Tenho receio de me tornar, no futuro, um teólogo jornalista, que é aquele tipo de teólogo que escreve sobre as tendências da teologia e da igreja, sobre os movimentos, sobre fatos sociais e históricos, mas sem uma fundamentação dogmática.
Tenho receio também de me tornar um teólogo jurista, que é aquele tipo de teólogo que acusa ou defende teses, mas que não se aprofunda para verificar se suas hipóteses são verdadeiras.
Talvez o meu juízo crítico e meu gosto por escrever me façam inclinar pelo jornalismo, enquanto a formação em Direito certamente me atrai ao jogo da argumentação e da apologética.
Sei que um pouco de jornalismo e de direito não fazem mal ao teólogo, e não posso, em sã consciência, desprezar esses ramos do conhecimento.
Não posso olvidar, por exemplo, que o médico Lucas empreendeu um nítido trabalho de reportagem ao escrever tanto o Evangelho que leva seu nome como o Livro de Atos dos Apóstolos. Ele mesmo diz ter feito "acurada investigação" (Lc 1.3), o que não ocorreu senão a partir de diálogos com pessoas que testemunharam os principais fatos ali narrados. Esse é o caso de um trabalho jornalístico em que se fez teologia, por meio da apresentação de fatos que, ordenados de determinada maneira, apontam para verdades espirituais.
Já um teólogo que fez sua teologia de modo um tanto jurídico foi o apóstolo Paulo, quando na Epístola aos Romanos estabelece a figura de um interlocutor imaginário com quem, ao dialogar, vai fixando a doutrina da justificação pela graça, mediante a fé. Ora, isso não é argumentação? Sim, embora não se trate de dialética, mas de diatribe, a Epístola aos Romanos lança mão de um recurso apologético muito claro.
Antes que alguém me acuse de pedantismo, é recomendável dizer que dialética é a oposição de tese e antítese para se chegar a uma síntese, enquanto diatribe é simplesmente a busca da verdade por meio do diálogo.
Paulo, ao usar a argumentação, não pode ser acusado de legalista, porque legalismo foi o que ele combateu. Uma coisa é o legalismo, que consiste em adotar um código moral como veículo de salvação; outra coisa, totalmente diferente, é o que poderíamos chamar de juridicismo, que seria a adoção da argumentação jurídica ou de palavras jurídicas para explicar um fenômeno qualquer.
O próprio Paulo usou figuras jurídicas para ilustrar verdades espirituais, como a adoção, a tutela, o vínculo matrimonial, o testamento, a herança, além de demonstrar farto conhecimento de direito.
Querem ver? Quando Paulo diz "Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm" (I Co 10.23), ele traça a distinção entre direito e moral, porque nem tudo o que é lícito (jurídico, legal) mostra-se ético. Quando diz que "a letra mata, mas o espírito vivifica" (II Co 3.6), ele afirma que o que importa é a essência da lei, e não meramente sua forma. Toda a proposição de Paulo sobre a lei em Romanos e Gálatas é recheada de conhecimento sobre o papel da lei em termos seculares, e demandariam um livro para sua análise, tamanha a riqueza teológico-jurídica!
Mas, fazendo essas considerações sobre Paulo e Lucas, devo reconhecer que eles foram sábios no uso de seus talentos. Acima de tudo estava a revelação divina, que se serviu do direito e da reportagem para apresentar ao mundo fatos e doutrinas fundamentais. Eles não ficaram disputando idéias pré-concebidas, nem usaram seus conhecimentos para benefício pessoal.
Espero, portanto, escapar de ser um teólogo jornalista ou um teólogo jurista. Quero ser simplesmente um teólogo que eventualmente usa ferramentas de outras áreas do saber.
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