ao fato de que Deus Se importa com o que sucede aos Seus servos.
Além disso, a palavra "espírito" não significa um demônio que supostamente usaria o rei da Assíria, mas denota, isto sim, a atitude, o ânimo desse rei. O Deus de Israel suscitou o ânimo do rei assírio para que ele se dispusesse a invadir Israel.
Mas o que eu quero destacar é o seguinte: quando o povo confiou em Deus e levantou um clamor diante de seus adversários, o SENHOR atendeu. Quando o povo pecou, Deus enviou outros adversários, ainda mais fortes, para executar Seu juízo.
Não adianta o Homem querer determinar absolutamente nada a Deus. Não adianta "tomar posse", decretar, exigir, reivindicar, ordenar, declarar...Basta pedir a Deus com fé para que, segundo a Sua soberana vontade, seja-nos concedido o que for melhor, de acordo com os santos e eternos propósitos do SENHOR. Isso vale para o Antigo e Novo Testamentos. Isso vale para a relação entre Deus e os Homens.



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