Todo rótulo é parcial, unilateral e, por isso, preconceituoso. Rotular alguém ou alguma coisa sempre prejudica a análise. Por outro lado, os rótulos fazem parte da vida, são quase que necessários à conceituação, classificação e informação. Como, pois, equilibar as coisas?
Os jornalistas usam e abusam dos rótulos. Quando falam de evangélicos, por exemplo, colocam todo mundo no mesmo balaio de gato. O camarada comete um crime e o jornal publica sua religião quando ele é "evangélico". Grupos eclesiásticos fazem um evento de importância num feriado qualquer e se diz que "igrejas evangélicas promoveram o evento tal". Deputados evangélicos se envolvem em escândalos de corrupção e nem sempre se nomeia sua igreja. E a mensagem evangélica vai ganhando cores as mais variadas, porque tudo o que não é católico, espírita, oriental ou afro-brasileiro passa a ser evangélico desde que use a Bíblia e fale de Jesus.
A historiografia da ciência das religiões classifica os evangélicos em históricos, pentecostais históricos e neopentecostais. Milhares de denominações entram nessas três categorias. Tudo bem, esse é só um esforço didático e científico, mas que não deixa de criar rótulos, que são sempre parciais, unilaterais e por isso preconceituosos.
Vamos lá: o que é o pentecostal? É aquele que acredita no batismo com o Espírito Santo como experiência carismática e distinta da Salvação? Que acredita na atualidade e necessidade de buscar os dons carismáticos? Que acredita nos milagres como fenômenos que devem acontecer normalmente na vida do cristão? Se esta for hipoteticamente a definição de pentecostal - repito que é apenas uma definição rascunhada agora - eu deixo de o ser, porque para mim os milagres são a exceção, e não a regra; para mim, os milagres acompanham os que crêem (Mc 16.17), e não o contrário; para mim, os milagres acompanham os que crêem quando eles vão pregar o Evangelho (Mc 16.15-17), e não quando ficam sentados esperando uma bênção cair em seu colo; para mim, os milagres são mais para a proclamação do Reino de Deus ao mundo do que para o bem-estar e alegria dos crentes; para mim, os milagres existem, mas sua pregação como sendo necessários ao cotidiano se torna uma contradição, porque milagre sempre é excepcional.
Deduzindo por esse caminho, eu não seria pentecostal.
Mas eu também não sou um histórico nem um neopentecostal.
Não sou histórico porque os históricos (reformados, luteranos, congregacionais, batistas, episcopais, anglicanos) não ensinam a necessidade de buscar os dons espirituais e dizem que o batismo com o Espírito Santo é o mesmo que regeneração ou dotação de unidade à Igreja quando inaugurada no Dia de Pentecostes. Espere aí: será que todos eles dizem isso? Será que alguns não crêem na existência da plenitude do Espírito, que pode se manifestar de maneira carismática, embora não dêem destaque a isso e não chamem de batismo no Espírito Santo? Será que todos eles dizem que as línguas cessaram, ou que nunca existiram, ou que não cessaram mas não são importantes em nossos dias?
Considero-me muito mais histórico do que poderia imaginar em outros tempos, quando ainda chamava os batistas de tradicionais. Na verdade, naquilo que concordo com os históricos a Assembléia de Deus, minha denominação, também está de acordo. Refiro-me a pontos principais, e não a pareceres teológicos secundários - nisso somos pentecostais históricos, eu e a Assembléia de Deus. Espere aí: e a questão dos milagres...? Espere aí: o que são esses "pontos principais"?
Quanto aos neopentecostais, quem são eles? Dizem que as principais igrejas neopentecostais são a Deus é Amor, O Brasil para Cristo, a Quadrangular, a Universal do Reino de Deus, a Internacional da Graça de Deus, talvez a Sara Nossa Terra. Não podemos esquecer das batistas "renovadas", sejam as ligadas à Convenção Batista Nacional, sejam as igrejas batistas que foram se "renovando" à margem desse processo iniciado por Enéas Tognini. Há ainda a Cristo Vive, a Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (Valnice Milhomens) e tantas outras desse naipe.
Depois, vieram muitas e muitas outras, cujos nomes pululam na Internet, e nem sei o que elas são, em que categoria se enquadram.
Há os diversos "ministérios", as "comunidades", as "missões", a Igreja sem nome, que chamamos carinhosamente de Igreja Local, para facilitar.
Mas, o que são mesmo as igrejas neopentecostais? Elas empregam o método do G-12? Elas têm que utilizar algum manual americano de crescimento explosivo? Elas querem um dia imitar o Rick Warren e construir templos em que caiba todo mundo para que as pessoas não precisem passar em casa depois do culto matutino? Elas pregam um cristianismo judaizante - que, por sinal, tem crescido ultimamente? Elas gostam de danças em seus momentos de louvor? Elas usam um pentecostalismo atravessado que não sabe sequer teoricamente o papel das experiências carismáticas? Elas apreciam as músicas, figurino e apresentação da Ana Paula Valadão, ou preferem a Cassiane? A demonologia delas fica de que modo? Neusa Itioca ou descarrego?
Sim, me diga, o que são os neopentecostais?
Quer saber de uma? Creio que os neopentecostais não existem. Esse é só um rótulo para definir o que não tinha conceito preciso. Quanto mais o tempo passa, mais vai se afirmando a tendência de certas igrejas não-históricas e não-pentecostais se mostrarem que não são apenas uma terceira via, mas um conglomerado e grupos diversificados e irmanados tão-somente pelo inusitado.
A teologia é inusitada, o interesse pelo dinheiro é inusitado, a hermenêutica é inusitada, a pregação é inusitada, os métodos são inusitados, o tirar Jesus do centro é inusitado*.
Está aí: mais um rótulo para essa vida que precisa de rótulos: as igrejas do inusitado.
*Com isso não me refiro a todas as que foram mencionadas no bloco chamado de "neopentecostal", mas digo que nenhum rótulo se aplica àquelas igrejas de modo adequado, seja o histórico, seja o pentecostal; e digo também que a marca de uma tendência é o inusitado, mas não me refiro nominal e especificamente a nenhuma igreja. Apenas discordo do rótulo em que elas estão agrupadas.
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