A Epístola de Tiago é singular no Novo Testamento:
a) destaca a sabedoria, tal como os Livros Sapienciais do Antigo Testamento (1.5-8; 3.13-18; cf. Pv 1.1-7, 20-33; 2; 3; 8; 9; Ec 10);
b) emprega um estilo parecido com o de Jesus (1.9-11; 3.11,12; 4.11,12; 5.12);
c) apela para a necessidade de praticar obras correspondentes à profissão de fé (1.22-25; 2.14-26; 3.13);
d) desafia profundamente a conduta dos crentes (2.1-13);
e) preocupa-se com o uso da língua, como Provérbios (3.1-12; 4.11,12; cf. Pv 10.11,13,14,18,19-1,31,32);
f) exalta o valor da Lei (1.25; 2.9-13; 4.11,12);
g) cita, a despeito de sua brevidade, vários personagens do Antigo Testamento: Jó e os profetas como modelos de paciência, Elias como referência de eficácia na oração, e Abraão e Raabe como exemplos de quem demonstrou fé por meio de obras (2.21-25; 5.10,11,17,18);
Tiago usa muitos verbos no imperativo (1.2,5-7,13,16,19,21,22; 2.1,12; 3.1,4,13,14,7-11,13; 5.7-10,12-14,16), o que ressalta sua ênfase na exortação.
De um modo geral, a Carta de Tiago é taxativa, diferente das Cartas doutrinais do apóstolo Paulo, ou do tratado teológico de Hebreus, ou, ainda, do jeito pastoral de João em suas três Cartas.
Tiago "não passa a mão pela cabeça", como dizem meus pais. Seu sermão é até um tanto agressivo (ver 4.1-10).
Com ele não há meio-termo: ou o homem é sábio segundo a sabedoria de Deus ou não; ou o homem tem fé e pratica boas obras ou não tem fé nenhuma; ou o homem pede e recebe porque pede bem ou pede e não recebe porque pede mal.
Munido de toda essa ênfase vetero-testamentária e apego à cosmovisão judaica, pode parecer que Tiago seja legalista, mas não é assim: ele sabe que Deus nos gerou segundo o seu querer pela palavra da verdade, para sermos como primícias de suas criaturas (1.18); que a palavra que devemos acolher com mansidão foi em nós implantada (1.21); que a palavra em nós implantada é poderosa para salvar a nossa alma (1.21); que a lei perfeita é a lei da liberdade (1.25; 2.10-13); que Jesus Cristo é o Senhor da glória (2.1); que a fé morta, porque sem obras, é uma não-fé, uma nulidade retórica (2.17,26).
Tiago contrapõe a fé meramente confessional à fé bíblica. Em sua argumentação cristalina, afirma que até mesmo os demônios crêem e estremecem (2.19). Só que a crença dos demônios é simplesmente um assentimento intelectual de que o que Deus diz é verdadeiro. A fé bíblica, por sua vez, consuma-se pelas obras (2.22), manifesta-se pelas obras assim como o espírito se pronuncia por meio do corpo (2.26).
Não há conflito entre Tiago e Paulo. Cada um deles foi usado pelo Espírito Santo para destacar um aspecto valioso da vida cristã: as obras que provêm da fé (Tiago) e a justificação pela graça mediante a fé (Paulo, especialmente em Romanos, Gálatas e Efésios). O próprio Paulo escreveu que fomos criados em Cristo para as boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nelas andássemos (Ef 2.10). Dessa forma, o ensino paulino vai no sentido de que a finalidade da fé são as obras. Não é isso o que Tiago diz?
De todas as Epístolas neotestamentárias, Tiago é a que mais se assemelha ao ensino de Jesus em sua dimensão ética, que se observa com destaque em passagens como a do Sermão do Monte (Mt 5-7; Lc 6.20-23, 27-38, 46-49); da exortação aos ricos (Lc 6.24,25); da correspondência entre a qualidade da árvore e a qualidade do fruto (Mt 12.33-35; Lc 6.43-45). Enfim, Tiago verte em sermão epistolar parte do que os Evangelhos estabeleceram acerca do que Jesus ensinou. É, pois, um documento evangélico de extrema relevância!
A Carta de Tiago precisa ser visitada com urgência em nossos púlpitos. Há uma grande necessidade de avaliarmos a operosidade de nossa fé. A vida cristã não pode ser limitada a declarações, confissões e catecismos, tampouco a práticas eclesiásticas vazias e tradicionalistas, quiçá vaidosas. Precisamos atentar para o que Tiago ensinou, porque foi isso o que Jesus ensinou.
Parece-me que transformamos o credo da Salvação pela Fé num empecilho para a prática de boas obras ou numa justificativa para a inação. Conceitos como a regeneração são contemplados como algo metafísico, transcendente, e esquecemos de que para isso Cristo encarnou, ou seja, contextualizou a Divindade...
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