Cheguei agora há pouco a este mundo. Estou começando a me adaptar aos costumes de um povo muito diferente. Ainda me pego assustado, surpreso e pensativo. Há muito o que aprender e não aprender com eles.
Vejo homens com roupas cheias de panos andando sob um sol escaldante, que faz o horizonte tremular. Eles usam no pescoço um pano que dá um nó e deixa o calor ainda mais forte. Por cima de uma veste, existe outra, bem calorenta, que se abotoa e esconde parte dessa tira que envolve o pescoço.
As mulheres usam roupas demasiado compridas. Em vez de bonitas, parece que lutam para ficar mais feias. Acho que há uma disputa para ver quem é a mais feia de todas. A fealdade feminina deve ser uma virtude por aqui. A vaidade natural das mulheres foi substituída por alguma coisa que ainda não consegui visualizar.
Parece-me que a moda desse povo é acompanhar a moda de décadas atrás, porque descobri, vendo filmes e livros, que assim se vestiam seus pais e avós. Deve ser, enfim, um critério de bom gosto.
Adultos, jovens, adolescentes e crianças vestem-se com roupas parecidas, mudando só o tamanho. A infância deles é uma etapa que antevê o futuro padronizado de todos. O menino é um homenzinho, a menina, uma mulherzinha. As mesmas roupas calorentas se vêem nas crianças e adolescentes, como um uniforme que varia do preto ao cinza.
Vejo também que esse povo usa um livro sagrado, mas não entende direito o que ele diz. Há uma retórica de que o livro é a palavra divina, mas ao mesmo tempo dizem que não se deve estudá-lo. Em minha cultura, lá no meu planeta, isso seria chamado de contradição, mas realmente não sei como eles denominam esse fenômeno por aqui. Talvez seja normal dizer que um livro é palavra divina e não reconhecê-lo como fonte de ensino. Talvez seja algo do misterioso, do sobrenatural, do místico.
Eles reúnem-se num prédio simples e cantam músicas sagradas. O líder fala, mas nada impede que outros atravessem com idiomas diferentes, que ninguém entende. Às vezes aparece alguém com uma interpretação, mas é raro. Via de regra, falam-se várias línguas, e, por estranho que possa parecer, quanto menos se entende o idioma mais alegria se vê entre o povo!
Acompanhei algumas dessas reuniões. Enquanto o líder falava no vernáculo, havia silêncio. Quando, porém, ele falou em língua desconhecida, houve grande emoção, e outros passaram a dizer palavras em língua desconhecida. A comoção é generalizada quando isso acontece. Eu confesso que ainda não compreendi isso, embora tenha me esforçado bastante. Talvez seja o mesmo interesse pelo misterioso, sobrenatural e místico, como se a sacralidade deles estivesse no desconhecido, e não em algum tipo de revelação.
Outro dia uma dessas pessoas se levantou dizendo que traria uma revelação. No entanto, no meio do discurso, disse que era mistério. Aí eu já não entendi nada: é revelação ou mistério? Mais uma vez aquela questão da contradição!
Tenho lido o livro sagrado desse povo, ao mesmo tempo em que estudo um livro de gramática e interpretação de texto, usado pelas escolas primárias. Usando os princípios gramaticais e de interpretação contidos nesse livro didático, parece que há uma distância entre o que está escrito e o que este povo faz em sua prática, ao menos quanto a algumas coisas de seu culto e de seu discurso.
Será que a regra entre eles é justamente negar e contradizer o escrito para finalmente despertar o âmago das coisas? Será uma tática filosófica? Que lógica conduz esse povo? Quem foi seu fundador? Que estupenda inteligência inspira seus raciocínios? Seria, afinal, a experiência diária e costumeira a chave para se chegar à verdade que eles dizem existir?
Que espécie de cultura é esta? Temo jamais descortiná-la.
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